sexta-feira, 31 de julho de 2015

A queda de Sefarad

O dia 31 de julho de 1492 foi a data limite, de acordo com o Decreto de Alhambra assinado pelos reis de Castela e Aragão, para que todos os judeus que viviam na Espanha e não se converteram ao cristianismo deixassem o país sob pena de morte.

A presença judaica na Europa remonta aos tempos romanos. Mesmo antes da Segunda Diáspora, ocorrida a partir de 70 d.C. quando Roma debelou uma rebelião na Judeia e destruiu o Segundo Templo em Jerusalém, colonos e mercadores judeus se estabeleceram em várias cidades do Império. O advento do cristianismo como religião oficial, e a queda do Império do Ocidente não interferiram muito na vida dos judeus num primeiro momento. As perseguições ocorriam pontualmente, sobretudo em cidades onde os judeus se congregassem em comunidades importantes ou concentrassem a atividade econômica - nesses episódios emergia a tese de que os judeus assassinaram Jesus, e todo tipo de superstição derivada disso, fazendo com que os cristãos se voltassem contra eles. Como resultado, as comunidades judaicas, às vezes, precisava se mudar e se dissolver para se congregar em outro lugar, até que fossem perseguidas novamente.

No século VIII a Península Ibérica caiu sob domínio islâmico. Os muçulmanos, no entanto, deixavam geralmente os judeus em paz, pois eram um dos "povos do livro" especificados no Alcorão como irmãos em fé - o Deus de Maomé é o Deus de Abraão, que é o Deus dos judeus e dos cristãos. Também existia uma afinidade étnica, expressa alegoricamente no Antigo Testamento: ambos os povos descendem de Abraão, mas os judeus descendem da linhagem de Isaque, e os árabes (incluindo os muçulmanos, pois nem todo árabe era ou é seguidor do Islã) de Ismael, seu meio-irmão mais velho. As línguas hebraica e árabe também são conectadas por uma ancestralidade em comum. Então, embora o policiamento religioso e a aplicação de impostos específicos aos judeus oscilassem de tempos em tempos, esse reconhecimento mútuo permitia que os judeus encontrassem mais facilidades sob domínio sarraceno do que em solo cristão. Os judeus identificavam a Espanha com Sefarad, uma terra citada no Antigo Testamento mas não claramente definida, que o profeta Obadias prometia que os judeus que viviam lá herdariam as cidades do Neguev (o deserto ao sul de Israel). E foi naquela Sefarad que a civilização judaica atingiu seu apogeu cultural desde os tempos bíblicos.

Durante a Idade Média, a vida para um judeu era mais fácil nos domínios muçulmanos do que cristãos, de modo que muitos judeus que viviam no ocidente (na França, na Itália, na Inglaterra) se deslocaram para a Península Ibérica. As coisas mudariam à medida em que os pequenos reinos cristãos no norte da Espanha promoviam a Reconquista e empurravam os muçulmanos para o sul. A hostilidade para com os judeus locais era a mesma que os cristãos nutriam pelos seus inimigos muçulmanos. A motivação para a Reconquista era religiosa, e os cristãos reassentados nos territórios conquistados marcavam seu território com violência. A maioria dos judeus sefaraditas fugia para o sul, para o que restava do Califado de Córdoba, ou aceitavam converter-se ao cristianismo.

Alguns desses cristãos novos acabaram se beneficiando do seu novo status religioso e seguiram prosperando. Corriam, então, boatos de que esses cristãos novos continuavam praticando o judaísmo em segredo (os espanhóis usavam o termo pejorativo "marrano", ou "porco" para esses criptojudeus), e se infiltravam nas igrejas para convencer outros cristãos a adotarem suas práticas. Isabela, rainha de Castela, e Fernando, rei de Aragão, se casaram em 1469, e começaram a coordenar iniciativas para investigar e expor os criptojudeus. Em 1478 os dois fizeram um pedido formal a Roma para a criação de um tribunal da Inquisição em Castela, a Inquisição Espanhola (que mais tarde teria outro tribunal em Aragão) para investigar as atividades de judeus e novos cristãos. Não há um registro fiel das atividades da Inquisição no século XV, mas entre 1540 e 1700 cerca de 87000 casos foram levados a julgamento, resultando em pelo menos 1300 execuções.

No Califado de Córdoba os judeus ainda gozavam de algumas liberdades, embora a fragilidade do país diante do avanço cristão ao norte o houvesse tornado, na prática, um Estado tributário dos reinos ibéricos. Em 1491, diante de uma invasão iminente, o emir de Córdoba assinou com Isabela o Tratado de Granada, que garantia aos muçulmanos e judeus que viviam ali proteção e liberdade religiosa. Castela e Aragão tomaram Granada e cerca de 200 mil muçulmanos e judeus permaneceram residindo na região. A maioria fugiu em seguida para o norte da África, alguns se converteram para evitarem serem molestados pelos conquistadores. Mas Isabela e Fernando começaram a traçar novos rumos para sua política com os judeus.

Em 1592 Francisco Jimenez de Cisneros passou a ser confessor da rainha Isabela. Este Cisneros, antissemita ferrenho (e, a título de curiosidade, um entusiasta da democratização dos papeis dos gêneros na religião), havia ordenado a queima de cópias do Alcorão e todos os livros de posse dos muçulmanos em praça pública após a queda de Granada, entre 4 e 5 mil exemplares (poupando, contudo, os tratados de medicina). Cisneros parece ter sido instrumental nas discussões que levaram à substituição do Tratado de Córdoba pelo Decreto de Alhambra. Convencida a rainha de que os judeus estavam pervertendo os cristãos, o Decreto (que também foi assinado por Fernando) previa um prazo de quatro meses a partir da sua publicação para que todos os judeus residentes em Castela e Aragão se convertessem ou deixassem o país. Dentro deste prazo, a partir do terceiro mês o governo deixaria de oferecer-lhes proteção, de maneira que um cristão que atacasse um judeu não seria punido. A eles era permitido levar seus pertences, exceto ouro, prata e moedas. A pena para os judeus que permanecessem nesses países seria a execução sumária. Aos que acobertassem ou oferecessem abrigo a um judeu, a pena seria o confisco de bens e direitos sobre heranças e títulos.

Começou então um novo êxodo. Mesmo que de 50 a 70 mil tenham se convertido, algo na casa de centenas de milhares optaram por deixar a Espanha. Metade fugiu para o vizinho Portugal, onde, em 1497 seriam forçados novamente a escolher entre a conversão e a fuga (os novos cristãos portugueses tiveram papel significativo na organização das primeiras expedições portuguesas ao Brasil). Uma parte dos judeus fugiu para o norte da África, onde ainda hoje existem comunidades no Marrocos, na Argélia e na Tunísia. Um grande número buscou abrigo no Império Otomano - o Sultão Bayazid II ofereceu asilo aos judeus e mandou navios para buscá-los na Espanha, levando-os em segurança a Tessalônica (Grécia) e Izmir (Turquia). Uma vez em domínio otomano, esses judeus se dispersaram nos Bálcãs, no Egito, na Síria, na Palestina e em outros territórios árabes. Uma minoria dos que foram para o leste seguiram para a Ásia Central, onde juntaram-se aos judeus de Bukhara (no Tajiquistão) e da Índia.

Durante as perseguições que se seguiram aos que insistiram em permanecer em seus lares, e entre os que enfrentaram as viagens ao estrangeiro, estima-se que as mortes tenham chegado a dezenas de milhares. Nos dias que antecederam o fim do prazo, rumores de que os judeus estavam engolindo metais e pedras preciosas para levá-los consigo fez com que populares perseguissem e assassinassem judeus para abrir suas barrigas e procurar por eles. Donos de navios espanhóis que ofereciam transporte aos fugitivos cobravam fortunas para o serviço, e atiravam os passageiros ao mar. Os que se converteram, além de terem que seguir estritamente os costumes católicos, precisavam se casar com cristãos para evitar as suspeitas de conspiração e subversão sob a vigilância da Inquisição. Uma boa parte destes cristãos novos eventualmente deixaria a Espanha para tentar a sorte, especialmente na Holanda, onde criptojudeus sefaradim se sentiam seguros o suficiente para renunciar à conversão e praticar abertamente a sua fé (a experiência, o conhecimento, e as conexões dos comerciantes judeus viriam a ser úteis para a crescente economia holandesa).

A diáspora dos judeus sefaraditas teve impacto em todas as regiões onde eles se reassentaram. Apesar do desmembramento demográfico, os sefaradim ainda nutririam uma identidade étnico-cultural que perdura até hoje. São reconhecidas comunidades numerosas de judeus com ascendência sefaradi em países como França, Estados Unidos, Argentina, Marrocos, Argentina, Bósnia, Panamá, e, antes da Segunda Guerra Mundial, também na Síria, Líbia, Egito, Irã, e boa parte da Europa Ocidental. A maioria dos sefaradim vive hoje em Israel.

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