quinta-feira, 9 de julho de 2015

Terremoto de Sanriku de 869

No dia 9 de julho de 869, um potente terremoto de pelo menos 8,4 na escala de magnitude de momento perto da costa japonesa atingiu a região de Sanriku, a costa nordeste da ilha de Honshu onde fica hoje a cidade de Sendai. Foi o primeiro terremoto precisamente datado e registrado na História do Japão. Possivelmente o tremor tenha atingido 9,0 nessa escala, devido à extensão do estrago, semelhante ao tremor ocorrido na mesma região em 2011.

O arquipélago japonês é resultado do encontro de três placas tectônicas (as placas Eurasiática, de Okhotsk, e das Filipinas) e a direta influência de outra (do Pacífico). Da convergência e sobreposição das quatro placas, a crosta terrestre se elevou, erguendo o assoalho marinho até se tornar uma cadeia de montanhas. A zona de tensão também deu origem a vários vulcões (10% de todos os vulcões ativos do mundo), e a constante fricção e acomodação das placas tectônicas e a atividade vulcânica tornam o Japão altamente propício a terremotos e maremotos (cerca de 20% de toda a atividade sísmica do mundo é registrada no Japão anualmente). Nos 30 dias que precedem este post, foram registrados 36 tremores de terra no país com pelo menos 4,1 de magnitude (o de anteontem, 6,3 em Nemuro, na ilha de Hokkaido, e exatamente 5 horas atrás um outro de 5,1 no litoral da prefeitura de Iwate).

O litoral nordeste da ilha de Honshu é a região mais suscetível a terremotos e maremotos, porque é a parte do arquipélago que está em contato com a placa do Pacífico, cujo movimento de expansão em direção ao Japão é mais veloz do que movimento das demais placas da área. A placa do Pacífico é constituída basicamente de basalto mais denso do que as rochas graníticas da placa de Okhotsk (onde aquela parte de Honshu está localizada), então ela mergulha por baixo do Japão próximo ao litoral. Como consequência do impacto e do atrito, os sismos naquela região costumam ser mais potentes. E como eles costumam ocorrer no fundo do mar, maremotos são particularmente comuns ali. Os maremotos são os reflexos mais temíveis dos terremotos do nordeste do Japão, porque mesmo que você se proteja do tremor de terra ficando em lugares abertos ou construindo edifícios à prova de abalos, as ondas gigantes viajam a grande velocidade varrendo tudo à sua frente, carregando grandes objetos e árvores, que colidem com estruturas aumentando a extensão dos danos, e nem sempre você tem tempo para correr a algum local mais alto. O maremoto no Oceano Índico de 2004, com ondas de até 30 metros de altura atingindo em cheio o Sudeste Asiático e o Sri Lanka, e chegando tão longe quanto a África do Sul, foi uma das catástrofes naturais mais letais que já ocorreram no planeta.

O terremoto de 869 foi seguido de ondas gigantes que varreram a as planícies da atual Prefeitura de Miyagi por 4 quilômetros terra adentro. Na época não havia grandes concentrações de pessoas na região ou cidades importantes, de maneira que as fatalidades e os danos materiais foram bem baixos para a potência estimada do abalo - um relatório da época notifica mais de 1000 mortos e a perda de rebanhos e alguns templos, especialmente devido às ondas gigantes. Foi o primeiro sismo registrado no Japão com uma data precisa, mas depósitos sedimentares na planície de Sendai indicam uma periodicidade de 800-1100 anos para sismos dessa magnitude nos últimos 3000 anos

A cidade de Sendai, a principal da região atualmente, foi estabelecida em 1600 pelo daimyo Date Masamune (figura que se tornaria folclórica e facilmente reconhecível como um samurai com uma lua crescente fazendo as vezes de chifres no seu capacete) em território recentemente conquistado. A planície de Sendai lhe parecia um lugar mais apropriado do que seu antigo palácio em Iwadeyama, pois era mais central em relação às suas terras, e mais próximo de Edo (atual Tóquio), a capital do shogunato. A cidade foi planejada com avenidas e linhas retas, cujo plano se manteve até hoje, reproduzido nas cidades conurbadas na Prefeitura de Miyagi, em volta de Sendai. O advento de uma ferrovia no final do século XIX ligando a Tóquio proporcionou grande crescimento populacional. A região de Miyagi comporta hoje 2,3 milhões de habitantes, quase metade deles vivendo em Sendai (a cidade possui uma densidade média de 1300 habitantes/km², chegando a quase 7000 em algumas áreas).

À medida em que Sendai e as vilas vizinhas foram se desenvolvendo, os repetidos terremotos e maremotos se tornaram cada vez mais mortíferos. Em 1611 um maremoto causado por um abalo na zona de subdução da Placa do Pacífico devastou toda a costa de Sendai (vitimando ali mais de 1700 pessoas e 3000 cavalos) até a ilha de Hokkaido, atingindo em cheio a Prefeitura de Iwate, ao norte de Miyagi, com ondas de mais de 20 metros de altura. Aparentemente foi a primeira vez que a palavra "tsunami" foi usada para descrever as ondas gigantes. Um maremoto maior ainda, com ondas de 38 metros de altura, ceifou 22 mil vidas em 1896 (os pescadores deixaram a costa pela manhã e não sentiram as ondas em mar aberto, mas ao voltarem no dia seguinte se depararam em choque com suas vilas arrasadas e corpos despedaçados). Foi apenas após outro sismo semelhante ocorrido em 1933 (cujas ondas gigantes atingiram os 9 metros de altura no Hawaii) que o Japão começou a tomar medidas de prevenção a tsunamis.

Na década de 50, o governo japonês construiu um sistema de alerta de tsunamis com 300 sensores distribuídos ao redor do arquipélago. Centenas de abrigos anti-tsunami foram construídos, sobretudo na costa leste de Honshu. Em algumas áreas foram construídas barreiras ao longo da costa para dissipar ou frear o avanço de ondas gigantes. Em julho de 1978 um terremoto de 7,7 de magnitude com epicentro próximo a Sendai resultou na morte de 28 pessoas, apesar de danos materiais consideráveis. Para tornar as cidades estruturalmente mais seguras, o governo passou a regulamentar a construção de estruturas anti-terremoto, além de medidas de contingência com relação a transporte público e controle de massas, além de revisar o sistema de seguro contra terremotos. Outro tremor violento em Kobe, em 1995, que vitimou mais de 5 mil pessoas, contribuiu para o desenvolvimento de mais políticas de segurança.

A partir de 2003 ocorreram três eventos sísmicos importantes na planície de Sendai. O primeiro foi uma sequência de terremotos que culminaram com dois tremores acima dos 7 pontos de magnitude entre maio e julho de 2003, sem fatalidades. Em 2005, outro terremoto de 7,2 de magnitude causou o colapso de construções (houve mortes numa piscina coberta cujo telhado desabou). Nessa época Sendai estava testando um sistema de alerta preventivo de terremotos, e os habitantes da cidade foram avisados 16 segundos antes da primeira onda de choque atingir a cidade, possibilitando que a maioria se abrigasse em segurança. A vida retornou à normalidade no dia seguinte. Porém nada disso preparou o Japão para o terremoto seguido de tsunami de 2011. A onda gigante (quase 10 metros de altura) veio 50 minutos depois de um tremor de 9 pontos de magnitude (o quarto maior desde o início do século XX), venceu todas as barreiras anti-tsunami no litoral e penetrou 4 quilômetros terra adentro, vitimando mais de 15000 pessoas. A usina atômica de Fukushima ao sul ficou inabalada, mas as ondas gigantes invadiram os reatores, causando derretimento dos núcleos radioativos e a explosão de três dos reatores, provocando uma contaminação por radiação em larga escala (falhas na administração da usina tem sido apontados como causas cruciais para a crise). Até hoje o assentamento das placas após o movimento brusco de 2011 tem causado réplicas sensíveis na região, enquanto técnicos tentam controlar a radiação na usina

O sismo de 2011 está naquele intervalo de tempo previsto entre os grandes abalos nessa área, contando a partir do terremoto de 869.

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