tag:blogger.com,1999:blog-80100332617224051302024-03-07T21:24:45.678-08:00Efemérides - o hoje, ontemMonocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.comBlogger130125tag:blogger.com,1999:blog-8010033261722405130.post-9900746986547392412018-07-17T19:44:00.001-07:002018-07-17T20:17:47.227-07:00A Quarta CruzadaEm 1202, soldados e cavaleiros partiram de vários reinos europeus atendendo ao chamado do Papa Inocente III, com o objetivo de destruir o Sultanato Aiúbida. No entanto, em 17 de julho de 1203, a maior parte desse exército entregou-se ao saque de Constantinopla, causando o desmantelamento do outrora poderoso (e aliado) Império Bizantino.<br />
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Como isso foi acontecer?<br />
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As Cruzadas foram campanhas militares organizadas inicialmente pelo papado romano, em parte como resposta às dificuldades que os bizantinos estavam tendo para conter o avanço das nações islâmicas na Ásia. A Primeira Cruzada, em 1095, tinha como objetivo ajudar militarmente o Império Bizantino a recuperar terras perdidas para os turcos seljúcidas no leste da Anatólia, mas resultou na conquista de Jerusalém e no estabelecimento de reinos cristãos na região da Terra Santa. A tomada daquela cidade sagrada para o Islã foi uma demonstração de força da Europa cristã diante de mais de 300 anos de avanço muçulmano, que, contudo, tornou a região instável, disputada nos séculos seguintes por cristãos europeus, muçulmanos sírios, egípcios, e eventualmente mongóis. De fato, em 1187, o Sultanato Aiúbida, comandado pelo brilhante general Saladino, retomou a Cidade Santa, e a Terceira Cruzada, enviada em resposta, retomou algumas fortalezas perdidas (Jafa e Acre, por exemplo), mas não conseguiu reconquistá-la.<br />
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Da Europa Central para a Palestina, os Cruzados podiam seguir a perigosa rota pelo Mediterrâneo, ou seguir as estradas que iam para o leste, em direção a Constantinopla, pelos Bálcãs e Cárpatos, e de lá pelas confusas estradas da Anatólia. A passagem quase obrigatória pelo Império Bizantino, apesar de cristão, era um problema tanto para os católicos como para os bizantinos ortodoxos. Havia, de longa data, uma animosidade entre as duas interpretações do cristianismo, mas havia, sobretudo, um vão cultural entre a emergente sociedade feudal do ocidente, de matriz germânica, e da antiga e tradicional civilização oriental, de matriz grega mas que assimilava elementos asiáticos. A desconfiança levou o Sacro Imperador Romano Frederico Barbarossa, um dos comandantes da Terceira Cruzada, a planejar, com dissidentes sérvios e búlgaros, um ataque aos bizantinos, cuja política de tolerância e assimilação das culturas árabe e persa era vista como sacrílega; quando a ilha de Chipre, antiga possessão bizantina, foi reconquistada das mãos de rebeldes gregos, ao invés de ser devolvida, foi vendida pelo conquistador, o rei inglês Ricardo Coração de Leão, à Ordem dos Cavaleiros Templários.<br />
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Desde que Inocente III foi eleito Papa, em 1198, seu objetivo maior era organizar uma nova cruzada para retomar Jerusalém. No entanto, o cenário político não era favorável, já que as três principais potências, o Sacro Império Romano (em crise política com o papado), a França e a Inglaterra (em guerra um contra o outro) enfrentavam seus problemas. No entanto, um padre de Neuilly-Sur-Marne chamado Fulco conseguiu convencer alguns dos senhores mais poderosos da França a recrutarem exércitos contra a maior ameaça à cristandade, sobretudo à Terra Santa, o Sultanato Aiúbida. O líder da expedição seria o italiano Bonifácio de Montferrat. Sabendo das dificuldades da marcha por terra pela Anatólia (onde os cruzados, mesmo sob proteção bizantina, enfrentavam assaltos e hostilidades das populações locais nas cruzadas anteriores), Bonifácio buscou viabilizar uma frota marítima junto às potências comerciais de Gênova e Veneza. Venezianos concordaram em construir navios e transportar até 33 mil soldados (contando com 4500 cavalos) diretamente para o Egito.<br />
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Mas os cruzados, como havia sido antes, não compunham um exército coeso sob uma única liderança. Eram homens arregimentados e armados por senhores feudais principalmente na França (mas também alemães, belgas, e italianos), que os tinham como capitães. Embora houvesse a facilidade de transporte oferecida por Veneza, muitos optaram por embarcar em outros portos, como Marselha e Gênova. O embarque e o transporte eram feitos mediante pagamento dos senhores aos donos dos navios por cada homem embarcado. O problema é que dessa forma, apenas um terço dos homens esperados chegaram ao porto de Veneza, e os venezianos, que já haviam cumprido sua parte do trato, esperavam pelo pagamento total. Os cruzados reunidos ali foram dispostos de quase tudo que tinham para reunir menos do que Veneza esperava (o que contabilizava os prejuízos comerciais durante os anos de preparação e investimento na nova frota). Eventualmente, Enrico Dandolo, o Doge (ou duque, o cabeça da República local), propôs aos cruzados resgatar o montante devido achacando as cidades no leste do Adriático, então sob proteção sérvia ou húngara.<br />
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Apesar de uma ordem de Inocente III que proibia os cruzados de atacarem qualquer indivíduo, cidade ou reino cristão sob risco de excomungação, em novembro de 1201, a cidade croata (e católica) de Zara, atual Zardar, então uma ambição veneziana, foi sitiada. A cidade ostentava bandeiras com uma cruz sobre as muralhas, caso os invasores tivessem se esquecido de que a cidade era cristã, e alguns dos comandantes cruzados, como Simon de Montfort se recusavam a participar do cerco. Mas os soldados, já quase sem posses além de suas armas, viam, como Dandolo, a possibilidade de butim, e a cidade caiu em duas semanas. O Papa realmente excomungou todo o exército e a cidade de Veneza, mas como tanto cruzados como venezianos ainda precisavam se ressarcir dos prejuízos, seus líderes não informaram os soldados, com medo de que eles se dispersassem (Inocente voltou atrás três meses depois). Dandolo e os cruzados passaram o inverno em Zara, planejando o próximo passo.<br />
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Veneza cresceu graças ao comércio marítimo e à vigorosa e ágil economia local, impondo-se, mesmo com um território limitado à cidade, a portos aliados ou conquistados e colônias espalhadas pelo Mediterrâneo, frente a antigas potências tradicionais, como o Egito e o próprio Império Bizantino. Constantinopla era, pela sua localização geográfica, o principal entrave à expansão veneziana em direção às cobiçadas rotas que levavam à China e à Índia, e, apesar de inicialmente oferecer aos comerciantes venezianos privilégios, os irritava com novos acordos com rivais italianos de Pisa, Gênova e Amalfi. Em 1171, venezianos atacaram as posses de genoveses em Constantinopla, e em resposta o imperador Manuel I Komnenos mandou prender todos os venezianos na cidade e confiscar suas posses. Reforços vindos do mar tentaram vingar e forçar a libertação dos presos, mas fracassaram. Na confusão, rebeldes sérvios, instigados pelos venezianos, tomaram Ancona, a última possessão do Império Romano do Oriente na Itália. Embora a situação se normalizasse com o tempo, conflitos palacianos levaram à ascensão de Andrônico I Komnenos ao trono bizantino, e este imperador, que reinara por apenas dois anos, incitou a violência contra os que via como detentores do poder no Império - aristocratas e comerciantes latinos.<br />
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Enquanto isso, Bonifácio de Montferrat havia deixado os venezianos para visitar seu primo, Filipe, então rei da Alemanha (o que corresponderia ao cargo de Sacro Imperador Romano, caso tivesse a anuência do Papa). Ali encontrou-se com o príncipe Alexios Komnenos, cujo pai, Isaque II, havia sido deposto em Constantinopla por seu irmão Alexios III. Alexios prometeu a Bonifácio saudar a sua dívida com Veneza, além de ceder 10 mil soldados profissionais à sua expedição ao Egito, bem como colocar uma frota à disposição e, até mesmo, submeter o credo ortodoxo à autoridade do Papa, caso os cruzados o ajudassem a recuperar o trono bizantino. Tal proposta chegou aos cruzados em Zara, e foi abraçada com fervor por Dandolo. O Doge veneziano participara da expedição marítima de 1171, e teria sido cegado pelos bizantinos como punição. E agora ele navegava com uma frota de guerra e 12 mil cruzados em direção a Constantinopla.<br />
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Os cruzados, agora acompanhados por Bonifácio e Alexios, chegaram a Constantinopla em atitude hostil. As defesas da cidade, confusas e compostas apenas por um pequeno corpo de elite por conta das convulsões internas causadas pelos sucessivos golpes de Estado sofridos nas últimas décadas, foram pegas de surpresa. Ataques múltiplos foram desferidos nos subúrbios da cidade, fora das muralhas, enquanto a torre de Gálatas (onde se prendia a poderosa corrente de ferro que impedia o acesso ao Corno de Ouro, rio largo que dava acesso ao interior e à face norte das muralhas) era dominada. Mas para surpresa dos ocidentais (que, acostumados com a sacralidade da sucessão de seus tronos de pai para filho, imaginavam que o filho de um imperador deposto seria recebido com festa pelos seus pares), a embarcação onde se apresentava Alexios era ostensivamente hostilizada pelos cidadãos por cima das muralhas. Em 17 de julho, enquanto cruzados atacavam a muralha por terra, os venezianos tomavam parte da muralha pelo Corno de Ouro. Um grande incêndio causado com propósito de manter os invasores afastados destruiu quase 500 mil metros quadrados da cidade. O próprio usurpador, o imperador Alexios III (tio do pretendente), liderou um ataque em maior número contra os sitiadores no portão de São Romano, mas teria recuado em pânico antes do primeiro golpe. Ele fugiu para a Trácia, fazendo com que os comandantes locais restaurassem Isaque II imperador.<br />
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O retorno de Isaque ao trono frustrou as pretensões de um ataque direto dos venezianos aos tesouros bizantinos. Também colocava em cheque as promessas de Alexios, que só poderia cumpri-las se fosse ele o imperador. Sob pressão e alguma ameaça, Isaque concordou em coroar o filho Alexios IV coimperador.<br />
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Mas as coisas ainda não iam bem para nenhum dos lados. Alexios III fugira com boa parte dos tesouros em ouro e jóias. Alexios IV, desesperado para reunir logo algum dinheiro, ordenou a destruição de antigos ícones romanos para a cunhagem de moedas, mas nunca se chegava ao valor prometido. Alexios conseguiu um adiamento de seis meses para o pagamento, nos quais pretendia empregar os cruzados contra seu tio, encastelado em Adrianópolis. Mas o povo via o desespero do imperador como sinal de fraqueza diante de estrangeiros (hereges, além de tudo), e se rebelou na sua ausência. Na confusão, latinos eram atacados, e venezianos revidavam destruindo o que podiam. Um quinto da cidade teria sido arrasada por incêndios. Quando Isaque II morreu, em janeiro de 1204, o senado bizantino (descendente direto daquela instituição romana) nomeou Nicolau Canabus imperador, mas o jovem preferiu renunciar e se esconder numa igreja. Sem um líder formal (Alexios IV, voltando do estrangeiro, já não tinha mais sua autoridade reconhecida), Bizâncio estava sob comando de Alexios Doukas, que liderou uma rebelião contra os latinos, recusando-se a assumir as dívidas de seu suserano (que seria preso e executado semanas depois, dando espaço para Doukas ser coroado Alexios V).<br />
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Novamente a cidade foi atacada, e como sempre resistiu. Para estimular a coragem dos cruzados, clérigos insistiam na tese de que Deus os estava testando, e que a punição aos bizantinos era certa, pois haviam assassinado seu legítimo senhor; "os gregos são piores do que os judeus", pregavam. Em 13 de abril de 1204, os invasores tomaram a cidade, saqueando-a por três dias. Tesouros e obras de arte seculares foram destruídos, civis roubados ou assassinados, igrejas violadas, freiras estupradas. A grande catedral de Santa Sofia foi desgraçada e seus ícones e livros destruídos, e os cruzados bêbados colocaram uma prostituta sentada no trono do Patriarca. Imediatamente, o antigo Império Bizantino se fragmentou em 5 partes, ficando a sua parte européia centrada em Constantinopla sob o comando do nobre belga Balduíno - coroado Balduíno I, Imperador Latino. O Império Latino resistiu por 57 anos a ataques de pretendentes gregos por todos os lados, bem como de<a href="http://efemerides-hoje.blogspot.com/2017/10/a-revolta-de-asen-e-pedro.html" target="_blank"> búlgaros recém-unificados</a> se aproveitando do tumulto vindos do norte. O Império Bizantino foi restaurado em 1261 por Miguel VIII Paleólogo.<br />
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As consequências do saque de Constantinopla foram profundas. O Império Bizantino - o que restava do Império Romano, da milenar cultura grega, e da autoridade cristã no oriente - jamais se recuperou da crise, e foi suplantado pelos turcos, que avançariam inexoravelmente sobre a rica Anatólia <a href="http://efemerides-hoje.blogspot.com/2016/05/a-espada-e-o-escudo-da-europa.html" target="_blank">até chegar a Constantinopla no século XV</a>, expandindo uma influência duradoura sobre o sudeste da Europa. O cisma que existia entre catolicismo e ortodoxia grega se tornou um abismo tão profundo e duradouro que em 2001 o Papa João Paulo II reconheceu e expressou pesar pelo que os cruzados fizeram a Constantinopla, ao que o contemporâneo Patriarca Bartolomeu I aceitou como desculpas. A aproximação ainda é um trabalho político muito delicado, trabalhoso, e lento.<br />
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Poucos homens chegaram à Terra Santa na Quarta Cruzada, apenas reforçando posições já asseguradas então. Nenhum desembarcou no Egito.Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8010033261722405130.post-44001263127922983532018-06-24T19:42:00.000-07:002018-06-24T20:07:54.651-07:00Os Altos Reis da IrlandaEm 24 de junho de 637 foi travada a Batalha de Moira, na atual Irlanda do Norte, entre os aliados de Congal Cáech, senhor do reino de Ulaid, e seu padrasto, Domnall II, Alto Rei da Irlanda.<br />
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A ilha da Irlanda foi colonizada por humanos por volta de 12500 anos atrás, ao fim última glaciação. Nessa época, até cerca de 8000 anos atrás, a Grã-Bretanha estava conectada ao continente europeu, via Alemanha, Países Baixos, e Dinamarca, por uma porção de terra hoje coberta pelo Mar do Norte, e é provável que as primeiras pessoas tenham vindo da ilha vizinha, num processo que se acelerou por volta de 10000 anos atrás. Há 6000 mil anos, culturas neolíticas vindas do continente se estabeleceram ali, trazendo consigo a agricultura, os animais de pasto, e técnicas de construção de habitações, monumentos, etc..<br />
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Quanto aos celtas, não se tem certeza de que eles, que ocupavam grande parte da Europa continental e Grã-Bretanha na alta Idade do Ferro, tenham colonizado a Irlanda e suplantado as populações locais. As ideias mais recentes, amparadas pela arqueologia e pela genética, apontam que a "celtização" da ilha tenha se dado por difusão cultural devido ao intenso e prolongado contato com os vizinhos. A última onda migratória veio provavelmente de povos ibéricos, por volta de 2500 a.C., sendo impossível identificá-los culturalmente como celtas.<br />
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A cultura céltica se conservou na Grã-Bretanha romana, mesmo após a introdução do Cristianismo, a ponto de observarmos uma regressão dos povos britânicos às suas tradicionais formas de organização social, baseadas em identidades tribais, quando a ocupação romana entrou em colapso no século V. E onde os romanos não conseguiram se estabelecer, como na Escócia, na Cornuália, e no País de Gales, os celtas nativos mantiveram suas identidades. A Irlanda, embora fosse conhecida em Roma (que a chamavam "<i>Hibernia</i>") por fazer parte, desde a emergência do Helenismo no Mediterrâneo, de uma rede de comércio marítimo que abastecia as grandes civilizações da Antiguidade com lãs, e trabalhos finos em metal, permaneceu relativamente intocada diante da ascensão e queda dos grandes impérios.<br />
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A Irlanda, mantida à margem por tanto tempo, passou então a desenvolver seu próprio modelo de organização social. As diferentes tribos que habitavam a ilha ocupavam territórios frouxamente determinados, e alianças voláteis ampliavam e dividiam esses territórios tao rápido que é difícil traçar sua história com solidez até a chegada do século VI. No entanto, as tribos admitiam a existência de um rei sobre elas.<br />
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Este rei, o Alto Rei, inicialmente cumpria uma função religiosa: para ser sagrado Alto Rei, o candidato precisava se casar com uma deusa (a deusa que personificava o reino que se pretendia governar), precisava ser "imaculado" (tanto fisicamente, sem ferimentos, manchas ou pintas pelo corpo, como espiritualmente), e apresentar as virtudes necessárias para não desobedecer, no passado ou no futuro, certos tabus. Quando um candidato ao cargo cumpria os requisitos, a tradição irlandesa diz que a coluna de pedra conhecida como <i>Lia Fáil </i>("Pedra do Destino"), no alto Colina de Tara, literalmente gritava para que toda Irlanda ouvisse que havia um novo rei. A tradição local atribuiu a origem deste monumento à raça semi-divina dos Tuatha Dé Danann, que a trouxeram junto com outras relíquias (uma lança, uma espada, e um caldeirão, todos com poderes mágicos) das "Ilhas do Norte". O herói lendário Cúchulainn teria partido a pedra com sua espada, em fúria por ela não ter gritado quando seu protegido, Réoderg, se candidatou a Alto Rei, e desde então ela nunca mais gritou - exceto, segundo lenda mais recente, quando Brian Boru foi coroado Alto Rei da Irlanda em 1002.<br />
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As crônicas locais apontam os primeiros Altos Reis tendo reinado a partir do século XVI a.C., mas as extensas e detalhadas listas não tem embasamento em outras fontes ou evidências arqueológicas até o século V. Na verdade, a ausência de uma legislação específica reconhecendo e legitimando a figura do Alto Rei sobre os pequenos reinos tribais da Irlanda, coloca a existência da figura do Alto Rei, ou a sua importância política prática, em cheque até o seculo VIII. Muitas vezes, o Alto Rei da Irlanda era apenas o rei de Tara, não exercendo qualquer tipo de poder fora da cidadela que ocupava a colina. De qualquer forma, como se trata de figuras tradicionalmente cerimoniais, eleitas por um processo místico-religioso, é possível que fosse sim um cargo de influência, almejado por reis locais pretendendo exercer poder sobre os rivais, e assim fosse determinado, de maneira pragmática, pela rede de alianças que ele representasse. A sucessão raramente era hereditária, e frequentemente descontínua.<br />
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O caso de Domnall e Congal ilustra a importância simbólica do Alto Rei, contrastando com a profunda descentralização do poder na Irlanda. No século VII, os reinos irlandeses tinham a participação dos reinos galeses e escoceses na sua vida política. De fato, galeses e escoceses estavam "espremidos" pelos saxões, que ocupavam quase a totalidade da Inglaterra, implantando ali uma sociedade de matriz germânica mais parecida com o que se via na França e norte da Itália pós-romanas, e a Irlanda, pela afinidade cultural, provavelmente era a válvula de escape para as pressões econômicas sofridas por esses reinos britânicos. A afinidade era tal que não era raro reis irlandeses serem aclamados senhores de reinos também na ilha vizinha. As lendas da Pedra do Destino, apontando sua origem para as "Ilhas do Norte" (provavelmente a Escócia) vão de encontro às lendas sobre a origem da Pedra do Coração (<i>Stane o Scuin</i> em gaélico escocês), pedra sobre a qual os reis da Escócia eram coroados, que teria se originado de fragmento da <i>Lia Fáil</i> original, levada à Escócia pelo Alto Rei Murtagh MacEirc para que um tio seu fosse coroado lá.<br />
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Domnall teria conhecido o monge Columba (canonizado como São Columba, creditado como responsável pela expansão do cristianismo na Escócia), que teria profetizado uma vida longa e bem sucedida ao rapaz. Domnall teria se tornado Alto Rei da Irlanda ao derrotar, com apoio de Congal e aliados escoceses, o então Alto Rei Suibne Menn, e depois invadir o reino de Leinster. Embora filho de sua esposa, Congal representava uma dinastia rival, apoiada pelo reino escocês de Dal Riata (que o nomearia rei, mesmo já sendo soberano de Ulaid), e a antiga aliança foi desfeita em 629, quando Congal apresentou-se diante da Pedra do Destino para ser sagrado Alto Rei, mas um olho cego (que a lenda atribui a uma picada de uma abelha pertencente a Domnall) foi tomado como uma "mácula", e seu requerimento negado. Ele resolveu provar a si mesmo merecedor do cargo enfrentando o parente em batalha, já que o sucesso na guerra podia ser suficiente para coroar alguém Alto Rei, como o próprio Domnall. Quase nada se sabe sobre a Batalha de Moira em si, mas milhares de esqueletos encontrados no local numa escavação recente dá uma ideia da dimensão e da reputação do evento - na França e na Inglaterra, por exemplo, batalhas contemporâneas raramente ultrapassavam 5 mil homens (guerras inteiras podiam ser decididas por batalhas travadas por algumas centenas de pessoas), dadas as dificuldades de se armar soldados sem exércitos profissionais, conceito abandonado por questões econômicas desde a retirada dos romanos.<br />
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Desde a época de Domnall II, o Cristianismo passou a exercer influência sobre a estrutura administrativa irlandesa. Mesmo o Alto Rei sendo originalmente um símbolo do paganismo nativo, a sua instituição passou a ser admitida, tendo em vistas a retribuição por parte do Alto Rei (então coroado formalmente numa cerimônia presidida por um representante do Papa, nos moldes europeus) na forma de doações de terras e castelos às paróquias católicas. A partir das invasões nórdicas, o Alto Rei passou a ter uma função unificadora mais efetiva, liderando esforços coletivos contra incursões norueguesas - os próprios noruegueses entrando no jogo político para posicionar algum aliado neste posto, assim como os saxões ingleses. <a href="http://efemerides-hoje.blogspot.com/2015/10/a-conquista-normanda.html" target="_blank">A conquista normanda da Inglaterra</a> repercutiu sobre a Irlanda, já que muitos normandos radicados na Inglaterra, ou da própria Normandia, eram encorajados a se estabelecerem na ilha. O Alto Rei passou a ser um líder contra os colonos normandos. Em 1258, após atacar com sucesso colônias normandas no Ulster, Brian O'Neill, rei de Tir Eoghain, foi coroado Alto Rei da Irlanda. Mas sua autoridade talvez não ultrapassasse a letra dos tratados, pois seus aliados nunca apareceram para apoiá-lo na Batalha de Druim-dearg contra normandos e aliados irlandeses. A morte de Brian, em 1260, marcou o fim da era dos Altos Reis. O modelo feudal normando esmagou a tradição tribal da Irlanda - no fim daquele século, a Irlanda contava com um parlamento e sua própria versão da <a href="http://efemerides-hoje.blogspot.com/2015/06/a-carta-magna.html" target="_blank">Magna Carta</a>, legitimando o rei da Inglaterra como senhor da Irlanda.<br />
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A Pedra do Destino ainda está sobre a Colina de Tara, o ponto mais notável do complexo arqueológico preservado no local (que inclui, entre outros, uma tumba de 3400 a.C., uma fortificação do século I onde foram encontrados artefatos de origem romana, e uma igreja do século XII), hoje uma propriedade rural. Desde o século XVIII a pedra e a colina tem sido usados como símbolos de união contra a dominação britânica. Israelistas britânicos (um movimento judaico-britânico de caráter nacionalista) vandalizaram o monumento no século passado, acreditando serem os irlandeses descendentes de uma das tribos perdidas de Israel, e a <i>Lia Fáil</i> o marco que guardaria o lugar onde a Arca da Aliança estaria guardada. Mais recentemente, a pedra foi atacada a golpes de picareta em 2012, e manchada de tinta em 2014, atos sem motivação evidente.<br />
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Neste dia também: <a href="http://efemerides-hoje.blogspot.com/2015/06/morre-gardel.html" target="_blank">A morte de Carlos Gardel</a>Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8010033261722405130.post-13140696730665432272018-04-23T18:32:00.000-07:002018-04-23T18:32:06.093-07:00A Noite de São JorgeNa noite do dia de São Jorge, 23 de abril de 1343, estonianos nativos se rebelaram contra seus senhores dinamarqueses e alemães numa tentativa de restaurar a soberania do país.<br />
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Povos de língua báltica e urálica ocuparam a Estônia e a Letônia desde fins da Antiguidade, e tiveram contato com emissários cristãos vindos da Alemanha e da Suécia desde o século VII. Os livônios, como coletivamente se reconheciam as tribos locais, continuaram seguindo sua religião nativa, dando ao cristianismo pouca penetração em seu território, embora ambas as crenças coexistissem. A atividade confessional se intensificou no século XII, quando senhores locais começaram a ver nos saxões alemães, cristãos, potenciais aliados contra seus vizinhos semigálios (que habitavam o sul da Letônia e norte da Lituânia), e usaram a religião como forma de atraí-los para seu lado. Não obstante, a prevalência da religião nativa báltica (e também eslávica, nas regiões ao entorno) sobre as tentativas de conversão ao catolicismo romano levaram o Papa Celestino III e seu sucessor Inocente III a convocarem uma Cruzada no norte da Europa.<br />
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O chamado do Papa e a resistência dos livônios levaram à formação de uma confederação de senhores e bispos alemães numa ordem de cavalaria, a Ordem Livônia (submetida à já poderosa Ordem Teutônica), com a missão de converter pagãos à força e submetê-los à autoridade papal, e também proteger interesses comerciais alemães na região. Durante todo o século XIII, a Ordem Livônia combateu uma a uma as tribos livônias, mesmo as que estavam sob proteção do rei da Dinamarca, e estabeleceu na região uma nação de facto, unida a bispados feudais formados em decorrência das invasões e quedas de chefes locais.<br />
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A tribo dos estonianos manteve algum nível de autonomia sob o Ducado da Estônia, faixa de terra no norte da atual Estônia que ainda estava sob domínio dinamarquês. Mas embora fossem garantidas liberdades individuais (como o porte de armas), os impostos eram abusivos, as relações comerciais desiguais, e privilégios a senhores de terras alemães e dinamarqueses (que tornavam os estonianos, antigos donos das terras, seus vassalos, presos a eles por dívidas irrecuperáveis) eram ultrajantes aos olhos dos nativos. No século XIV, a autoridade dinamarquesa diminuiu com a morte do Rei Cristõvão II, e a Estônia, então pesadamente colonizada por dinamarqueses e alemães, ficou dividida. Foi nesse momento que a minoria nativa - cerca de 2% da população do ducado então - viu que era hora de agir.<br />
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Os estonianos viam seu modo de vida entrar rapidamente em vias de extinção à medida em que germânicos cristãos invadiam e colonizavam o território, impondo línguas, religião, e estruturas sociais estranhas. A decisão - cuja autoria não está clara na principal fonte sobre a revolta, as crônicas de Bartolomeu Hoenecke - foi possivelmente uma reação desesperada frente ao destino inexorável do velho povo báltico diante da formidável máquina de guerra organizada pela superestrutura da Igreja Católica e seus aliados alemães.<br />
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Na noite de São Jorge de 1343, uma casa sobre uma colina na província de Harria foi incendiada, sinalizando o início da revolta, uma ação coordenada que tinha como objetivo primário o assassinato de todo alemão, homem, mulher ou criança, nobre ou plebeu. Segundo as crônicas, aqueles que os homens da Estônia pouparam foram mortos pelas mulheres, que também se encarregaram de queimar igrejas e monastérios. Rapidamente os estonianos elegeram entre si quatro reis, e sob sua liderança, organizaram um exército de 10 mil pessoas para sitiar a cidade de Reval (atual Tallinn, capital da Estônia, então sob posse dinamarquesa). Conscientes de que seu sucesso se devia ao elemento surpresa, e que a reação seria pesada por parte de alemães e dinamarqueses combinados, os novos líderes mandaram pedidos de ajuda a duques suecos, prometendo Reval ao rei da Suécia. Os duques responderam com promessas de ajuda.<br />
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As notícias se espalharam e inflamaram as comunidades estonianas. Na província de Rotália (atual Lääne), os nativos renunciaram ao catolicismo e caçaram os alemães onde estivessem, vitimando talvez 2000 pessoas. O Bispado de Ösel-Wiek também caiu, e em questão de dias os estonianos tinham o controle do Ducado.<br />
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Enquanto isso, sobreviventes chegaram ao castelo de Weissenstein, na atual cidade de Paide, então uma fortaleza de fronteira da Ordem Livônia. O Mestre da ordem, Burchard von Dreileben, mandou um cavaleiro, provavelmente estoniano (porque se diz que falava a língua nativa), para convocar os reis rebeldes ao castelo para se explicarem. Os reis, vendo a oportunidade de impedir uma contra-ofensiva alemã, aceitaram, e se deslocaram em uma pequena comitiva a Weissenstein, com a promessa de segurança e hospitalidade por parte da Ordem. Além do Mestre, outros notáveis da Ordem Livônia compareceram à conferência, incluindo o bispo de Reval, que os rebeldes permitiram passar pelo seu cerco e por todo o território sob seu controle. De fato, os quatro reis e três cavaleiros que os acompanhavam se depararam com um grande número de cavaleiros livônios esperando por eles em Paide.<br />
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Em maio, diante do Mestre da Ordem, os reis propuseram se submeter a ela, desde que não tivessem que pagar tributo a senhores estrangeiros - servindo a ordem com homens, armas e recursos quando solicitado. Ao serem perguntados o porquê de tantas mortes de alemães, os reis responderam que qualquer alemão merecia ser morto, mesmo que tivesse apenas dois pés de altura. Von Dreileben considerou um ultraje, recusou os termos apresentados, e exigiu que os reis permanecessem no castelo até que os capitães da Ordem, ele próprio entre eles, encontrassem seus exércitos em campo. Os reis questionaram a ordem, já que lhes havia sido garantida livre passagem de volta. Ao anoitecer do dia 4 de maio, enquanto eram conduzidos aos seus aposentos, todos os estonianos presentes foram assassinados (as crônicas atribuem o ataque à agressão por parte de um cavaleiro estoniano contra o livônio designado para escoltá-los pelo castelo, uma decisão tão estúpida que é desacreditada pela maioria dos historiadores).<br />
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Sem líderes, os estonianos foram incapazes de mobilizar uma resistência relevante diante do contra-ataque alemão. Em dez dias, a rebelião já havia sido dominada na Estônia continental, finalmente esmagada nos meses seguintes graças a reforços da Ordem Teutônica vindos da Prússia. Restou apenas um foco de resistência nas ilhas de Ösel (onde igualmente os estonianos nativos reunciaram ao cristianismo e atacaram alemães), derrotado dois anos depois (Burchard von Dreileben esperou o inverno congelar o mar entre as ilhas e o continente para atravessar com seu exército a pé e evitar um perigoso ataque anfíbio).<br />
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O auxílio sueco realmente chegou à Estônia, porém 4 dias depois da derrota decisiva dos rebeldes. Vendo os aliados derrotados, e Reval controlada pela Ordem (os dinamarqueses, que já haviam sido derrotados pelos suecos recentemente, temendo perder a cidade, a entregaram aos alemães), os suecos se contentaram em saquear o que puderam nos seus arredores e foram embora. Os estonianos ainda tentaram aliança com príncipes russos, mas um pequeno exército da cidade de Pskov também chegou tarde demais e foi desbaratado. A Ordem Teutônica acabou comprando as últimas possessões dinamarquesas na Estônia, tornando-se senhora de todo o Ducado.<br />
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O fim da Rebelião da Noite de São Jorge significou o fim da nobreza báltica nativa, restando aos povos da região a submissão a governos estrangeiros, que se alternaram entre alemães, poloneses, suecos, lituanos e russos pelos séculos seguintes. Quando os primeiros documentos impressos na atual língua estoniana (uma língua urálica afim do finlandês, em nada relacionada às línguas bálticas ao sul) surgiram no século XVI, já eram textos de teor religioso cristão, dando a entender que nos cerca de 200 anos entre a rebelião e a ressurgência do paganismo báltico e o advento da imprensa, as conversões foram ostensivamente bem sucedidas. Em 1943, no aniversário da Revolta, e em plena Segunda Guerra Mundial, a União Soviética, então suserana dos estonianos, divulgou localmente as crônicas, numa tentativa de inflamar o povo local contra os invasores alemães (a Estônia, anexada pelos soviéticos três anos antes, balançava no sentido de apoiar a invasão nazista).<br />
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A Estônia se tornou independente da Rússia em 1918, caindo sob domínio soviético em 1940, recuperando sua independência em 1991. O neopaganismo estoniano (baseado na antiga estrutura religiosa da Estônia medieval) é a oitava religião mais popular no país.<br />
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Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8010033261722405130.post-58895365965892323072018-03-05T05:40:00.000-08:002018-03-05T05:40:24.771-08:00Index Librorum ProibitorumEm 5 de março de 1616, 73 anos após sua publicação, o livro Da Revolução dos Orbes Celestes, do astrônomo Nicolau Copérnico, onde, através de cálculos e observações se conclui que a Terra e demais planetas conhecidos giravam em torno do sol (e não em torno da Terra), descrevendo estes movimentos, entrou para o Índice de Livros Proibidos (<i>Index Librorum Proibitorum</i>) da Igreja Católica, impedindo sua publicação onde quer que este Índice tivesse força de lei.<br />
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Desde os últimos séculos do Império Romano, a publicação e edição de livros se tornou complicada na Europa, principalmente a partir da fragmentação, não apenas política, mas cultural e linguística do Império do Ocidente. O latim permaneceu como a <i><a href="http://efemerides-hoje.blogspot.com.br/2015/07/linguas.html" target="_blank">lingua franca</a></i> em boa parte da Europa, mas o povo mesmo, de matriz germânica (e antigos plebeus romanos) tinham pouco conhecimento e acesso a educação formal na antiga língua. Isso levou à deterioração do latim clássico e sua transformação, com contribuições estrangeiras localizadas, nas línguas latinas que conhecemos hoje. Fora das fronteiras romanas tradicionais, agora integradas ao grande cenário político e econômico da Europa Medieval, o latim subsistia apenas com termos tomados emprestados para dar nomes a coisas que os germanos e eslavos não tinham em seu vocabulário.<br />
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De maneira que a publicação de novas obras e reedição de obras antigas ficou praticamente restrita aos mosteiros, onde o latim continuava a ser preservado. Era nesses redutos que o conhecimento clássico foi mantido, mas devido às limitações impostas pelas técnicas manuais, nem tudo pode ser preservado. No mundo árabe, onde a língua e o alfabeto árabes se expandiram rapidamente (estimulados pela sacralidade atribuída a eles pelo Islã), todo o processo de preservação, produção e divulgação de conhecimento foi mais favorecido, de maneira que muitos tratados científicos e filosóficos, perdidos na Europa Ocidental, eram avidamente traduzidos dos originais gregos e latinos para o árabe, e empregados no mundo árabe, proporcionando, inclusive, uma ressurgência das ciências no mundo árabe medieval que a Europa só veria com o advento da imprensa.<br />
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E foi a imprensa que mudou tudo.<br />
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Com o conhecimento preservado e divulgado pelos mosteiros, ou seja, sob controle eclesiástico, a Igreja Católica observava a adequação dos temas à sua própria teologia antes de autorizar a publicação de determinada obra. Um índice criado extra-oficialmente no século IX, o <i>Decretum Glasianum</i>, já proibia certas obras, como um popular Evangelho apócrifo de Barnabé que aludia aspectos dos ensinamentos e a natureza de Cristo àqueles citados no Alcorão. Este controle foi subitamente perdido quando a prensa de tipos móveis passou a possibilitar a publicação, em grande quantidade, de qualquer coisa. Incluindo traduções livres das próprias Escrituras, sem o crivo do Papa (um dos combustíveis para a Reforma Protestante). A reação foi rápida: dioceses na Holanda, em Veneza e em Paris produziram suas próprias listas de obras proibidas, e em 1559, Papa Paulo IV promulgou a primeira lista oficial de livros proibidos pela Igreja. Os critérios para a proibição envolviam a inconformidade com o conteúdo ou linguagem com as questões de fé, anticlericalismo, blasfêmia, e conteúdo explícito e imoral.<br />
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Como a imprensa agilizou a troca de informações pela Europa, entusiastas das ciências começaram a trocar informações com rapidez, produzindo um "<i>boom</i>" de publicações sobre filosofia e ciência, e desenvolvimento de métodos de observação e experimentação, que fatalmente levavam a resultados que divergiam da ordem vigente, não apenas a adotada a partir da Bíblia, mas das obras clássicas consideradas infalíveis, como a cartografia de Ptolomeu ou as descrições do mundo, da anatomia e da fisiologia humanas de Aristóteles. Um dos aspectos observados pela Contra-Reforma Católica foi o banimento da heresia sob qualquer forma, fosse religiosa ou científica, de modo que, no período em que a Santa Inquisição - a instituição da Igreja que vigiava as práticas religiosas e servia como tribunal e executor - recrudesceu sua vigilância, no século XVII, nomes como Hobbes, Pascal, Calvino, Descartes e Bacon foram incluídos no Índice (Giordano Bruno foi incluído, e também julgado e executado por heresia, não tanto por questionar o geocentrismo, mas por fazer alusão ao panteísmo). A tese do Sistema Solar, heliocentrista, de Copérnico foi das primeiras a ser incluídas nesta fase, bem como várias outras que se baseavam nas suas observações.<br />
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Mesmo com o furor contra-reformista já apaziguado, o Índice continuou a ser atualizado até o século XX. Uma reorganização interna colocou o comitê responsável pelo Índice sob jurisdição do reformado Santo Ofício, e em 1948 foi publicada a última versão do Índice de Livros Proibidos, citando cerca de 4 mil títulos banidos (curiosamente, a lista não incluía as obras de ateus afrontosos, como Marx e Nietzsche, ou a ainda Charles Darwin). O Santo Ofício foi reorganizado na Congregação Sagrada da Doutrina e da Fé (de cujo ex-Papa Bento XVI foi diretor) em 1966, e como parte desta organização, o Papa Paulo VI decretou que o Índice não seria mais atualizado e nem teria mais força de lei (na prática, durante a sua existência, só tinha força de lei nos Estados Papais e onde mais os governos civis achassem adequado), sendo, contudo, recomendada a sua observação, pelo fiel, para a conservação da moral católica e da estrutura da fé.<br />
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O conteúdo do Índice está cheio de obras que se tornariam pedras angulares do conhecimento científico e filosófico modernos, apesar de terem sido banidos até a sua última edição. A persistente tese do heliocentrismo levou ao banimento de Copérnico e Kepler (retirados do Índice em 1835, quando o heliocentrismo já estava universalmente aceito); já <a href="http://efemerides-hoje.blogspot.com.br/2015/06/nao-obstante-ela-se-move.html" target="_blank">Galileu foi punido e condenado</a> a se retratar oficialmente pelos seus Diálogos, mas sua obra só obteve autorização para publicação após passar pela censura.<br />
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Judeus, como Baruque Espinoza e Maimônides, que publicavam na Europa, eram vigiados de perto e incluídos ao menor sinal de heresia. Espinoza precisava agradecer ao Papa e a Deus em seus prefácios.<br />
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Iluministas, como John Milton, La Fontaine (cujos contos e fábulas, proibidos, são matéria prima para a construção moral das crianças ainda hoje), Voltaire (um dos recordistas com mais de 40 obras proibidas) e Defoe (que colocava o Diabo como ator da História humana) tiveram obras banidas, bem como a primeira Enciclopédia, de Diderot e d'Alembert, e mais tarde, o Grande Dicionário Universal do Século XIX, de Pierre Larrousse.<br />
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A autobiografia de Giacomo Casanova, Memórias, foi banida por conteúdo explícito, assim como todos os romances de Balzac. Simone de Beauvoir foi um dos últimos nomes incluídos no Índice (já não publicado oficialmente) em 1956, com as obras Os Mandarins e O Segundo Sexo, este último discutindo o tratamento dado às mulheres ao longo da História. O Corcunda de Norte Dame e Os Miseráveis, de Victor Hugo, romances de enorme força popular nos últimos 150 anos, figuraram no Índice até 1959.Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8010033261722405130.post-73788133752424052182017-11-21T11:22:00.000-08:002017-11-21T11:22:01.807-08:00Timur na GeórgiaEm 21 de novembro de 1386, o exército liderado por Timur, o Coxo, tomou a capital georgiana de Tblisi e aprisionou seu rei, Bagrat V. O que poderia ter decretado o fim do reino independente da Geórgia diante do conquistador turco-mongol acabaria sendo, na verdade, o primeiro capítulo de uma longa guerra de resistência desse pequeno reino montanhoso, com um resultado improvável.<br />
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Timur era conhecido como "o Coxo" porque teria sido alvejado na juventude por uma flecha na coxa direita, deixando-o manco; outra flecha, na mesma ocasião, lhe decepou dois dedos da mão direita (alternativamente conhecido como Tamerlão, do persa "<i>Temur Lang</i>", "Timur, o Coxo"). Ele era um khan turco-mongol que reclamava para si a descendência direta de Genghis Khan (pelo menos uma descendência "espiritual", já que a sua linhagem era tão obscura na época como é agora). Seguindo a tradição de seu povo de eleger seus líderes entre os guerreiros mais capazes em batalha, Timur ganhou proeminência comandando <i>raids </i>entre as tribos turcas da Ásia Central sob jurisdição do Khanato Chagatai (este sim um império descendente direto das conquistas de Genghis Khan na Pérsia) contra búlgaros, kwarízmidas e outros povos rebeldes ou não ainda subjugados. A atuação de Timur teria sido tão decisiva que seus seguidores o teriam elevado acima dos khans de Chagatai, e sua generosidade com o povo sob seu comando o teriam consagrado como um favorito acima das autoridades formais, incluindo seu irmão e rival Husain. Nomeando a si mesmo "protetor" do khan chagatai Suyurghatmish, Timur ganhou a legitimidade que precisava para efetivamente governar seu próprio império, tomando para si a promessa de restaurar o fragmentado império mongol.<br />
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Novamente, a generosidade que legava ao seu povo o tornou um monarca celebrado, ao menos no centro-norte do Irã, Turquestão e Uzbequistão, núcleo de seu império, como um herói (é oficialmente um herói nacional no Uzbequistão). De fato, aquela região da Ásia viveu seu apogeu cultural sob Timur. Das cidades e reinos derrotados, ele ordenava expressamente que seus artesãos, arquitetos, engenheiros, poetas, músicos e artistas fossem poupados de qualquer violência, e conduzidos à cidade de Samarcanda, no Uzbequistão, capital do novo império timurida. Seu trabalho (compulsório) tornou aquela cidade uma das mais belas do mundo por gerações (e até hoje, muitas dessas obras continuam de pé e em uso). Timur cercava-se de belezas trazidas como butim, ou produzidas por artistas cativos, e não recusava ao pedido de quem quer que fosse de compartilhar desses tesouros. Também era um ávido jogador de xadrez, que usava para aprimorar seu pensamento tático, popularizando este jogo na Ásia e na Europa (embaixadores europeus e viajantes eram convidados a jogar com ele), chegando até a fixar as regras de uma variante, o xadrez de Tamerlão, disputado num tabuleiro maior e com maior variedade de peças, refletindo a diversidade de seu exército multi-étnico e do que ele encontrava entre seus inimigos em batalha.<br />
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Esta generosidade e apreço pelas finas artes contrastava com os horrores impostos aos seus conquistados. Em 1387 a cidade persa de Isfahan se rendeu sem luta, e Timur a tratou com benevolência. Mas meses depois, a cidade se rebelou contra os novos impostos, e o imperador ordenou o massacre total da sua população. Algo em torno de 100 a 200 mil pessoas foram mortas, e um cronista contemporâneo contou 28 torres erguidas com 1500 crânios humanos cada uma. Em outra ocasião, na Índia, seus homens construíram uma pirâmide com 70 mil crânios. O terror era um instrumento de persuasão com a qual Timur pretendia conquistar seus vizinhos com menor esforço, e quando havia resistência, era preciso agir com impiedade para manter essa aura em torno de si. Uma opção controversa, que custou 17 milhões de vidas (cerca de 5% da população asiática do último quarto do século XIV) durante as suas campanhas.<br />
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Em 1385, o <a href="http://efemerides-hoje.blogspot.com.br/2015/10/horda-dourada.html" target="_blank">Khanato da Horda Dourada</a>, vasto remanescente do império mongol centrado na Rússia, passou a atacar o norte do Irã, atravessando o Cáucaso. Havia muito a Horda Dourada havia se desconectado dos outros setores do antigo império, nutrindo desavenças mesmo com os turco-mongóis convertidos ao islã (sua religião oficial) na Pérsia. Timur, que seria exaltado por ter conseguido unificar a Grande Pérsia muçulmana (estendendo suas fronteiras do Rio Indo até a Mesopotâmia, área de tradicional influência cultural persa), também era visto mais como um rival e uma ameaça às fronteiras do que como um irmão de fé pelo khan mongol Tokhtamysh (que recebera apoio de Timur na ocasião da sucessão ao trono). Timuridas (que incluía mongóis, turcos, turcomanos, bactrianos, transoxanos, e diversas tribos turcas, mongóis e de matriz iraniana) e mongóis já haviam se enfrentado numa campanha de Timur à estepe russa. Como resposta ao avanço mongol pelo Cáucaso, os pequenos reinos situados entre as fronteiras dos dois impérios foram tomados um a um por Tamerlão, com pouca resistência, enquanto abria caminho para a Horda Dourada. E como todas as vezes que uma força vinda do Oriente Médio ou da Pérsia tentou invadir a Rússia pelo Cáucaso, ele encontrou a Geórgia pela frente.<br />
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A Geórgia é um país localizado entre as escarpadas montanhas do Cáucaso, cordilheira mais alta da Europa considerada sua fronteira sudeste com a Ásia, espraiando-se pelos seus vales até as margens orientais do Mar Negro. A dificuldade de se conquistar pela via militar e se estabelecer um sistema de governo integrado a um império estrangeiro, devido às dificuldades apresentadas pela natureza, manteve os georgianos no seu lugar, cultivando língua, escrita, cultura e religião que se mantiveram como bastiões quase imutáveis ao longo de milênios a despeito de gregos, romanos, persas, árabes, turcos e mongóis, no meio de uma das zonas historicamente mais dinâmicas do mundo.<br />
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A expedição de Timur, com o objetivo de pressionar a fronteira da Horda Dourada e bloquear sua passagem pelo Cáucaso, chegou ao sul da Geórgia no final de 1385, atacando a província de Samtskhe. O exército timurida arrasou o sul do país antes de marchar para a capital Tblisi. O rei Bagrat V, tido pelos seus contemporâneos como um administrador justo e um "soldado perfeito" (lembrado localmente como "O Grande"), optou por fortificar a cidade ao invés de encontrar os invasores em campo. Mas Timur, que havia decretado uma <i>Jihad </i>(Guerra Santa) contra a Geórgia Cristã, foi implacável. Em 21 de novembro de 1386, prevendo uma derrota iminente e as consequências dela para a capital, Bagrat se entregou a Timur. Sob a ponta de uma espada, o rei georgiano se converteu ao islã. Um cronista armênio da época, Tomás de Metsoph, exaltou a artimanha de Bagrat em usar a apostasia como forma de ganhar a confiança de Timur - essa visão tinha fundamento, já que Timur designara de 12 a 20 mil soldados para a guarda pessoal e os deixado às ordens de Bagrat.<br />
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Tblisi caiu, mas Timur não conseguiu assegurar o domínio sobre a Geórgia. Por toda a parte, bastiões em encostas de difícil acesso fustigavam a passagem dos timuridas e ameaçavam suas linhas de suprimentos. Mais preocupado com outras frentes, Timur recuou. Ele ordenara que Bagrat, agora um suposto aliado e irmão de fé, marchasse com seus soldados emprestados de volta a Tblisi para retomar o trono, ocupado provisoriamente pelo seu filho Jorge VII. Pai e filho, no entanto, entraram em negociações secretas, e Bagrat conduziu seus homens diretamente para uma emboscada. Com a guarda aniquilada, o filho resgatara o pai. Ambos se apressaram em antecipar a vingança de Timur, evacuando a população civil no sul do país, e organizando as defesas nas montanhas.<br /><br />De fato Timur voltou em 1387, mas foi forçado a retornar de mãos vazias quando a Horda Dourada voltou a atacar o Irã. A próxima investida seria em 1394, quando Bagrat V já estava morto e o país era governado por Jorge. Desta vez, Timur em pessoa comandou a devastação das comunidades montanhesas no vale de Aragvi, ao norte de Tblisi, enquanto seus generais varriam o sul. Jorge VII escapou devido a mais um ataque providencial de Tokhtamysh ao Irã.<br />
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Em 1395, Jorge conseguiu o feito de vencer em batalha os timuridas liderados por Miran Shah, filho de Timur, durante o cerco à fortaleza de Alindjak, capturando um príncipe mongol. Em 1399, Timur retaliou mais uma vez, causando o máximo de destruição possível ao país, sem contudo tomar definitivamente qualquer posição importante. Em 1400 Timur exigiu que o tal príncipe fosse devolvido. Desta vez, Jorge foi derrotado em batalha, e na perseguição que se seguiu, atraiu desastradamente Timur para o interior do país, conseguindo despistá-lo em uma floresta. Mas, furioso, Timur sistematicamente devastou e pilhou tudo que pôde por meses, escravizando 60 mil georgianos, mas ainda assim não conseguiu firmar sua autoridade.<br />
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Em 1401, Jorge VII e Timur chegaram a um acordo. Os timuridas estavam em guerra com os turcos otomanos e era interessante assegurar a estabilidade na região até, pelo menos, poderem tomar alguma ação decisiva contra a Geórgia. Com a vitória em 1402, Timur usou como pretexto para deflagrar uma oitava campanha contra a Geórgia o fato do rei local não ter lhe oferecido as devidas congratulações. Tamerlão invadiu o país mais uma vez, mas Jorge recuou até a Abkhazia, região montanhosa no extremo noroeste do país. Cerca de 700 aldeias, vilas e cidades foram arrasadas e seus habitantes mortos. A essa altura, a Geórgia já não tinha muito mais o que oferecer em pilhagens (ou mesmo em impostos a arrecadar), e em algum momento, os conselheiros de Timur sugeriram oferecer o perdão a Jorge VII, em troca do pagamento de tributos (com o país continuamente arrasado pelos timuridas, os tributos incluíam termos muito específicos sabidamente ao alcance do rei, como um certo rubi que pesava mais de 80 gramas). No ato, Timur reconheceu a independência da Geórgia e seu status como uma nação cristã. Porém, antes de retornar à Ásia, ele ainda passou por Tblisi e colocou no chão todos os templos cristãos que encontrou de pé.<br />
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Timur morreu em 1405, durante uma campanha infrutífera contra a dinastia Ming, na China. Sua morte levou seus netos a uma guerra civil pela sucessão, e a confusão que se seguiu deu brecha para que forças internas (de nativos iranianos, afegãos, turcomanos, etc.) se firmassem e levassem à fragmentação do império. Não fosse a linhagem de um dos seus netos resultar na dinastia Mughal no norte da Índia algumas gerações mais tarde, e o seu atual status de herói nacional uzbeque (uma estátua sua foi erigida no local onde, em tempos soviéticos, ficava uma estátua de Karl Marx, em Tashkent), o legado de Timur teria virado poeira na História. Já a Geórgia aguentou o quanto pôde, mas os ataques constantes fragilizaram o país economicamente e demograficamente, e desde 1401 a região central de Imereti já havia se declarado independente (pelo próprio irmão de Jorge VII, Constantino, que era simpático a Timur), e o sudoeste do país entregue a um dos netos de Timur no último tratado firmado. Jorge VII terminou seus dias governando apenas uma fração do reino que herdara do pai. De uma forma ou de outra, a Geórgia sobreviveria como país independente até 1810, quando foi anexada pelo império russo, recuperando sua soberania, já como república, em 1991.<br />
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P.S.: Uma lenda ficou muito popular no século XX a respeito de Timur. Antes de morrer, ele teria dito o que se tornaria seu epitáfio: "Quando eu me levantar da tumba, o mundo tremerá". Em 1941, Joseph Stalin enviou o arqueólogo Milhail Gerasimov (um célebre especialista na reconstrução facial de figuras históricas) a Samarcanda para resgatar os restos de Timur, enterrados no seu mausoléu de Gur-e-Amir. Os ossos foram encontrados e examinados, e até aí as coisas foram devidamente registradas por Gerasimov e sua equipe, mas a lenda acrescenta que, além do suposto epitáfio, dentro da tumba ainda haveria uma segunda advertência: "Aquele que abrir minha tumba lançará um invasor mais terrível do que eu". Isto teria se passado no dia 19 de junho. No dia 21, Gerasimov e equipe teriam exumado o crânio. No dia 22, rompendo inesperadamente o pacto de não agressão com os soviéticos, a Alemanha Nazista deflagrou a Operação Barbarossa, campanha com objetivo de subjugar a Rússia comunista que resultaria no cenário mais sangrento da Segunda Guerra Mundial. Em novembro de 1942, os nazistas estrangulavam os russos na Batalha de Stalingrado, quando os arqueólogos sepultaram novamente os restos de Timur, seguindo, inclusive, os rituais islâmicos apropriados. Nos dias que se seguiram a maré virou para os russos, e três meses depois os alemães seriam derrotados em Stalingrado.Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8010033261722405130.post-83722063575719288282017-11-08T11:03:00.001-08:002017-11-23T05:10:36.207-08:00Colisão de dois mundosEm 8 de novembro de 1519, o conquistador espanhol Hernan Cortés chegou a Tenochtitlán para se encontrar com o imperador azteca Montezuma II.<br />
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A chegada de Cortés a Tenotchitlán é o evento mais importante do processo de ocupação e controle da Espanha sobre a Mesoamérica. A civilização azteca, que se espalhava sobre os territórios de povos "aliados" (a maioria submetidos à força) entre o centro e o sul do México, foi a primeira das civilizações mesoamericanas a tombar diante do poderio bélico da Espanha, e essa região do mundo (entre o México e o norte do Chile), com suas riquezas em metais preciosos, sua infraestrutura e organização social, transformaria aquele país europeu em uma super potência por quase 200 anos.<br />
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O encontro de Cortés e Montezuma não aconteceu ao acaso. Desde que a expedição de Cortés (com 630 homens em 11 navios) foi avistada na costa de Yucatán, espiões aztecas mantiveram seu imperador informado de tudo que acontecia. A expedição espanhola, após fundar o assentamento que se tornaria a cidade de Veracruz (neste momento, Cortés cortou relações com seu superior, o governador das Índias Diego Velásquez de Cuellar, seu parente, porque era prerrogativa do governador a fundação de novas colônias; ali Cortés foi declarado um "amotinado" e, para evitar que seus homens debandassem diante da situação, mandou desmontarem seus navios) recebeu a visita de dois diplomatas aztecas. Os aztecas continuaram mantendo contado com os estrangeiros, trocando presentes e tecendo elogios (em um momento Cortés se virou a seus homens e disse, com a ajuda de um tradutor, que os nativos os consideravam como deuses). Os emissários, contudo, tentavam dissuadir os espanhóis de irem a Tenochtitlán, mas os presentes e os elogios eram interpretados como um convite. De qualquer forma eles entendiam que, para se aproximar de Montezuma, teria que ser pelos seus inimigos: eles ofereceram apoio a uma coalizão de tribos menores que resistiam à assimilação azteca, participando de algumas batalhas. Enquanto isso, Cortés enviava solicitações para uma audiência com Montezuma, o que ele insistentemente recusava.<br />
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Hernán Cortés veio de uma família modesta na pequena vila de Medellin, sudoeste da Espanha. Estudou com um tio em Salamanca e trabalhou como notário. Com a <a href="http://efemerides-hoje.blogspot.com.br/2017/08/colombo.html" target="_blank">descoberta da América por Cristóvão Colombo</a>, o governo espanhol passou a patrocinar incursões para reconhecimento das novas terras, estabelecimento de relações com seus habitantes, e a sondagem de suas riquezas, usando assentamentos já existentes como bases de operações e a fundação de novos mais adiante (expedições conhecidas como "<i>entradas</i>"). Cortés, que não possuía bens ou terras de que pudesse usufruir, foi atraído para este tipo de empresa - ele também teria circulado pelos portos de Sevilha, Cádiz, e outros, ouvindo histórias de marinheiros sobre as possibilidades e riquezas nas novas terras. Aos 18 anos conseguiu passagem para Hispaniola (ilha onde estão Haiti e República Dominicana), possivelmente graças a Velásquez, que depois lhe concedeu uma "<i>encomienda</i>" (uma propriedade e um grupo de nativos empregados em trabalhos forçados). Cortés permaneceu 15 anos nas Índias Ocidentais, ocupando cargos públicos nas colônias, participando de batalhas contra nativos, e administrando suas novas propriedades. Mas expedições espanholas já haviam provado que a América guardava muito além do que as pequenas ilhas de Hispaniola e Cuba (de cuja capital era prefeito). Seu biógrafo o descrevia como "impiedoso" e "traiçoeiro". De fato, seu conhecimento das leis adquirido enquanto notário o fizeram romper com o governador das Índias assim que viu a possibilidade de fundar uma colônia por conta própria, submetendo-se diretamente ao rei Carlos I (o mesmo rei Carlos V do Sacro Império Romano, que herdara o trono espanhol), alegando que Velásquez agia em benefício próprio, não em prol da Coroa.<br />
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As fontes sobre Montezuma são vagas, quase todas registradas sob ponto de vista dos espanhóis. Bernal Díaz, companheiro de Cortés, o descrevia como um homem de boa constituição, pele clara, barba rala e estreita, senhor de um harém de concubinas e duas esposas, e cercado por uma corte de dois mil nobres que habitavam seu palácio. O Império Azteca, costurado à base de força e alianças de conveniência, estava em seu apogeu. Além de manter seus aliados sob controle, os aztecas precisavam manter um exército constantemente mobilizado para conter os ataques de uma confederação de Nahuas, Mixtecas e Zapotecas, que por 75 anos resistiram à assimilação. Estas mesmas a quem Cortés oferecia ajuda.<br />
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Os cronistas espanhóis sugeriram que Montezuma nutria interesse pela expedição de Cortés por conta de uma suposta crença no retorno do deus Quetzalcoatl (que teria nascido e depois navegado para o leste em anos que corresponderiam, nos ciclos solares do calendário azteca, ao ano da expedição, 1519), e que Cortés seria este deus incarnado. A influência deste mito nos acontecimentos que se seguiram é muito questionada atualmente no meio acadêmico porque são muito escassas as fontes nativas a respeito da sua importância, mas continua propagado como o motivo para a atitude desconcertantemente afável de Montezuma diante daqueles estrangeiros. Se a religião, que era um pilar central na sociedade azteca, teve algum papel naquele cenário, foi o de servir como argamassa para a coesão dos diferentes povos que constituíam o império azteca - bem como um dos fatores que uniam seus inimigos.<br />
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Quando Montezuma convocou Cortés para uma audiência, os espanhóis tinham um grande exército engordado por milhares de guerreiros nativos. Ele havia acabado de atacar a cidade de Cholula (a segunda maior do centro do México, sob jurisdição azteca), onde estava hospedado, massacrando 3 mil pessoas e incendiando templos e palácios para demonstrar sua força e intimidar Montezuma. Cortés levou todo o seu exército para a capital azteca, temendo uma armadilha.<br />
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Contudo, ao entrar na cidade - construída sobre uma ilha no meio de um lago, conectada às terras no entorno por pontes - foi recebido calorosamente por Montezuma em pessoa e os reis das principais cidades aliadas, mas não foi permitido que Cortés o tocasse. Meio desconcertado, Cortés trocou presentes com o anfitrião. Montezuma o presenteou com um calendário em forma de disco de ouro, e outro de prata, que Cortés depois derreteu. Ele e os outros espanhóis foram cobertos com jóias de ouro e pedras preciosas, e adornos com penas. Depois, já no palácio que pertencera a Axáyacatl, pai do imperador azteca, preparado para receber Cortés como hóspede, Montezuma discursou diante da corte e do seu convidado, dizendo:<br />
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"Tu graciosamente desceste à terra, tu graciosamente te aproximaste de tua água, tu chegaste à tua porta, teu trono, que eu brevemente guardei para ti, eu que o guardava para ti. (...) Tu graciosamente chegaste, tu conheceste a dor, tu conheceste o cansaço, agora vem à terra, entra em teu palácio, descansa teus membros"<br />
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Montezuma chegou a oferecer o trono a Cortés. O espanhol acreditou até o fim que as palavras e atitudes de Montezuma eram literais, ou seja, que o monarca, diante da força dos espanhóis, ou influenciado por superstições, havia entregue de boa vontade seu império ao rei Carlos V, a quem representava. Todo o movimento de Cortés depois disso teve como base e justificativa esta interpretação. Os cronistas espanhóis, confusos com a "ingenuidade" de Montezuma, tentaram associá-la à crença de que Cortés era Quetzalcoatl, ou ao pânico que a visão de homens em armaduras ou sobre cavalos teria causado (demonstrações da artilharia espanhola haviam sido fúteis no passado para impressionar os chefes nativos).<br />
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Porém, é mais provável que a atitude do rei azteca de oferecer seu trono ao invasor estrangeiro seria uma forma de constrangê-lo pela sua audácia, ao mesmo tempo em que demonstrava sua magnanimidade. Pois entre aztecas e seus vizinhos, a derrubada de um chefe deveria acontecer pela demonstração de força superior em combate. A guerra entre os povos mexicanos era ritualizada, a ponto de prisioneiros capturados em batalha serem mantidos cativos para serem executados em sacrifícios cerimoniais, destino que aceitavam com resignação (quando qualquer outra possibilidade de fuga ou rebelião não existia). Sob esta ótica, Montezuma ofereceu o trono a Cortés esperando que isso ferisse a sua honra, como alguém que esfrega o focinho de um cão em sua própria urina. Os espanhóis nunca perceberam esta sutileza.<br />
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De fato, Montezuma não tinha a real intenção de entregar tudo que possuía. Quando Cortés, mais tarde naquele mesmo dia, solicitou a Montezuma erigir uma cruz no alto de um templo em homenagem à Virgem Maria, o azteca teria ficado furioso e ordenado o assassinato de 7 espanhóis que haviam ficado no litoral. Quando soube, Cortés e cinco de seus capitães ordenaram que Montezuma fosse com eles, sem escândalos, ou seria morto. Entre novembro de 1519 e maio de 1520, Montezuma foi mantido cativo em Axáyacatl, embora ainda atuasse formalmente como imperador. Enquanto isso, os espanhóis saqueavam os tesouros de Tenochtitlán e cidades próximas e impunham punições a militares e agentes públicos aztecas que os desacatassem.<br />
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Em maio de 1520, o governador das Índias, o mesmo Velásquez, enviou uma expedição para localizar e capturar Cortés, o que fez o caudilho espanhol deixar Tenochtitlán com o grosso dos seus homens, mantendo uma guarnição na cidade. Então, o seu segundo em comando, Pedro Alvarado, ordenou um massacre durante as celebrações do Toxcatl, uma das principais festas religiosas locais, justificando-se de ter impedido o sacrifício humano em um ritual pagão. A fúria causada nas principais cidades teria levado ao assassinato de Montezuma (seja pelos espanhóis, seja pelos aztecas, ambos o teriam feito por causa da sua incapacidade de intervenção de um lado ou de outro). Depois de fugirem do tumulto que se seguiu (perdendo grande parte do tesouro que haviam roubado até então, e vários companheiros que ficaram na retaguarda), os homens de Cortés se reagruparam, e, com ajuda dos tlaxcaltecas, destruíram Tenochtitlán em janeiro de 1521. A linhagem de Montezuma foi absorvida pelos conquistadores - o filho Cuitláhuac morreu de sarampo, o primo Cuauhtemoc torturado com os pés queimados e executado (por não saber onde o tesouro perdido pelos espanhóis estava escondido), e sua esposa e filha de Montezuma, Techichpotzin, batizada Isabel e tomada como esposa por um dos homens de Cortés. Sem liderança, a confederação que compunha o império azteca aos poucos foi absorvida pela administração espanhola sob Cortés.<br />
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Os espanhóis governaram o embrião do que seria o México com o auxílio dos chefes das cidades locais, que mantinham seus cargos e privilégios determinados pelo imperador azteca. Já os plebeus corriam o risco de serem escravizados e forçados a trabalhar para os europeus. A Espanha demorou 60 anos para consolidar a conquista do México, anexando impérios e territórios com suas tribos uma a uma - os maias em Yucatán seguiriam resistindo por quase 170 anos, cedendo então apenas por causa de epidemias que eliminaram metade da população nativa. A língua nahuatl (a <a href="http://efemerides-hoje.blogspot.com.br/2015/07/linguas.html" target="_blank">língua franca</a> do Vale do México, com a qual os freis franciscanos registraram a história da civilização azteca enquanto ela desaparecia) e idiomas relacionados continuam em uso no interior do país até hoje, com 1,7 milhão de falantes atualmente. Os descendentes diretos de Montezuma, desde 1627, recebem do rei da Espanha o título de Duque de Montezuma de Tultengo. Sobre as ruínas de Tenochtitlán e arredores foi erguida a atual Cidade do México.Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8010033261722405130.post-54432569566004200952017-11-01T11:53:00.001-07:002017-11-01T11:53:34.491-07:00Abalo nas fundaçõesEm 1 de novembro de 1755, um terremoto seguido de tsunami (e um incêndio só controlado 6 dias depois) devastou a capital portuguesa de Lisboa, causando dezenas de milhares de mortes e a destruição da maior parte da cidade. Este evento geológico seria o epicentro de mudanças radicais, desde a reformulação da estrutura urbana de Lisboa, à vida política portuguesa, e levando as principais mentes da Europa a questionarem o próprio mundo em que viviam.<br />
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Portugal está próximo à fronteira entre duas placas tectônicas, a Africana e a Eurasiana, fronteira esta que corre a partir da Dorsal Atlântica (ponto onde a atividade vulcânica fez emergir do oceano o arquipélago dos Açores) e atravessa o Mediterrâneo. Assim como Itália, Grécia, Turquia (onde a história recente registra sismos bastante destrutivos), é uma região suscetível a tremores de terra mais ou menos violentos. O primeiro deles a ser registrado naquela área ocorreu em 60 a.C., afetando a costa. Um terremoto na região de Lisboa, em 1531, seguido de um tsunami que resultou na morte de 30 mil pessoas provocou um recuo do projeto português de implantar colônias economicamente funcionais na América recém-descoberta enquanto investimentos eram direcionados para a reconstrução da cidade (religiosos responsabilizaram os cristãos-novos, judeus recém convertidos, pelo desastre). A violência do sismo de 1755 seria capaz de apagar da memória tamanha tragédia, a tal ponto que aquele só voltaria a ser estudado com a redescoberta de documentos de época no século XX.<br />
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Era uma manhã ensolarada do Dia de Todos os Santos. Os lisboetas acordaram cedo, e tomaram as ruas, em direção às igrejas, para as missas e festejos. A Lisboa de 1755 era uma Lisboa medieval que se expandira lentamente nos séculos anteriores a partir do seu núcleo primitivo às margens do Tejo em direção ao norte e ao oeste, com uma estrutura urbanística confusa que prezava a utilização máxima dos espaços para habitação. O resultado eram ruas estreitas e muradas por edifícios e casas, palácios e, particularmente, igrejas, que constituíam o centro de cada novo núcleo urbano agregado ao plano urbanístico anterior. Haviam poucos largos e praças, e as vias ficavam constantemente congestionadas por pessoas, animais, e carruagens. Naquela manhã, a maior parte de uma população estimada em 300 mil habitantes estava apertada entre paredes, acorrendo às suas paróquias.<br />
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Às 9:30 um violento tremor de terra (próximo de 9 de magnitude de momento, com epicentro no Atlântico), com pelo menos 3 minutos de duração (em outros lugares de Portugal, a terra tremeu por até duas horas), surpreendeu a população. No primeiro momento, houve desabamentos. Pessoas em fuga desordenada pisoteavam-se, enquanto feridos pediam socorro. Houve relatos de furtos no meio da confusão. Nas igrejas que continuaram em pé, ouvia-se o canto de músicas sacras contrastando com o lamento dos fiéis. Alguns procuravam por seus parentes desgarrados, outros os iam buscar nos escombros. Fissuras de até 5 metros de largura abriram-se no chão, no centro da cidade. Boatos de que o antigo Castelo de São Jorge estava em chamas, e que seu armazém de pólvora poderia explodir, levaram as pessoas a se afastarem do local, que fica numa colina. O medo de desabamentos, incêndios e explosões conduziu a massa para o cais do porto. Os cais Sodré, São Paulo, e Terreiro do Paço (onde ficava o palácio real), para onde desembocavam as ruas principais, ficaram apinhados de gente.<br />
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Ali no cais, o povo assistiu, confuso, o mar retroceder. Rochas, pedras de antigas construções, destroços de navios e cargas perdidas estavam expostas. Um tsunami não surge como uma parede de água que se quebra como uma onda na praia, mas como uma invasão rápida e contínua de água em alta velocidade, subindo rapidamente de nível e arrastando tudo que há no caminho, então os lisboetas não puderam antever a onda de até 20 metros (no Algarve, mais ao sul, a onda pode ter chegado a 30 metros) que se aproximava do porto. Muitos pressentiram o perigo e guiaram sobreviventes para lugares altos, mas cerca de 900 pessoas foram subitamente arrastadas pela onda. O que havia ficado em pé nas partes mais baixas da cidade foi demolido pela onda. E o que a onda não derrubou estava prestes a ser consumido pelo fogo.<br />
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A infraestrutura da cidade foi perdida. As chamas consumiam as casas e igrejas sem que houvesse uma resposta organizada para detê-las, de maneira que os incêndios persistiram por 6 dias. Nesta fase, a grandiosa Casa de Ópera, inaugurada naquele ano, foi consumida, e também ardeu o Hospital Real de Todos os Santos (vitimando os pacientes internados). O acervo da biblioteca na Torre do Tombo foi salvo (a torre mesmo colapsou pouco depois), mas as bibliotecas dos dominicanos e franciscanos foram perdidas. Ao final daquela semana, 85% da cidade fora destruída, e até 90 mil pessoas pereceram apenas em Lisboa (as estimativas não são precisas para os demais lugares em Portugal; em Fez, no Marrocos, que passou pelo mesmo tremor e tsunami, morreram cerca de 10 mil).<br />
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O rei José I escapou porque suas filhas pediram para passar o feriado em Belém, próximo à cidade. A destruição que testemunhara também ali, e a que assistiu ao retornar à capital, criou no rei uma claustrofobia, a ponto dele viver o resto da vida em amplas tendas erguidas na colina da Ajuda (onde construiu-se depois o Palácio Real da Ajuda). O futuro Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo, então ministro dos negócios estrangeiros, tomou para si o comando dos esforços para socorrer as vítimas, impedir novos acidentes, impor a lei e a ordem (para combater os saques, fez com que a cidade fosse patrulhada por trios compostos por um padre, um juiz, e um carrasco), e planejar a reconstrução da cidade. Para resolver o problema do que fazer com os mortos, ordenou que os corpos despedaçados fossem levados em barcaças e jogados no mar: "Deus lá no Céu saberá a que corpo pertencem". Questionado sobre a opção de refazer a parte baixa da cidade adotando ruas e avenidas largas, teria dito que "Ainda um dia as vão achar estreitas". O novo centro da cidade é conhecido até hoje como Baixa Pombalina. Sua atuação enérgica e objetiva lhe renderam a nomeação para o cargo de primeiro ministro, posição de que se aproveitou para promover uma reformulação de larga escala da capital e grandes reformas administrativas. Os altos custos foram cobertos com empréstimos à Inglaterra e um aumento de impostos sobre a colônia, atingindo de maneira mais dura a capitania de Minas Gerais, onde pelo menos duas insurreições tiveram que ser aplacadas por Pombal.<br />
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O engenheiro-mor Manuel da Maia conduziu a parte prática da reforma urbanística, que incluía o controle e fiscalização do governo à construção de novas edificações (inibindo as construções feitas pelos próprios moradores, e regulando a altura dos edifícios, e quanto de cada terreno deveria ser ocupado) e a adoção pioneira de métodos de construção anti-terremoto. Casas que ainda estivessem de pé e não estivessem conforme as novas normas deveriam ser demolidas. Grande parte das obras foi supervisionada pelo engenheiro húngaro Carlos Mardel, que assinou as grandiosas construções do Aqueduto das Águas Livres, do Palácio da Inquisição, e o Palácio do Marquês de Pombal.<br />
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As notícias de Lisboa chocaram a Europa. Na Inglaterra, na Áustria, na Alemanha, na França, na Itália, a devastação e a perda de vidas foram recebidas com horror. Lisboa era uma das principais capitais do catolicismo, se assim se poderia dizer: pontilhada de igrejas, com grande participação do clero na vida pública, e capital de um império colonial onde a questão religiosa era o pilar das novas sociedades. Entre muitos observadores, incluindo lisboetas, o fato do terremoto ter ocorrido no Dia de Todos os Santos, e ter devastado a cidade, especialmente as grandes catedrais não passou despercebido, e foi interpretado como uma punição divina. Filósofos contemporâneos foram além: Voltaire questionou a destruição de uma cidade católica e suas igrejas e a morte de tantos devotos em relação à noção de que o mundo seria regido o tempo todo por uma divindade fundamentalmente benevolente (ou de como um Deus bom permitiria a existência do mal, questão levantada anteriormente por Leibniz e Pope, que contudo defendiam que, seja como for, este é o melhor dos mundos). Jean-Jacques Rousseau (crítico dessa mesma ideia de Voltaire) atribuiu o grande número de fatalidades ao fato dos lisboetas viverem concentrados numa área urbana relativamente pequena, e usou este argumento para advogar um modo de vida mais naturalístico e menos urbano (um argumento na sua tese do "bom selvagem"). O corpo de ideias formuladas sobre as causas e consequências do terremoto de Lisboa deram musculatura ao Iluminismo.<br />
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O sedutor escritor veneziano Giacomo Casanova relatou ter sentido o tremor enquanto estava encarcerado no Piombi, a prisão que funcionava nos porões do Palácio do Doge, em Veneza. O tsnumai varreu os portos dos Açores e Madeira, atingiu da Finlândia ao Caribe, e chegou ao nordeste brasileiro: ondas de até 6 metros de altura invadiram o litoral nordestino e alcançaram quase 5 quilômetros terra adentro (um relato da capitania de Pernambuco nota o desaparecimento de uma mulher e uma criança perto da cidade de Tamandaré; em Salvador, a água chegou à base do cruzeiro situado em frente à Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem, 3 metros acima do atual nível do mar, numa praia voltada para o interior da Baía de Todos os Santos). Um terremoto raro e inesperado, de média intensidade causando desabamento de telhados e chaminés, aconteceu ainda no dia 1 de novembro em Cape Ann, ao norte de Boston, uma região relativamente protegida, o que leva pesquisadores a tentarem associar o evento com o sismo de Lisboa.<br />
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Com 85% da Lisboa medieval e pré-moderna destruídos, há poucas estruturas na cidade anteriores a 1755. Uma delas, talvez a mais impressionante, seja o Convento do Carmo, templo neogótico erigido em 1389, cujo interior foi consumido pelo fogo, derrubando seus telhados e cúpulas. A estrutura básica é preservada e abriga um museu arqueológico.<br />
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Indira Gandhi, apesar do sobrenome, não tinha laços de parentesco com o pacifista revolucionário Mohandas "Mahatma" Gandhi, líder do movimento de independência da Índia. Ela era, contudo, filha de Jawaharlal Nehru, o primeiro a ocupar o cargo de Primeiro Ministro da Índia independente e amigo próximo do Mahatma (o sobrenome Gandhi veio do marido Feroze Gandhi, jornalista que também não era parente do mesmo). Indira estudou na Europa, e ao retornar à Índia, serviu próxima ao pai enquanto primeiro ministro. Logo ela presidia o Congresso com punho firme, e, após a morte de Nehru, passou ao Ministério das Comunicações. Em 1966 o primeiro ministro Lal Bahadur Shastri morreu, e a cúpula do Partido do Congresso (a força política majoritária da Índia desde o tempo do protetorado britânico) orquestrou a eleição de Indira ao cargo, pensando que ela seria forte apenas o suficiente para vencer o candidato da oposição, porém não tão forte que pudesse impor quaisquer dificuldades às aspirações do partido. De fato, a mídia indiana a chamava de "fantoche". Contudo, dificuldades econômicas levaram a derrotas do Partido do Congresso nas eleições regionais, e Indira logo começou a se indispor com seus líderes buscando soluções à esquerda para os problemas do país, além de indicar políticos de outros partidos ou independentes para cargos públicos.<br />
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Indira foi reeleita em 1971. No seu segundo termo, Gandhi obteve uma vitória estratégica ao apoiar, com sucesso, a independência de Bangladesh, então sob controle do do Paquistão, com quem a Índia se atrita por questões territoriais e religiosas desde antes da sua independência até hoje. Ela resistiu a um processo de impeachment por crimes eleitorais, mas o processo (que aconteceu em 1975, enquanto o país sofria com a crise do petróleo deflagrada dois anos antes) foi desgastante politicamente. Seu gabinete e seus ministros apelaram ao presidente Fakhruddin Ali Ahmed (indicado ao cargo por Gandhi em 1974) para declarar Estado de Emergência, concedendo à chancelaria o poder de governar por decreto. O resultado das sucessivas crises veio nas eleições de 1977, quando Indira foi derrotada. Ela retornaria ao Congresso como a principal força de oposição (passando por cima de Yashwantrao Chavan, indicado como líder pelo próprio Partido do Congresso).<br />
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Nos seus dois termos como primeira ministra, Gandhi mantivera a inflação e o desemprego sob controle, implementando melhorias graças à nacionalização de setores estratégicos da economia, blindando-a contra as pressões internacionais. Porém a crise do Irã e a alta do petróleo atropelaram seu sucessor, pavimentando caminho para uma nova candidatura. Em 1980, buscando apoio de muçulmanos, tamiles (Indira foi atacada por membro de um grupo separatista tamil em visita a Madurai, no sul do país, mas o jornalista Nedumaram a protegeu com seu corpo, sendo apedrejado. Nedumaran ainda hoje milita em causas humanitárias na região), e outras minorias étnicas e religiosas, foi eleita com larga vantagem para um terceiro mandato.<br />
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No ínterim entre o segundo e o terceiro mandatos, o partido Akali Dal, de maioria sikh, assumiu o poder no importante estado de Punjab. Os sikhs são um grupo religioso de origem punjabi, que cultuam uma única divindade, revelada pela sabedoria de seus gurus. Pregam, se não a dissolução, ao menos a igualdade de tratamento a todas as castas, desafiando a tradição hinduísta. Também tem um código rígido de vestimenta, o que inclui um turbante alto chamado Dastar que envolve os cabelos, que não devem ser cortados (o código é tão rígido que sikhs residentes no Reino Unido tem autorização especial para portar o kirpan, uma adaga curva, um dos símbolos invioláveis da religião; o atual governo canadense conta com dois ministros de Estado sikhs, que se apresentam formalmente com seus Dastars, kirpans, e demais assessórios). Quando assumiram o Punjab em 1977, o Partido do Congresso passou a apoiar o líder ortodoxo Jarnail Singh Bhindranwale, visando minar o poder do partido dominante através de um líder religioso extremamente popular. Contudo, as disputas internas no Punjab logo se tornaram violentas, e o nome de Bhindranwale passou a ser associado com atos violentos e execuções de rivais. Ele se entregaria à polícia em 1981, mas seus seguidores ainda se envolveriam em episódios de violência. Ele recebeu perdão do ministro do interior de Indira Gandhi e foi para casa como um herói.<br />
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O norte da Índia entrava em um período de tumulto. Enquanto o Akali Dal pregava a desobediência civil, comunistas, grupos extremistas sikhs, e a polícia envolviam-se em constantes confrontos. Bhindranwale encorajava seus seguidores a andarem armados. Em 1982 ele foi convidado pelo líder do Akali Dal, Harcharan Singh Longowal, a uma reunião no Templo de Ouro, local sagrado para os sikh em Amritsar, Punjab. Bhindranwale ficou hospedado com uma comitiva na casa de hóspedes do templo, mas, com consentimento do partido sikh, acabaria trazendo cerca de 200 seguidores para lá, para compor sua segurança. Na prática, Bhindranwale transformava o santuário em uma fortaleza, onde recebia a imprensa internacional para chamar atenção à sua causa. O Akali Dal operava o braço político dos sikh, enquanto Bhindranwale era seu líder religioso mais importante e principal coordenador de ações diretas contra o governo de Nova Delhi. Nas entrelinhas do movimento estava a criação do estado do Khalistão e sua autonomia, fomentadas pelos Sikhs desde a década de 1940.<br />
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Em abril de 1983, depois de uma reunião com Bindranwale, o inspetor de polícia do Punjab foi assassinado na saída do templo. Logowal acusou Bindranwale pelo assassinato e retirou seu apoio. Em dezembro de 1983, homens de Bindranwale, armados com fuzis, entraram no templo, montaram barricadas e armaram metralhadoras no seu terraço. A cidade viveu meses de inquietação silenciosa.<br />
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Em junho de 1984, após negociações infrutíferas e mal conduzidas, Indira Gandhi ordenou a execução da Operação Estrela Azul. Contra recomendações de militares de alta patente, alertando para o sacrilégio de usar força militar contra fiéis refugiados em um templo, ela ordenou o corte das comunicações, da eletricidade, e o bloqueio de todas as estradas e paralisação do transporte público em todo o estado de Punjab, isolando-o do resto do mundo. Ao longo de 9 dias, 10 mil soldados, paraquedistas, e helicópteros invadiram, bombardearam e perseguiram rebeldes no Templo de Ouro e arredores. Bindranwale e outros 150 militantes morreram, causando 700 baixas ao exército indiano.<br />
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O que poderia representar uma vitória acabou sendo um revés para Indira. A opinião de militares, imprensa, e órgãos de defesa dos direitos humanos dentro e fora da Índia oscilavam entre críticas ao uso excessivo da força, à violação à liberdade de informação (pelo corte das comunicações), e violações graves aos direitos humanos - a escolha da época do ataque, início de junho, coincidiu com o fim das celebrações do martírio de um guru sikh, ou seja, a cidade e toda a região do templo recebia visitantes peregrinos de todas as partes. Mais de 400 mortes de civis foram registradas oficialmente, e isso foi considerado por muitos como um ataque deliberado àquela religião. O historiador Harjinder Singh Dilgeer defende que Indira Gandhi planejava o ataque ao Templo de Ouro havia muito tempo para construir uma imagem heroica e vencer as eleições no fim daquele ano (outra tese era de que o ataque visaria bloquear a influência do Paquistão, que planejaria o apoio aos rebeldes). Cinco mil soldados sikhs do exército indiano se amotinaram, resultando em repressão violenta.<br />
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Indira era naturalmente escoltada por seguranças armados, mas temia que pudesse ser assassinada a qualquer momento. No dia 30 de outubro de 1984, visitando o estado de Odisha, teria dito: "Eu estou viva hoje. Posso não estar aqui amanhã. (...) e quando eu morrer, posso dizer que cada gota do meu sangue revigorará a Índia e a fortalecerá." Um destes seguranças era Satwant Singh Agwan. Outro era Beant Singh. Ambos, nos dias que sucederam à Operação Estrela Azul, converteram-se ao sikhismo. Ambos trabalhavam em turnos alternados, mas Satwant alegou problemas estomacais e trocou de horário com outro segurança, para levar a cabo o plano com o colega.<br />
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Na manhã de 31 de outubro, enquanto Indira saía de casa para uma entrevista com o ator inglês Peter Ustinov, Beant se aproximou e disparou três tiros de revolver na sua barriga. Quando ela caiu, Satwant descarregou sua submetralhadora sobre a primeira ministra, que só viria a morrer no hospital, 5 horas depois. Ambos largaram as armas e se entregaram imediatamente. Beant teria sido morto durante uma confusão com os demais seguranças na sala em que havia sido levado a interrogatório, e o colega ferido e levado a julgamento.<br />
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Na corte, Satwant disse não ter "ódio contra qualquer hindu, muçulmano, cristão, nem ódio por qualquer religião. Depois do meu martírio, não permita que um sikh atire uma pedra a qualquer hindu. (...) Se criarmos um banho de sangue, não haverá diferença entre nós e Rajiv Gandhi" (filho de Indira, nomeado seu sucessor, e responsabilizado pela onda de perseguição aos sikhs que se seguiu ao assassinato de sua mãe). A execução de Satwant e um tio de Beant (condenado por ter orientado o sobrinho a cometer o assassinato) em 1989 foi seguida de violência, com a morte de 14 hindus por militantes sikhs no Punjab no mesmo dia. Seus corpos foram cremados e as cinzas nunca devolvidas às famílias.<br />
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A família de Indira Gandhi continua protagonizando a política indiana - Sonia Gandhi, nora de Indira, é atualmente presidente do Congresso Nacional; o neto Rahul é vice-presidente do Partido do Congresso, e seu primo Varum Gandhi deputado pelo partido Bharatiya Janata. Indira construiu uma reputação internacional positiva atuando na mediação de conflitos, mantendo a Índia, na medida do possível, como um protagonista entre os países não alinhados durante a Guerra Fria (a despeito do seu movimento a favor da União Soviética por conta da hostilidade da China e dos Estados Unidos nos anos 1970), e por ter implantado, pela via socialista, políticas públicas que impediram a ruína econômica diante de crises internacionais de grande magnitude, diminuindo o desemprego e controlando a inflação, conferindo à outrora frágil economia indiana uma autonomia que a levaria a um contínuo crescimento nas décadas seguintes. Contudo, a Índia permanece em constante tensão interna por questões étnicas e religiosas, que ela não conseguiu resolver - e, no caso da relação com os sikhs, apenas piorou. No Punjab, onde os sikhs somam mais de 20 milhões de pessoas, os assassinos de Indira Gandhi ainda recebem homenagens - em 2014 foi produzido um filme exaltando o seu feito no incidente do assassinato, mas sua distribuição foi proibida pela autoridade de Nova Delhi.Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8010033261722405130.post-74778788252706149752017-10-26T06:59:00.001-07:002017-10-26T07:07:12.457-07:00A Revolta de Asen e PedroNo dia de São Demétrio de Tessalônica, 26 de outubro de 1185, os irmãos Teodoro (mais tarde, Pedro) e Ivan Asen deflagraram uma revolta contra os impostos abusivos cobrados pelo Império Bizantino para custear o casamento do seu imperador. Esta revolta resultaria na independência da Bulgária e na coroação de ambos como tsares.<br />
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A partir do século IX os búlgaros, então uma confederação de tribos semi-nômades, se organizaram num império próprio que rivalizava com o Império Bizantino nos Bálcãs. Invasões de <a href="http://efemerides-hoje.blogspot.com.br/2015/08/magyares.html" target="_blank">magyares</a> (os atuais húngaros, que faziam parte originalmente da confederação búlgara), pechenegues (uma tribo proto-turca), e a ascendência da Rússia Kievita desestabilizaram o Primeiro Império Búlgaro ao ponto da maior parte do seu território ser absorvida pelo Império Bizantino, e os búlgaros perderem a sua autonomia.<br />
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As coisas permaneceram assim por mais ou menos um século e meio. A aristocracia búlgara era aplacada por privilégios garantidos pelo trono de Constantinopla, mas mesmo assim muitos deles foram expatriados para cidades na Anatólia, deixando a população búlgara sem líderes naturais ou legítimos (no sentido de "alguém com condições de recrutar um exército"). A religião também foi usada como forma de desconfigurar a identidade nacional búlgara: a estrutura to patriarcado ortodoxo búlgaro foi submetida a um arcebispo que respondia diretamente ao Patriarca de Constantinopla. Porém, os búlgaros continuaram em suas terras, e nenhum processo de aculturação funciona enquanto o Estado trata a população cativa de maneira distinta, especialmente dentro de sua própria casa. Foi o erro que levou à revolta de 1185.<br />
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Andrônico I Komnenos foi imperador bizantino por dois anos. Neste período, o idoso imperador parecia mais preocupado em assegurar um descendente da sua própria linhagem pela supressão ao poder de barões locais do que em manter as estruturas que o seu pré-antecessor, o reformador Manuel I Komnenos, havia estabelecido para reerguer o império em todos os campos. Num episódio particularmente violento, ele ordenou a execução de prisioneiros, exilados, e suas famílias, causando revoltas por todo o império. Andrônico foi deposto e executado por um militar (que, embora tivesse se envolvido em duas revoltas contra o mesmo, havia sido mantido no cargo graças aos laços com a família Komnenos), Isaque Angelos, que assumiu o trono como Isaque II.<br />
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O novo imperador assumiu no meio de uma invasão de normandos baseados na Sicília, e investiu tudo que podia para expulsá-los com sucesso. Antevendo as dificuldades econômicas políticas que enfrentaria dali para frente, achou melhor garantir-se no trono através de alianças com potências regionais. Ele arranjou rapidamente o casamento de uma sobrinha com um príncipe sérvio, e de sua irmã com um nobre italiano (Conrado de Montserrat, um senhor de terras influente que poucos anos depois viria a ser um dos principais comandantes na Terceira Cruzada, e coroado rei de Jerusalém). Para si mesmo, obteve a mão de uma princesa húngara, Margarida, cujo parentesco a ligava ao Sacro Império Romano, às nobrezas russa, italiana, e francesa, bem como à própria nobreza bizantina. O arranjo se deu ainda em 1185, mas a cerimônia seria realizada, em Constantinopla, no ano seguinte. A ocasião serviria para exibir todo o poder e glória do imperador. Porém, com os cofres vazios, a saída para bancar a festa seria o aumento de impostos.<br />
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Os búlgaros, na sua grande maioria, eram pastores, camponeses, artesãos. Desde a anexação da Bulgária, o antigo esplendor imperial de suas principais cidades foi diluído nos cofres bizantinos. A taxação criada por Isaque II, no entanto, não levava em consideração o que cada comunidade podia oferecer em relação ao que produzia. Era uma taxa horizontal e uniforme, que penalizava os mais pobres, que eram as populações dos Bálcãs propriamente ditos, os búlgaros e valáquios, que também haviam sido anexados. Em protesto, dois irmãos, Teodoro e Ivan Asen (ou "João", que é o equivalente a Ioan em búlgaro), filhos de um rico pastor valáquio e, possivelmente, administradores de uma criação de cavalos imperial perto de Tarnovo (atual Veliko Tarnovo), foram escolhidos pelos búlgaros e enviados à atual cidade de Ipsala expressar, diante do imperador, sua indignação com a medida. Condicionaram sua obediência a posições de comando no exército e a posse de terras. Isaque sequer concedeu-lhes audiência, mas um tio seu ordenou que Ivan fosse esbofeteado pela insolência.<br />
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Os irmãos Asen retornaram às suas terras e conclamaram o povo a uma rebelião. Mas seus compatriotas temiam mais a repressão bizantina do que a sua opressão fiscal. Era preciso outra estratégia para unir búlgaros e valáquios contra os bizantinos. Uma saída seria pela via religiosa, e, em meio à guerra entre bizantinos e normandos, a invasão à Trácia viria bem a calhar.<br />
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A cidade de Tessalônica foi saqueada pelos normandos em agosto de 1185, gerando a cadeia de eventos que levaria à queda de Andrônico. De alguma forma, os ícones de São Demétrio de Tessalônica, padroeiro daquela cidade e principal santo adorado pelos búlgaros, vieram parar em Tarnovo. Os irmãos Asen, ainda de mãos vazias, coordenaram a construção de um pequeno templo dedicado ao santo (atualmente a igreja de São Demétrio de Tessalônica, em Veliko Tarnovo), onde suas relíquias eram exibidas. Conhecidos profetas e adivinhos, que circulavam pelas aldeias balcânicas, foram convocados ao local. No dia de São Demétrio, em 26 de outubro de 1185, diante do povo, e sob a sugestão dos Asen, eles anunciaram que, em suas visões, a vinda de São Demétrio para Tarnovo significava que o santo havia retirado seus favores sobre os bizantinos e abençoado os búlgaros, e que os auxiliaria na revolta contra seus suseranos. Não poderia ter funcionado melhor: todos os presentes se ofereceram para lutar com os Asen.<br />
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Por toda a Bulgária, grupos rebeldes passaram a atacar possessões imperiais, capturando gado e fazendo prisioneiros. A importante cidade de Preslav foi sitiada sob o comando de Teodoro Asen. A cidade não foi tomada, mas os búlgaros retornaram com bois, ovelhas, tudo que puderam saquear no seu entorno. Teodoro teria então investido a si mesmo como Tsar ("César", ou Imperador), e adotado o nome de Pedro II, provavelmente em homenagem a um certo Pedro Delyan, um rebelde búlgaro do século XI (Pedro I, imperador búlgaro, era um aliado dos bizantinos, por isso pouco provável de que tenha sido ele o homenageado).<br />
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Isaque estava ocupado demais com os normandos na Trácia para dar a devida resposta a uma revolta camponesa, mas em 1186, o cronista bizantino Nicolau Coniates conta que as forças de Isaque alcançaram os rebeldes em "lugares inacessíveis", mas que uma grande escuridão que subitamente tomou as montanhas (o <a href="http://efemerides-hoje.blogspot.com.br/2015/05/o-eclipse-de-tales.html" target="_blank">eclipse solar</a> da manhã de 21 de abril daquele ano) permitiu a sua vitória. No entanto, as fortalezas rebeldes eram construídas nas partes mais escarpadas das montanhas, onde os bizantinos não conseguiam alcançar, e os antigos castelos ao longo do Danúbio, deixados de lado (porque Isaque achava que sua vitória havia sido decisiva), serviam de refúgio aos búlgaros. Depois daquela derrota, enquanto Pedro ganhava tempo negociando uma rendição, Ivan Asen cruzou o baixo Danúbio, para onde regressou com um exército de cumanos (tribo turca que habitava o noroeste do Mar Negro).<br />
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Com o auxílio dos cumanos, Pedro liderou a campanha que culminou com a tomada da Moésia - antiga região que corresponde ao centro-norte da atual Bulgária. Enquanto isso, Ivan paralisava as contra-ofensivas bizantinas com a tática de ataques rápidos e retiradas. Em certa ocasião, Isaque II, temendo que seu tio João Doukas (o mesmo que mandou esbofetear Ivan) usurpasse o trono, retirou dele o comando das tropas na Moésia, dando comando a um certo João Cantacuzeno, que era cego e não tinha relações com a família imperial (o exército de Cantacuzeno foi esmagado em seu próprio acampamento em algum lugar nas montanhas). De acordo com uma carta de Nicolau Coniates ao imperador, os irmãos não se contentariam em controlar a Moésia, mas uni-la à "Bulgária" (região que na época correspondia a boa parte da Sérvia, Macedônia, e oeste da Bulgária propriamente dita), "em um império, como nos velhos tempos". Em algum momento de 1187, Ivan Asen teria sido aclamado extra-oficialmente co-Tsar junto a seu irmão.<br />
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Finalmente, depois de um cerco mal sucedido à cidade búlgara de Lovech em 1187, Isaque propôs um armistício, reconhecendo Pedro e Asen (Ivan é mais conhecido na posteridade pelo sobrenome) igualmente tsares da Bulgária e a sua independência. A paz entre os dois impérios não duraria muito. Frederico Barbarossa, sacro-imperador romano, conduzia um exército de 40 mil homens para a Terceira Cruzada em 1189, mas pretendia forçar a passagem pelo Império Bizantino (os bizantinos haviam proibido os cruzados a passarem por seu território devido a episódios de saques nas cruzadas anteriores, motivo que levava os cruzados a operações de transporte marítimo pelo Mediterrâneo extremamente complexas). Os Asen ofereceram um exército ao imperador alemão. Como Isaque e Barbarossa acabariam resolvendo a questão diplomaticamente, o imperador bizantino empreendeu campanha contra a Bulgária, mas foi derrotado numa passagem estreita entre as montanhas perto de Triavna por Ivan Asen. Isaque fugiu, deixando tesouros como seu elmo dourado, a coroa e a cruz imperiais, e um relicário de ouro maciço contendo um pedaço da cruz de Cristo para serem capturados (um clérigo búlgaro a jogou num rio, mas foi resgatada). Diz-se que a partir daquele momento Pedro teria coroado oficialmente seu irmão e deixado grande parte da administração imperial com ele, mantendo-se no cargo ao seu lado como conselheiro. Juntos, comandaram campanhas bem sucedidas contra os bizantinos.<br />
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Asen acabaria assassinado em 1196 por um nobre valáquio, Ivanko, que estaria tendo um caso com a sua cunhada (ou talvez sob influência de Isaque Angelos, na época deposto, cego e preso, mas que teria oferecido a ele uma filha sua em casamento, como de fato aconteceu). Ivanko, vendo que não teria apoio para destronar Pedro, fugiu para Constantinopla. Pedro nomeou então seu irmão mais novo, Caloian, co-Tsar. Contudo, o tempo inteiro, tanto Pedro como Ivan dependiam das espadas cumanas ao seu lado para fazer valer a sua lei, e teria sido o descontentamento com essa influência estrangeira que moveu um camponês anônimo a assassiná-lo meses depois. E Caloian morreu em 1207 enquanto cercava Tessalônica - dizem os cronistas, morto em sua tenda pela lança do próprio São Demétrio.<br />
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O assim chamado Segundo Império Búlgaro chegou a abocanhar a Valáquia, a Albânia e a maior parte da Grécia, e existiu até ser solapado pelos otomanos em 1396.<br />
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Neste dia também: <a href="http://efemerides-hoje.blogspot.com.br/2015/10/brasil-na-primeira-guerra-mundial.html" target="_blank">Brasil na Primeira Guerra Mundial</a>Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8010033261722405130.post-24885170831377633032017-10-19T08:42:00.000-07:002017-10-19T08:52:27.390-07:00Batalha de ZamaEm 19 de outubro de 202 a.C. foi travada a Batalha de Zama. Foi o confronto final entre Roma e Cartago na Segunda Guerra Púnica, e o evento que determinou o domínio romano do Mar Mediterrâneo pelos séculos seguintes.<br />
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Entre 218 e 201 a.C., a emergente República Romana, que compreendia o centro e o sul da Itália e ilhas adjacentes, foi desafiada pelo império capitaneado pela antiga colônia fenícia de Cartago. Tratava-se da segunda guerra em larga escala entre os dois países pelo controle do comércio no Mediterrâneo. A primeira ocorreu quando Roma interviu nos conflitos entre gregos e cartagineses pelo controle da Sicília, resultando na aquisição desta ilha pela República.<br />
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A Segunda Guerra Púnica (assim lembrada pelos romanos, pois chamavam aos cartagineses "<i>Poeni</i>", corruptela do grego "<i>phoenike</i>", ou "púrpura", corante que era a principal mercadoria oferecida pelos fenícios, fundadores de Cartago) foi deflagrada após a invasão e conquista da cidade ibérica de Saguntum (atual Sagunto, na Espanha), com quem os romanos mantinham relações diplomáticas. O comandante da operação era Aníbal Barca, designado comandante supremo da Ibéria cartaginesa e filho de Amílcar Barca, o conquistador cartaginês daquele país. O cerco e a conquista desta cidade era o primeiro passo de um plano meticuloso e ambicioso de Aníbal para assegurar o controle sobre o Mediterrâneo, e o passo seguinte seria a invasão inesperada, por terra, da Itália. De maneira espetacular, Aníbal conduziu um exército africano, com elefantes de guerra, pelos Alpes, e obteve vitórias incríveis sobre Roma em seu próprio solo. No entanto, a campanha da Itália nunca chegou a um momento decisivo, e embora Aníbal resistisse no interior da península por mais de 10 anos, esta operação acabou num impasse.<br />
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Roma, que havia adaptado a engenharia fenícia na construção da sua própria armada de guerra, conseguiu efetivamente evitar que os fenícios enviassem reforços por mar à Itália, limitando as ações de Aníbal. Com o general invasor imobilizado, os romanos partiram para o contra-ataque na cabeça de ponte cartaginesa na Europa, a Espanha. Os irmãos Gneu e Públio Cipião comandaram uma campanha que começou em Massalia (antigo porto grego sob controle cartaginês, atual Marselha), e prosseguiu, por terra e mar, através dos Pirineus, até o Rio Ebro, onde venceram uma batalha naval que paralisou o esforço cartaginês na Espanha (e o possível envio de tropas a Aníbal ou aos celtas do norte da Itália), embora seu progresso também tenha ficado por aí. Em 211 a.C., os dois Cipiões reuniram reforços entre os celtiberos nativos e marcharam separadamente e quase simultaneamente contra os cartagineses no norte da Espanha, perto de Bétis, onde ambos foram aniquilados. O filho de Gneu, Públio (o mais famoso Cipião, por isso lembrado apenas pelo sobrenome), foi o único a se candidatar ao comando do exército naquela região.<br />
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Em 211 a.C. Cipião começou tomando a cidade de Carthago Nova (atual Cartagena). Com romanos e celtiberos sob seu comando, Cipião organizava suas tropas de maneira dinâmica para responder às inconstantes formações dos cartagineses (os comandantes locais, Asdrúbal Barca, Mago, e Asdrúbal Grisco não conseguiam coordenar esforços, e a resposta ao avanço de Cipião era confusa), e aos desafios do terreno acidentado da Ibéria. Em Illipa (próximo a Sevilha), Cipião se defrontou com Asdrúbal Barca, irmão de Aníbal. Recuando o centro do seu exército e avançando com as alas, Cipião envolveu os cartagineses e obteve a vitória final naquele cenário de guerra. Este resultado rendeu a Cipião o consulado em 205 e o controle de seus aliados pessoais da Sicília.<br />
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Cipião não tinha o apoio do senado para prosseguir com a guerra. Seu plano era a invasão da África e a submissão de Cartago. Os senadores resistiram ressaltando o perigo, mas a moção acabou aprovada. Contudo, ele partira para a Sicília somente com um corpo de voluntários, e apenas mais tarde ele seria autorizado a recrutar as legiões estacionadas na ilha - na maioria, sobreviventes exilados pela derrota "humilhante" na Batalha de Canas contra Aníbal dez anos antes. Em 203 desembarcou em Utica, na Tunísia, onde esmagou completamente a resistência cartaginesa sob Asdrúbal Grisco. Na ocasião recebeu reforços da cavalaria numídia sob o príncipe africano Masinissa, a quem Cipião conhecera na Espanha e aspirava, com apoio romano, depor o rei Sifax, aliado dos cartagineses (Masanissa ainda perseguiu a cavalaria comandada por Sifax até a capital numida, Cirta, na Argélia, onde foi capturado).<br />
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A perda de Utica e a presença hostil de romanos e numídios no coração do seu império levou os cartagineses a solicitarem um tratado. Cipião propôs termos relativamente "suaves"- Cartago abriria mão das suas possessões fora da África, a maioria delas já perdida, e teria que limitar a sua marinha de guerra. Masinissa também teria direito a ampliar seu território sobre as posses cartaginesas no interior da Argélia. O senado cartaginês ainda deliberava sobre os termos, quando Aníbal foi convocado de volta. Aníbal Barca continuava no sul da Itália com o apoio relativo de tribos locais, no comando de um exército muito experiente e leal. No outono de 203 embarcou com seus homens no porto de Crotona.<br />
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Com Aníbal de volta, Cartago se sentiu segura para abordar uma frota romana destinada a Cipião que havia encalhado no Golfo de Túnis, e confiscar sua mercadoria. Os romanos viram o ato como uma quebra do tratado, e Cipião marchou para Cartago. Aníbal saiu de encontro a ele na planície de Zama, perto da atual cidade de Siliana.<br />
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Os dois exércitos se equivaliam, com ligeira vantagem numérica para Aníbal. Além de infantaria e cavalaria (numídios que serviram com ele na campanha italiana), Aníbal ainda dispunha de 80 elefantes de guerra. Os romanos contavam com três corpos de cavalaria, dois deles de numídios comandados por Masinissa, e outro de romanos sob o comando do general Lélio.<br />
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Os dois generais também se equivaliam em perspicácia. Aníbal havia se inteirado das táticas de Cipião na Espanha, especialmente sua estratégia em Illipa de atrair o centro enquanto envolvia as alas do inimigo, e assim dispôs o exército em três fileiras, com a retaguarda mais recuada para dificultar o ataque pelos flancos. Já Cipião previu que Aníbal usaria elefantes, e sabia que os elefantes podiam ser direcionados para uma carga em linha reta, mas que não podiam ser manobrados. Assim, ele separou suas três linhas em blocos, que, ao avançar das feras, se separavam, abrindo corredores por onde os elefantes passavam sem causar prejuízo (para depois serem abatidos).<br />
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Com os elefantes fora do caminho, Cipião avançou com a cavalaria. Ele também sabia que Aníbal dependia da força e agilidade da cavalaria numídia (cujos cavalos eram menores do que os cavalos atuais) e se preocupou em levar um número maior dessas unidades para o campo. Como consequência da superioridade numérica romana, a cavalaria cartaginesa fugiu perseguida por Masinissa e Lélio para longe do campo de batalha.<br />
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As infantarias então se bateram violentamente, com ligeira vantagem para os romanos. Aníbal mantinha sua terceira fileira recuada, e à medida em que as fileiras em combate eram quebradas, ele as reorganizava integrando-as às alas da fileira anterior, mantendo a força das suas linhas e reforçando seus flancos. No momento em que Aníbal integrou a primeira e segunda linhas, a primeira linha romana (os <i>hastati</i>, ou lanceiros) foi aniquilada. Cipião então reproduziu a estratégia em suas próprias linhas e contra-atacou. A batalha no corpo a corpo seguiu ferrenha.<br />
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Num certo momento houve uma pausa, onde os dois generais reorganizaram suas tropas. Ambos formaram uma fileira única, mas Cipião colocou a sua retaguarda nas alas, os lanceiros no meio, e a segunda fila (os <i>principes</i>, aristocratas que possuíam equipamento de melhor qualidade) preenchendo os espaços entre eles. O combate foi violento, mas nenhum dos lados parecia obter vantagem.<br />
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Foi quando surgiram as cavalarias romana e numídia cavalgando pela retaguarda cartaginesa (Masinissa e Lélio haviam desbaratado a cavalaria inimiga). A batalha estava perdida para Aníbal, que conseguiu fugir. Mas metade dos seus homens tombou, e outra metade foi presa.<br />
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Cartago, sem forças, teve que se submeter a um novo tratado, muito mais duro. Ela teria que pagar um pesado tributo anual a Roma (que arruinaria a sua economia rapidamente) e limitar seu poderio militar a meros 10 navios de guerra. Também não poderia declarar guerra, envolver-se em atos hostis, ou sequer recrutar um exército sem a autorização de Roma. Da parte de Roma, muitos não se deram por satisfeitos: alguns defendiam que o fim da guerra desmobilizaria a população na Itália, fazendo-a retornar a um estado de indolência anterior; outros alertavam para o perigo de se manter um inimigo tão feroz em suas próprias terras e exigiam a destruição total de Cartago. O senador Catão, o Velho, sempre encerrava seus discursos com a frase "<i>Carthago delenda est</i>" ("Cartago deve ser destruída"), mesmo que fosse sobre qualquer assunto não relacionado. De fato, Cartago viria a ser destruída meio século depois quando, ao arregimentar um exército contra a vontade romana para se defender das contínuas incursões do velho Masinissa, provocou nova campanha militar de Roma, resultando na destruição da cidade, extermínio de grande parte da população, e sua terra salgada.<br />
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Depois de Zama, Cipião e Aníbal quase se encontraram em outra guerra. Aníbal, em exílio voluntário, colocou-se a serviço do rei Antíoco III na Síria, e temores de que ele preparava outra invasão à Itália (de fato ele recomendara especificamente isto a Antíoco, que preparava uma campanha contra os romanos na Grécia) levaram os romanos à guerra na Ásia. Na derrota, Antíoco deveria entregar Aníbal a Cipião, mas ele fugira a Bitínia, onde servira o rei local (numa das batalhas navais que comandara, bombardeara os navios inimigos com vasos cheios de cobras venenosas). O rei da Bitínia foi, também persuadido pelos romanos a entregar Aníbal, mas ele continuou a fugir. Antes de morrer, em algum ponto da costa oeste da Turquia entre 185 e 183 a.C, ele teria deixado uma carta que chegou a Roma, dizendo "Vamos aliviar os romanos da ansiedade que têm experimentado por tanto tempo, já que eles acham um teste de paciência muito grande esperar a morte de um velho".<br />
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E Cipião (cujo sucesso na Segunda Guerra Púnica lhe rendeu o apelido de "Africano") seria acusado por seus adversários, incluindo Catão, de aceitar suborno de Antíoco (ele havia defendido publicamente o irmão de tê-lo aceito, e, por causa disso, foi acusado também). Salvo pelos amigos de ser levado a julgamento, ele se retirou da vida pública em sua propriedade, próximo a Nápoles, onde morreu (à mesma época de Aníbal) e foi sepultado. Otaviano, o primeiro imperador romano, século e meio depois, visitou o local para prestar-lhe homenagens. Sua amargura pelo tratamento que recebera em Roma após os anos de serviço (pela primeira vez Roma conquistava territórios fora da Itália e das ilhas próximas) teriam-no feito ordenar a inscrição em seu túmulo: "<i>Ingrata patria, ne ossa quidem habebis</i>" ("Pátria ingrata, não terá sequer os meus ossos").<br />
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No filme O Gladiador, o personagem de Russell Crowe, Maximus, é escalado para um espetáculo no Coliseu onde se recriaria a Batalha de Zama. Maximus e seus colegas, representando as forças de Aníbal, rebelam-se vencendo a batalha e arruinando o espetáculo.<br />
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Neste dia também: <a href="http://efemerides-hoje.blogspot.com.br/2015/10/independencia-ou-morte-no-piaui.html" target="_blank">Independência ou Morte no Piauí</a>Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8010033261722405130.post-12965071663692682162017-10-18T09:09:00.001-07:002017-10-19T07:54:47.022-07:00Favorita das Nove Musas*Em 18 de outubro de 1773, Phillis Wheatley, poetisa e escrava, recebeu a alforria.<br />
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Phillis Wheatley nasceu na África ocidental (talvez no Senegal, mas a origem é incerta), e foi vendida por um chefe tribal aos 7 anos a um comerciante de escravos. A menina, ainda sem nome, foi trazida num navio negreiro chamado Phillis ao mercado de escravos no porto de Boston em 1761. Ali, a sorte que havia lhe faltado sorriu: ela foi adquirida pelo alfaiate John Wheatley, para servir de companhia e ajudante à sua esposa Susannah. Wheatley era reconhecidamente um progressista notável que, embora mantivesse escravos domésticos a seu serviço, os tratava e mantinha com dignidade. A menina, batizada Phillis (em lembrança ao navio que a trouxe à América), e Wheatley (como de costume, para assinalar a propriedade da família que a comprou), ficou sob a tutoria da filha mais velha do casal, Mary, que a alfabetizou.<br />
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Mary, contudo, percebeu a facilidade de aprendizado e uma habilidade notável no uso e na expressão de línguas, não apenas do inglês - aos 12 anos, Phillis lia grego e latim, e interpretava passagens da Bíblia. Estava familiarizada com os poemas de Pope, Milton, Virgílio, Homero. Phillis começou a escrever aos 14 anos. Seu primeiro poema, "To the University of Cambridge, in New England" começa assim (e eu traduzo livremente):<br />
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<i>"Enquanto um intrínseco ardor induz a escrever,</i><br />
<i>As musas prometem assistir a minha caneta;</i><br />
<i>Não faz muito tempo desde que deixei minha costa nativa</i><br />
<i>A terra de erros, e melancolia egípcia:</i><br />
<i>Pai de misericórdia, foi tua mão graciosa</i><br />
<i>Que me trouxe em segurança daquelas escuras moradias."</i><br />
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Impressionados pelo talento de Phillis, os Wheatley dispensaram-na dos serviços domésticos e investiram integralmente em sua educação. Quando completou 20 anos, Phillis foi enviada a Londres sob recomendação médica. Susannah Wheatley incentivou a viagem porque acreditava que Phillis teria mais facilidade para publicar seus poemas lá do que em Boston. De fato, em 1772, antes de partir para Londres, uma comissão de cidadãos de Boston abriu processo contra Phillis, questionando que uma escrava africana pudesse escrever poesia de qualidade, e precisou que ela se submetesse a uma corte, na presença de intelectuais locais (entre eles, John Hancock, um dos signatários da Declaração de Independência), para atestar a autoria dos seus poemas. Em 1773, em Londres, publicou seu livro "Poemas Sobre Vários Assuntos, Religiosos e Morais" (o documento produzido pelos intelectuais de Boston no ato do julgamento foi incluído no prefácio da primeira edição), e caiu nas graças da nobreza britânica. Já editores na América se recusaram a publicá-lo. Foi logo após a publicação em Londres e seu retorno que John Wheatley (talvez por pressão dos influentes amigos de Phillis) concedeu-lhe a alforria:<br />
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<i>"Desde meu retorno à América meu Mestre, segundo o desejo de meus amigos na Inglaterra, deu-me a liberdade".</i><br />
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A vida de Phillis Wheatley depois da escravidão, contudo, não foi fácil. Seus antigos mestres e protetores faleceram, Susannah em 1774 e John em 1778. A poetisa não gozava de boa saúde, o que atrapalhava seu trabalho. Em 1778 casou-se com John Peters, um negro livre que tinha uma quitanda, e com ele viveu anos de pobreza, perdendo dois bebês. Ela tentou publicar um segundo volume de poesias, mas já na época da Revolução Americana havia pouco interesse e recursos para isso. Peters foi preso por dívidas em 1784, e poucos meses depois, ela morreu enquanto trabalhava como assistente de cozinha de uma estalagem. Seu terceiro filho morreu na mesma época, e os dois foram enterrados juntos numa cova comum.<br />
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Phillis Wheatley tornou-se a primeira escrava negra na América a publicar uma obra literária. Em Londres, onde o estigma da escravidão não lhe tomava a liberdade de expressão, relatava experiências e opiniões diversas nos círculos de intelectuais que frequentava. Porém o corpo da sua poesia, finamente ritmado e essencialmente devocional, religioso, raramente toca nas suas experiências pessoais. De fato, ela expressava, por exemplo, sentimentos ambíguos quanto à escravidão, devido à benfeitoria dos Wheatley em sua vida, o que levou autores negros contemporâneos, e estudiosos posteriores a criticar a postura (o uso progressivo de símbolos classicistas nos seus poemas, uma provável adaptação ao que ainda guardava da sua cultura ancestral, levou o escritor e escravo Jupiter Hammon a criticar seu "paganismo", dedicando a ela um poema composto por versículos bíblicos). No poema "Sobre Ter Sido Trazida da África para a América", ela louva a sua condição de escrava por ter permitido que conhecesse o Cristianismo, mas firma o pé na contestação do senso comum da época de que negros tinham uma linhagem e um destino espiritual distintos dos brancos:<br />
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<i>"Foi misericórdia que me trouxe de minha terra Pagã,</i><br />
<i>Ensinou minha alma ignorante a entender</i><br />
<i>Que há um Deus, que há um Salvador também:</i><br />
<i>Uma vez que a redenção não procurei nem conhecia.</i><br />
<i>Alguns veem nossa negra raça com olhos desdenhosos,</i><br />
<i>'Sua cor é uma tintura diabólica.'</i><br />
<i>Lembrem-se, Cristãos, Negros, pretos como Caim</i><br />
<i>Podem ser refinados e juntar-se ao seu cortejo de anjos."</i><br />
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Em 1775, já durante a Revolução, época em que os poemas de Phillis Wheatley tomavam ares heroicos frequentando temas patrióticos e elogiando figuras públicas, ela escreveu uma carta ao recém nomeado comandante-em-chefe do Exército Continental, George Washington. O poema terminava nos versos:<br />
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<i>"Continua, grande chefe, com virtude ao teu lado,</i><br />
<i>Todas as tuas ações deixa que a deusa guie.</i><br />
<i>Uma coroa, uma mansão, e um trono que brilhe,</i><br />
<i>Com ouro inalterável, WASHINGTON! Sejam teus."</i><br />
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Washington respondeu a carta, endereçando-se a "Senhorita Phillis", desculpando-se pela demora (5 meses entre o envio da carta de Phillis e a resposta de Washington), elogiando as "linhas elegantes" e seu "marcante talento poético". Ele diz ainda que teria arranjado sua publicação, se isso não parecesse um ato de vaidade e auto-promoção da sua parte (mas compartilhou-o com o tenente-coronel Joseph Reed, que teria encaminhado-o para o jornal The Pennsylvania Magazine em 1776), convidando-a a encontrá-lo em Cambridge. Por fim, dedica a carta à ex-escrava como "seu obediente e humilde servo".<br />
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Em Boston foi erigido em 2003 um monumento homenageando três mulheres importantes da história americana: Abigail Adams, esposa e conselheira do "<i>Founding Father</i>" John Adams e mãe do presidente John Quincy Adams; Lucy Stone, abolicionista, feminista e sufragista; e Phillis Wheatley.<br />
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*O almirante escocês-americano John Paul Jones pediu que um subordinado enviasse seus próprios escritos a "Phillis a Africana, favorita das Nove e Apolo".Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8010033261722405130.post-63111244059848380812017-10-17T11:54:00.000-07:002017-10-17T11:54:10.904-07:00Agripina, A VelhaEm 17 de outubro de 33 d.C. faleceu de desnutrição a romana Agripina ("A Velha", porque tinha uma filha homônima, conhecida como "A Jovem"), adversária do imperador Tibério e mãe do seu sucessor, Calígula.<br />
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Na sociedade romana, à época da dinastia Júlio-Claudiana, os homens eram os executores da vida pública, ocupantes exclusivos dos cargos de cônsul, senador, pretor, general, pontífice. Eram maridos, cabeças de suas famílias, provedores do lar. Das mulheres era esperado o recato, a modéstia, a obediência, e um útero fértil. Quaisquer mulheres que não se enquadrassem nesse modelo, independente da sua sagacidade, capacidade produtiva, caráter, eram mal vistas pelos romanos. Porém, como toda boa sociedade fortemente patriarcal, a vida política romana sempre teve, nos seus bastidores, a influência das esposas e amantes dos seus figurões mais ilustres. Agripina, quem o historiador Tácito, sob o ponto de vista do homem romano, a descreve como alguém "intolerante na rivalidade, sedenta de poder, (ela) tinha as preocupações de um homem", era uma mulher cuja virtude extrapolava o que se esperava de uma romana, enquadrando-se tanto no espectro da matrona virtuosa e recatada, quanto da leoa que se imiscuía nos negócios públicos em busca de justiça.<br />
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Vipsania Agripina, nascida em 14 a.C., era filha de Marcus Vipsanio Agripa, amigo de longa data do imperador Otaviano, e da única filha biológica deste, Júlia. Entre os patrícios romanos os casamentos eram arranjados e desfeitos para fortalecer alianças ou aproximar inimigos, e havia muito pouco que os noivos pudessem fazer. Depois de anos de casamento feliz com Agripa, quando este morreu Júlia foi oferecida em casamento ao herdeiro legal de Otaviano, Tibério, um homem soberbo e emocionalmente instável, com quem viveu miseravelmente; não foi surpresa, embora tenha sido um escândalo, quando Otaviano puniu Júlia com o exílio por adultério. Como resultado, a jovem Agripina, então adolescente, ficou sob a guarda da atual esposa de Otaviano, Lívia.<br />
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Lívia era uma verdadeira arquiteta política. Seu marido (a quem arrebatara quando era casado e ainda compartilhava o poder com os rivais Marco Antonio e Marco Lépido) era o imperador; embora Otaviano adotasse legalmente alguns jovens promissores, ela arranjara para que Tibério, seu filho de um casamento anterior, se tornasse seu herdeiro, enquanto seus possíveis rivais caíam um a um, provavelmente envenenados sob suas ordens (bem como o próprio Otaviano, que gozava de boa saúde na velhice); com Tibério pavoneando-se no poder, trabalhava como uma das principais articuladoras políticas do seu reinado.<br />
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Já Otaviano era um homem astuto, que conhecia as artimanhas e a capacidade de realização de Lívia e procurava direcioná-las para benefício comum. No entanto, seu ímpeto frequentemente entrava em conflito com os planos da esposa. Quando Júlia foi exilada e Agripina trazida para o seu convívio, Otaviano se afeiçoou a ela e a protegeu, oferecendo-a em casamento a Germânico, um jovem e charmoso neto de Marco Antonio e parente de Lívia, da influente família dos Cláudios. Germânico, além de bem apessoado e gentil, era um militar capaz. Suas vitórias na Germânia e na Gália (notadamente, o resgate da última das três <a href="http://efemerides-hoje.blogspot.com.br/2015/09/aguias-perdidas-em-teutoburgo.html" target="_blank">Águias Perdidas</a>) o tornavam imensamente popular. A modéstia e a frugalidade de Agripina, sua devoção por Germânico (com quem viveu um casamento verdadeiramente feliz, se confiarmos nas fontes contemporâneas, acompanhando-o em campanha e mesmo atuando como diplomata) a tornaram uma favorita do povo. O casal deu à luz nove filhos, com seis deles chegando à idade adulta.<br />
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Otaviano já havia designado Tibério seu sucessor, mas exigiu que o enteado fizesse o mesmo com Germânico. Quando Otaviano morreu, as coisas mudaram. Tibério, que não gozava das virtudes nem da popularidade de Germânico, o via como uma ameaça. Germânico foi então enviado para o oriente (para longe de Roma), para comandar a Síria. Em seu auxílio foi designado o general Calpúrnio Piso, com quem Tibério mantinha estreitas relações, supostamente para mantê-lo sob controle. Piso e Germânico se desentenderam publicamente em pelo menos uma ocasião (após retornar do Egito, Germânico teria constatado que Piso ignorara instruções suas acerca das tropas na Síria). Ali, Lívia talvez tenha sido solicitada para ajudar Piso a resolver a questão, porque, logo em seguida, Germânico passara mal, acusando o colega de tê-lo envenenado. Germânico morreu no ano 19, deixando Piso no comando da província.<br />
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Agripina retornou a Roma com as cinzas do seu marido. Ao receber a notícia do falecimento de Germânicos, o povo romano entrou em luto antes mesmo do senado o declarar oficialmente, e diante da urna com suas cinzas, discursos e homenagens eram prestadas por figuras públicas, incluindo o próprio Tibério. Mas Agripina não se contentaria com demonstrações públicas de afeto. Ela compartilhava da convicção de Germânico de que teria sido envenenado, e que o responsável era Piso (isso não está expresso nas fontes, mas sua mente não deve ter ido muito longe para ligar a atuação de Piso a Tibério). De fato foi aberto processo e Piso foi indiciado, não por assassinato, mas por traição e desacato. Ele se suicidou antes da condenação.<br />
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A queda de Piso não satisfez o senso de justiça de Agripina. Ela exigia de Tibério que ele nomeasse um dos seus filhos seu herdeiro, em substituição a Germânico (Tibério tinha um filho Tibério Gemelo, que despontava como seu favorito). Lívia e a sogra, Antonia, mantinham os filhos de Agripina o mais longe possível da mãe. Ela se tornava cada vez mais solitária, e sua relação com Tibério cada vez mais amarga, chegando ao ponto de enfrentá-lo em particular algumas vezes, acusando-o de perseguir, através dela e de seus filhos, o sangue de Otaviano.<br />
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Senadores, preocupados com a crescente influência do prefeito pretoriano Sejano (a quem Tibério delegava muitas das suas atribuições quando, em crises emocionais, exilava-se em inacreditáveis orgias na ilha de Capri), buscaram apoio na boa reputação de Agripina, que abraçou a causa. Tibério passou a desconfiar dela, e, num jantar privado, ofereceu-lhe uma maçã para testá-la. Agripina recusou-se a comer, acreditando estar envenenada. Pouco depois ela foi presa com dois de seus filhos, acusada de conspiração (Tibério temia que ela buscasse apoio das legiões leais a Germânico, usando a reputação do marido e o parentesco do avô Otaviano a seu favor).<br />
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Agripina e os filhos acabaram banidos para a ilha de Pandataria (atualmente Ventotene), o mesmo local para onde sua mãe Júlia havia sido exilada. Seus protestos constantes eram punidos com castigos físicos (algo raramente aplicado em condenações deste tipo), e ela acabou cega de um olho. Depois de quatro anos do exílio, morreu de inanição (segundo Tácito por greve de fome, mas talvez por ter sido deliberadamente privada de comida, não se sabe), mesmo destino de seu filho Druso, enquanto o outro filho, Nero, se suicidou aguardando julgamento. Ironicamente, Sejano encontrou seu fim antes de Agripina, quando Tibério mandou executá-lo por conspiração. Quando soube da morte de Agripina, Tibério declarou o dia do seu nascimento uma data de mau agouro.<br />
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O último filho homem vivo de Agripina, Caligula, criado sob a vigilância de Lívia, sucedeu Tibério como imperador no ano 37. Ele revertera a condenação de Tibério e suas ordens para que o nome de sua mãe fosse riscado da história, e depositou suas cinzas no Mausoléu de Augusto, declarando um dia anual para que os romanos lhe prestassem homenagens. Calígula acabaria assassinado e sucedido pelo primo de sua mãe, Cláudio, e este, por sua vez, substituído pelo seu neto Nero.Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8010033261722405130.post-52012164071261670132017-10-11T07:40:00.001-07:002017-10-11T07:42:54.595-07:00Duas ChinasEm 11 de outubro de 1142 foi ratificado o tratado de Shaoxing entre a Dinastia Jin, que controlava o norte da China, e a Dinastia Song, que dominava o sul, formalizando o fim da guerra entre os dois Impérios.<br />
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Embora se sustente que a China seja o país que existe continuamente há mais tempo no mundo atual (desde a unificação dos seus reinos em 221 a.C.), a sua história é bem mais complicada do que uma uma sucessão linear de governantes no atual território chinês. Por vezes, o que chamamos de "China" chegou a ter mais de um imperador simultaneamente. Era o caso das dinastias contemporâneas Song e Jin.<br />
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A Dinastia Song emergiu do caos que se seguiu à dissolução da dinastia Tang em 907. Os Tang vinham perdendo controle sobre os senhores da guerra e administradores provinciais do seu território, que, cada um à sua maneira, tornaram suas terras virtualmente independentes debaixo do nariz dos seus últimos imperadores. Depois de 907, pelo menos 10 reinos diferentes existiram na China, enquanto famílias nobres lutavam inutilmente entre si pelo cargo simbólico de Imperador (o período entre 907 e 960 é conhecido como Cinco Dinastias e Dez Reinos). Foi um período de disputas violentas entre os vários poderes emergentes em busca de estabilidade e supremacia, até que em 960, Zhao Kuangyin, um jovem militar que tivera ascensão meteórica no reino de Hou Zhou, depôs o neto do seu antigo suserano e assumiu para si o título de Imperador. Aconteceu de Zhao Kuangyin estar à frente de um exército em marcha quando espalhou-se o rumor entre os soldados de que um vidente teria visto um sinal indicando que o Mandato dos Céus (o ato divino conferido aos "justos" que legitimava o poder imperial) deveria ser entregue a ele. O rei era um menino de 7 anos, e não foi muito difícil para que Zhao fosse entronizado pelos seus comandados depois disso. Ficaria conhecido como Imperador Taizu, fundador da Dinastia Song.<br />
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Nos 17 anos de reinado de Taizu, o Império Song, firmemente centrado na cidade de Kaifeng, no noroeste da China, conquistou primeiro os reinos do sul, para depois investir nos reinos ao norte. O sucesso dos Song se deveu principalmente à reforma administrativa de Taizu (instituindo nomeações por concurso público ou exame de mérito, ao invés do loteamento de cargos entre aristocratas e militares), e no investimento em cartografia - o conhecimento detalhado dos domínios Song levou à confecção de um atlas, favorecendo a aplicação eficiente de políticas públicas. Inovações técnicas e científicas também eram favorecidas por incentivos públicos. A diplomacia Song mantinha embaixadas na Índia, Pérsia, Coréia, Egito, Srivijaya (o opulento império comercial que dominava a passagem do Estreito de Malaca), mantendo ainda relações com o Japão e o Império Bizantino.<br />
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Ao norte do que os Song consideravam seu, nas vastas planícies entre a Mongólia e a Manchúria, a ausência de um poder central chinês favoreceu a organização e estabelecimento de Estados rivais controlados por antigos povos nômades que emulavam o modelo administrativo chinês. Após a queda dos Tang, a etnia kitai foi unificada num império próprio, designando sua casa reinante como a Dinastia Liao. Liao é tratado pela historiografia chinesa tradicional como um reino estrangeiro, mas seu sucessor, a Dinastia Jin, teria tratamento diferente. Como os kitai, os jurchen, nativos da Manchúria, emergiram como tribos mais ou menos independentes, embora submetidas a Liao. Porém, conforme o poder central afrouxava, os jurchen rebelavam-se, realizando ataques pontuais e saques a cidades. Depois de uma campanha bem sucedida ao lado dos coreanos, os jurchen uniram-se sob um governante comum, e a partir de 1115, forjariam seu próprio império sobre as ruínas de Liao, a Dinastia Jin. Os kitai manteriam sua soberania por mais algum tempo no reino de Qara Kitai, no noroeste da China.<br />
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Os Song haviam firmado aliança com os Jin contra Liao, mas nunca forneceram os exércitos prometidos. Logo após o fim da Dinastia Liao - pela captura do seu Imperador Tianzuo em 1125 - a Dinastia Jin rompeu a aliança e partiu para a ofensiva sobre o nordeste do domínio Song. Em dois anos, a capital Song, Kaifeng, cairia sob domínio Jin. Uma conspiração de nobres centrados em Beijing contra os Song foi instrumental para o sucesso dos Jin no norte da China. Os Imperadores Jin, agora controlando partes da China de facto, só poderiam tê-lo feito sob o Mandato dos Céus, o que os legitimaria, portanto, como governantes chineses. Na prática, os jurchen, à medida em que migravam para as novas áreas conquistadas, incorporavam para si características culturais chinesas, e sua nobreza era educada nos clássicos chineses.<br />
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Jin e Song passaram mais de uma década numa guerra de atrito, interrompida temporariamente por intrigas palacianas, rebeliões internas, e questões de sucessão. Para os Song a situação ainda era mais crítica, pois a crise levava oficiais chineses (tanto leais aos Song, como os que estiveram a serviço de Liao) a preferirem oferecer seus serviços aos conquistadores estrangeiros do que ao seu próprio imperador.<br />
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A corte Song (ou o que restava dela após a captura de Kaifeng) havia cruzado o rio Yantse e reagrupado na atual cidade de Hangzhou, virtualmente abandonando todas as terras ao norte do rio Huai para os Jin. Porém, há evidência de que o novo Imperador Song eleito, Gaozong (um usurpador, mas o usurpador que a nobreza Song precisava), preferia evitar o conflito com os Jin para impedir a restauração do imperador deposto em Kaifeng, Qinzong. Manobras políticas conduziram a acusação de importantes militares Song por traição, responsabilizando-os pelas derrotas dos Song. Um deles, Yue Fei, estava prestes a retomar Kaifeng quando foi chamado a Hangzhou, onde foi preso e executado. A política de conciliação dos Song do sul com o Jin conduziu ao Tratado de Shaoxing, em que os Song abdicavam de todas as terras ao norte do Huai e se comprometiam a pagar tributo anual aos rivais do norte. Os Song sobreviveram no sul graças ao investimento na construção de uma marinha mercante e uma marinha de guerra, já que manteve controle sobre algumas das principais cidades portuárias da China.<br />
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Já os Jin precisaram desviar energia para conter revoltas dos remanescentes kitai em seus domínios, bem como de clãs jurchen que se opunham à sinificação, e conflitos com o reino tangute de Xi Xia no leste. A guerra com os Song foi suspensa não apenas por força de tratado (rompido em algumas ocasiões, porém em batalhas inconclusivas), mas pela incapacidade dos Jin de direcionar recursos para esta frente. Mas a queda começou quando as tribos mongóis começaram a se movimentar pela unificação em torno de Genghis Khan. Genghis arrasou Xi Xia entre 1205 e 1209, e em 1211 invadiu o império Jin com 50 mil guerreiros montados, dez vezes menos do que o estimado para o exército Jin - e mesmo assim, em 1214, os Jin assinaram um tratado desfavorável com os mongóis. O filho de Genghis, Ogedei, comandando um exército engordado por chineses insatisfeitos, esmagou tanto Xi Xia quanto Jin entre 1232 e 1234.<br />
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Já os Song resistiram até 1279. Foi durante a campanha de expansão para o sul que Kublai Khan, que acumulava para si o cargo de Grande Khan do imenso Império Mongol e de administrador da China, instaurou a si mesmo Imperador chinês, fundando a dinastia Yuan em 1271. Uma batalha naval em Yamen (com enorme superioridade numérica Song, e um exército invasor composto praticamente todo por soldados e marinheiros chineses) resultou na morte do último imperador Song e sua corte, ou por suicídio, ou por afogamento.<br />
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Ironicamente, a China como existia precisou ser destruída por outro invasor estrangeiro para ser, enfim, reunificada. Após o estabelecimento da Dinastia Yuan, a China, embora tenha sido invadida e repartida entre administradores estrangeiros e estados-fantoches algumas vezes, nunca mais foi dividida.Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8010033261722405130.post-17095759613509869522017-09-11T12:52:00.001-07:002017-09-11T12:52:30.739-07:00Assalto a Santiago<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129; font-family: inherit;">Em 11 de setembro de 1541, um jovem chefe picunche, criado e educado entre os incas no Peru, chamado Michimalonco, liderou um exército de mais de 10 mil homens contra a recém construída colônia espanhola de Santiago, no Chile.</span></div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129; font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129; font-family: inherit;">Em 1540, o espanhol Francisco Pizarro, tendo conquistado o Peru, enviou Pedro de Valdivia para percorrer os Andes ao sul e sondar locais para o estabelecimento de colônias em regiões de produção de metais preciosos. Naquele ano, Valdivia alcançou uma antiga aldeia de desterrados de diversas tribos andinas periféricas ao império inca, que os incas conheciam coletivamente como promaucaes, e os espanhóis dali em diante como picunches. Sem resistência, os picunches locais aceitaram que os espanhóis administrassem as minas nas quais já trabalhavam em troca de proteção. Em fevereiro de 1541 foi fundada a colônia de Santiago de Nova Extremadura.</span></div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129; font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129; font-family: inherit;">Para os picunches as coisas não foram tão simples. Os novos senhores espanhóis exigiam um esforço sobre-humano dos trabalhadores nas minas de ouro e na construção da colônia. O próprio Michimalonco estava empregado como capataz, e ao se ver obrigado a colocar a segurança de seus conterrâneos em risco por senhores que não se importavam muito, rapidamente tornou-se um líder rebelde, cuja reputação crescia a cada dia. Valdivia, para assegurar a obediência de seus novos súditos e, no fim das contas, garantir a segurança das cargas transportadas entre as minas e a colônia, ordenou a prisão dos seus chefes, mantidos em cativeiro para persuadir os picunches a se manterem na linha.</span></div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129; font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129; font-family: inherit;">Os picunches rebeldes realizavam assaltos e escaramuças. Outro líder picunche, Trangolonco, irmão de Michimalonco, realizou um assalto à antiga cidade inca de Quillota (então sob controle espanhol), matando a todos os espanhóis, escravos negros, incas e demais nativos peruanos, restando apenas um colono e seu escravo. O ataque atraiu a atenção de Valdivia, que mobilizou 80 soldados estacionados em Santiago para reprimir o bando de Trangolonco mais ao sul. Na colônia, deixara 50 homens sob o comando de Inés de Suárez.</span></div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129; font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129; font-family: inherit;">Inés era uma jovem senhora com 34 anos, que teria ido à América atrás de seu marido, que teria se aventurado ao novo continente na expedição de Pizarro (ele teria morrido no mar, antes de desembarcar no Peru). Como viúva, ela recebeu uma pequena doação em terras, e se tornou criada e, possivelmente, amante de Valdívia, conquistador incumbido de construir uma capital no Chile, salvando sua vida pelo menos em duas ocasiões e participando de pequenas batalhas.</span></div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
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<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
A movimentação de Trangolonco era um chamariz. Enquanto Valdivia caçava picunches no sul, Michimalonco trazia consigo cerca de 10 mil homens, que cercavam as paliçadas de uma Santiago quase desguarnecida. Os ataques, contudo, não eram muito sistemáticos devido à posição da antiga colônia, numa ilha fluvial elevada. Além disso, os colonos tinham armas de fogo e treinamento militar, e Michimalonco entendia que um confronto direto poderia colocar tudo a perder. Mesmo assim, os picunches avançavam sobre os espaços deixados pelos espanhóis na defensiva.</div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
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<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129; font-family: inherit;">À noite, como boa parte da colônia estava perdida e os poucos homens desmoralizados, Inés reuniu um conselho de guerra e decidiu executar os chefes picunches para aterrorizar os invasores e dispersá-los. Um dos soldados que vigiavam os presos lhe perguntou: "como a senhora quer que os matemos?", ao que ela respondeu "assim", tomando a espada do homem e cortando as cabeças ela mesma. As cabeças foram atiradas sobre os picunches.</span></div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129; font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129;"><span style="font-family: inherit;">Com os atacantes chocados e desorientados, Inés cavalgou em direção à praça central, à frente dos soldados que faziam uma linha de frente, e comandou um avanço final que desbaratou os milhares de picunche apavorados, salvando o que restava de Santiago. No momento, a aparição de Inés, vestida em armadura sobre um cavalo branco aterrorizando milhares de inimigos, fez os </span>espanhóis<span style="font-family: inherit;"> acreditarem se tratar de São Tiago, padroeiro da cidade e da própria Espanha, descendo do céu.</span></span></div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129; font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129;"><span style="font-family: inherit;">Quanto a Michimalonco, após a batalha, se retirou para os domínios dos incas. Mas esquecido e pobre, resolveu voltar ao Chile, disposto a fazer as pazes com os </span>espanhóis<span style="font-family: inherit;">, cuja bravura em batalha o havia impressionado. Valdívia o recebeu de bom grado, e o teve como aliado numa expedição contra os araucanos, no sul. Ele ainda serviria de embaixador entre os araucanos, convencendo-os naquele momento a se unirem aos colonos </span>espanhóis<span style="font-family: inherit;"> para fundar uma nova nação. A relativa cooperação dos povos chilenos seria crucial para o sucesso da colônia.</span></span></div>
Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8010033261722405130.post-47168387848990691262017-08-03T13:01:00.002-07:002017-08-04T09:53:33.414-07:00ColomboEm 3 de agosto de 1492 Cristóvão Colombo, no comando da nau Santa Maria, zarpou do porto de Palos de la Frontera, na Espanha, para a viagem que o levaria à América.<br />
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Desde que os mongóis conquistaram tudo entre a Hungria e a Coréia, produtos de origem asiática, como especiarias e seda, se tornaram artigos de grande demanda na Europa. Com a ascensão dos turcos otomanos e a sua <a href="http://efemerides-hoje.blogspot.com.br/2016/05/a-espada-e-o-escudo-da-europa.html" target="_blank">conquista de Constantinopla em 1453</a>, as rotas comerciais pela Ásia ficaram muito restritas para os mercadores europeus, de maneira que estes artigos se tornaram escassos, ou proibitivamente caros no Ocidente. Enquanto potências marítimas, como Veneza e Gênova, tentavam, por meio de acordos ou persuasão, furar o bloqueio turco, e Inglaterra e França, outras potências europeias voltadas para o oceano, viam-se presas a conflitos internos e externos, as pequenas nações ibéricas tomaram a dianteira da navegação oceânica, buscando uma alternativa às rotas tradicionais para se chegar ao mercado asiático. Assim, Portugal, independente desde 1139, lançou-se primeiro ao mar e desenvolveu uma escola de navegação e cartografia incomparáveis na Europa quatrocentista. Mas alguns pequenos eventos chave fariam com que a balança começasse a pender para os seus vizinhos, os jovens reinos de Castela e Aragão.<br />
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Cristóvão Colombo nasceu em território genovês, filho de um tecelão que complementava a renda familiar com uma banquinha onde vendia queijos com o pequeno Cristóvão. As circunstâncias da vida pessoal de Colombo (como a própria data precisa e local de nascimento) são nebulosos, mas sabe-se que em 1873, possivelmente inspirado pelo negócio do pai, Cristóvão se tornou aprendiz de importantes famílias de negociantes genoveses, e teria embarcado em algumas expedições comerciais pelo Mediterrâneo visitando algumas colônias genovesas. Em 1476 ele navegou pelo Atlântico até a Irlanda, talvez até a Islândia. No retorno da Irlanda, entrou a serviço de um navio português e viajou a Lisboa, onde encontrou seu irmão mais novo, Bartolomeu.<br />
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Bartolomeu Colombo foi uma pela fundamental para os eventos que levaram Cristóvão à América. Enquanto o irmão mais velho começara a trabalhar com o comércio em Gênova, Bartolomeu se tornou aprendiz de uma oficina de cartografia em Lisboa. O conhecimento cartográfico na Europa medieval era muito baseado num mapa muito fragmentário do mundo conhecido pelo cartógrafo grego Ptolomeu, elaborado originalmente no século II e reproduzido exaustivamente por copistas medievais. Este mapa separava fisicamente os oceanos Índico e Pacífico, estabelecendo a África como uma barreira de terra que ia até os confins da Terra ao sul. Contudo, desde a década de 1460 Portugal vinha tomando a iniciativa de tatear a costa da África à procura de uma passagem marítima para as "Índias" (termo que se referia não apenas à Índia em si, mas a todo sudeste asiático), desviando das rotas conhecidas dominadas pelos turcos otomanos no Mediterrâneo e na Ásia por terra. Estudando os clássicos (direta ou indiretamente, através do trabalho de estudiosos muçulmanos sobre clássicos gregos) e coligindo o as novidades trazidas por navegadores e astrônomos, Bartolomeu estava convencido de que uma rota para o oeste, Atlântico adentro, seria uma rota mais curta para as Índias do que o contorno da África, cuja extensão ainda não era totalmente conhecida. A ideia de que a rota do Atlântico seria mais curta não era novidade: ela havia sido proposta pelo astrônomo florentino Paolo Toscanelli ao rei Afonso V de Portugal quando Bartolomeu ainda era um aprendiz (porém o rei a rejeitou). Bartolomeu apresentou sua proposta ao rei João II em 1485, mas um corpo de especialistas avaliou que a distância proposta seria insuficiente para chegar à Ásia pelo oeste, e o projeto foi recusado.<br />
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O encontro dos irmãos em Lisboa levou Cristóvão a se estabelecer em Portugal. Bartolomeu o convenceu de que era possível alcançar a Índia pelo Atlântico, e Cristóvão viu nisso uma possibilidade de levar vantagem no estabelecimento do comércio entre Portugal e Índia. Quando Cristóvão reapresentou o projeto a João II em 1488, Bartolomeu Dias, navegador português, havia acabado de regressar da expedição onde encontrara o Cabo da Boa Esperança, o ponto mais setentrional da África de onde os portugueses poderiam se lançar diretamente à Índia. O rei português não demostrou mais interesse em Colombo. A proposta inicial dos irmãos Colombo (que incluía armar três naus e nomear Cristóvão "Grão Almirante do Oceano" e governador de todas as terras que encontrasse) foi rejeitada por uma comissão nomeada pelo rei João II, porque a distância estimada pelos Colombo era curta demais para se chegar à Ásia (e de fato era).<br />
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Cristóvão deixou Lisboa e tentou por conta própria financiamento para a sua expedição em Gênova e Veneza, sem sucesso. Bartolomeu tentou o rei Henrique VII da Inglaterra (quando foi assaltado por piratas) e depois Carlos VIII da França, em vão.<br />
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Em 1486, antes da recusa final de João II, Cristóvão ofereceu o projeto à corte unida de Castela e Aragão. Tanto num como noutro, o projeto foi recusado por causa da distância subestimada até a Ásia. Contudo, os reis Fernando e Isabel foram cativados pelo conceito de uma rota oceânica, e, para evitar que Colombo levasse o projeto a outro país, decidiram pagar-lhe um estipêndio anual e oferecer-lhe hospedagem e alimentação no país. Entusiasmado, Cristóvão continuou negociando com os reis católicos até conseguir sua aprovação em janeiro de 1492. <a href="http://efemerides-hoje.blogspot.com.br/2015/07/a-queda-de-sefarad.html" target="_blank">A Reconquista estava completa</a>, e os reinos espanhóis podiam direcionar seus investimentos em outras direções. Contudo, na audiência decisiva, Isabel recusara a última proposta de Colombo, e ele estava deixando o castelo de Alcázar no lombo de um burro quando Fernando interveio e pediu que Isabel enviasse um soldado para buscá-lo de volta. Nos seus escritos, Cristóvão creditava a Fernando a "razão pela qual aquelas ilhas (as Antilhas) foram descobertas". Seu segundo filho foi batizado Fernando em sua homenagem.<br />
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De janeiro a agosto as três naus foram armadas e preparadas, e sua tripulação contratada. Colombo capitanearia a caraca Santa Maria (anteriormente batizada "Galega"), a maior das três, enquanto Martin Alonso Pinzón e seu irmão Vicente Yáñez (que em 1498 chegaria à costa do nordeste brasileiro a caminho do Orinoco) pilotariam as caravelas Pinta e Nina, respectivamente. No dia 3 de agosto, a flotilha partiu o porto de Palos de la Frontera, no sudoeste espanhol, em direção à possessão espanhola das Ilhas Canárias, onde renovaram as provisões e fizeram reparos. De lá partiram em 6 de setembro para uma jornada de 5 semanas para o oeste até avistarem terra (a costa da ilha de Hispaniola, na atual República Dominicana). O contato com os nativos foi amistoso (com a bênção do cacique Guacanagari, Colombo deixou para trás uma pequena colônia com parte de seus homens no Haiti), exceto pelo encontro com os ciguayos no noroeste de Hispaniola, que, se recusando a fazer negócios com os estrangeiros, acabaram ferindo dois tripulantes. Porém, os relatos que trazia da existência de ouro e outras riquezas em potencial (como os próprios nativos que contactara, que lhe pareceram dóceis e facilmente conquistáveis) seriam de grande valia aos seus patronos. Para Colombo, a concretização da sua posse sobre aquelas terras, o direito a 10% de toda a produção e de 8% sobre todo o comércio com a coroa, ou seja, a garantia de uma vida de fartura para si e seus filhos.<br />
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A história da colonização das Américas ainda não estava selada. Na sua viagem de retorno, Colombo, pilotando a Niña, se viu obrigado por uma tempestade a buscar abrigo em Cabo Verde, possessão portuguesa. Depois de rezarem em uma igreja por terem sobrevivido à tormenta, a tripulação foi presa por dois dias por suspeita de pirataria. Mais uma tempestade desviou o navio para Lisboa. Ali Colombo conheceu Bartolomeu Dias, que o entrevistou antes de encaminhá-lo ao rei. João II, no entanto, não estava na cidade, e demoraria uma semana até Colombo encontrá-lo em Vale do Paraíso. Aos relatos do navegador sobre as terras encontradas do outro lado do oceano, João apenas considerou a expedição uma violação de tratados (o tratado de Alcáçovas de 1479 concedia a Portugal a posse de todas as terras a serem descobertas a oeste e ao sul das Canárias, sugerindo que os portugueses, de alguma maneira, já soubessem da existência da América embarreirando a passagem marítima para a Índia). Apenas depois disso Colombo revelou suas descobertas os reis espanhóis.<br />
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Colombo retornou à América (que só receberia este nome em um mapa impresso na Suíça em 1507, em homenagem a Américo Vespúcio, que acompanhou Colombo nas viagens seguintes e depois entraria a serviço da coroa portuguesa) mais três vezes, atingindo o continente de fato apenas na terceira viagem, quando margeou a costa venezuelana e desceu na Península de Paria. De fato, recebera o título de governador e Almirante do Oceano. Contudo, as desventuras de Colombo depois da quarta viagem merecem um artigo à parte, e gradualmente a coroa espanhola tomou e redistribuiu as terras prometidas à família (até fins do século XVIII, descendentes de Colombo ainda tentavam judicialmente recuperar a herança de Cristóvão).<br />
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Até o fim em 1506 Colombo estava convencido de que as ilhas que descobrira faziam parte do extremo oriente asiático (não a Índia propriamente dita, já que as pessoas que viviam ali não correspondiam às expectativas de "civilização" que esperavam da Índia). No seu plano de viagem, os irmãos Colombo davam como certo de que a Eurasia cobria 225° de longitude da curvatura terrestre (tese de Marino de Tiro, antecessor de Ptolomeu), e subestimava o comprimento longitudinal de um grau (adotavam a medida do cartógrafo árabe Alfraganus, sem se darem conta de que o autor se referia à milha arábica, mais curta do que a romana que os Colombos adotavam), de maneira que a América estava mais ou menos onde os Colombos previam que estaria a Ásia. Contrariando a crença popular de que, antes de Colombo, os europeus acreditavam que a Terra era plana, os especialistas que avaliavam e reprovavam o plano dos Colombo intuíam que a distância era curta demais - apenas não previam a existência de um continente desconhecido bem ali.<br />
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Neste dia também: <a href="http://efemerides-hoje.blogspot.com.br/2015/08/jesse-owens.html" target="_blank">Jesse Owens</a> conquista a medalha de ouro nos 100 metros rasos nos Jogos olímpicos de Berlim<br />
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Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8010033261722405130.post-37185646331974870372017-07-28T08:37:00.000-07:002017-07-28T08:37:17.271-07:00Merovíngios e CarolíngiosEm 28 de julho de 754, Pepino, o Breve ("Le Bref", também traduzido por "O Curto" por conta de seus cabelos curtos) foi coroado rei dos francos pelo papa Estevão II em Paris. Foi a primeira vez que um Papa se deslocou de Roma para coroar um monarca, o ponto final da dinastia merovíngia na França, e um evento marcante da gradual passagem entre a Antiguidade e a Idade Média na Europa Ocidental.<br />
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Os francos foram uma confederação de tribos germânicas que se deslocou para as fronteiras romanas por volta do século III e ocuparam a margem direita do baixo Reno. Assim como outras tribos, os francos fizeram incursões ao interior do império (chegando tão longe quanto a Catalúnia), mas foram mantidos, com muito custo, fora das fronteiras. Até que, para tentar pacificar e assimilar esses "bárbaros", o imperador Juliano permitiu, em 358, que uma facção dos francos, os salianos, se estabelecessem entre o sul da Holanda e o nordeste da França, condicionando a mudança à sua submissão à autoridade imperial e seu alistamento entre os <i>foederati </i>(corpo do exército romano composto e comandado por "bárbaros").<br />
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À medida em que a autoridade imperial se enfraquecia, os francos conquistaram crescente autonomia política, e, emprestando as instituições e modelos de administração de Roma, formaram seus próprios reinos. Em Tornacum (atual Tournai, na Bélgica) surgiu uma facção que viria a dominar as demais, graças à sua boa relação com o romano Egídio, administrador da Gália que, no apagar das luzes de Roma, declarou o norte da frança seu próprio império. Egídio (e, após sua morte, seu filho Siágrio), retendo um fragmento do Império Romano cercado de invasores germânicos que inundavam a França, contou com o apoio do rei franco Childerico I de Tornacum para conter os visigodos que tomavam a parte ocidental da Gália. <a href="http://efemerides-hoje.blogspot.com.br/2015/09/o-canto-do-cisne-do-imperio-romano.html" target="_blank">Quando o ostrogodo Odoacer destronou o último imperador romano do ocidente em 476</a>, Siágrio se recusou a reconhecê-lo. Como o imperador do oriente, Zenão, preferia a amizade de Odoacer e seus conquistadores germânicos ao pequeno "Duque" (título que Siágrio adotava, embora os francos o chamassem de "rei dos romanos"), e Siágrio ficou isolado.<br />
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Childerico observava a mudança de eixo de poderes na Europa. Embora engajasse em campanha ao lado de Egídio contra os godos, ele chegou a discutir com Odoacer uma aliança contra a tribo dos alamanni. Quando morreu, foi sucedido pelo seu filho Clóvis I, que passou a guerrear contra Siágrio até derrotá-lo em 486, em Soissons, e anexar todo o seu território, estendendo o domínio franco até Rennes, às portas da Bretanha. A dinastia da qual Clovis fazia parte ficou conhecida como Merovíngia, em referência a seu avô, chefe (ou rei) dos francos em Tornacum, Merovingh, personagem possivelmente legendário, filho, entre outras versões, de um deus marinho.<br />
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Os merovíngios se tornaram uma potência militar no norte da França, expandindo seu domínio sobre a Burgundia, conquistando os visigodos no oeste, e, depois do colapso dos ostrogodos sob ataque bizantino, anexando a Provença, chegando às fronteiras da Itália. Porém, internamente, as disputas pelo poder se iniciaram com a morte de Clóvis: filhos e netos declaravam-se reis, e entravam em guerra uns com os outros. De maneira que, para os reinos vizinhos, o reino franco era territorialmente coeso e militarmente poderoso, mas internamente era bem caótico. Apenas em 679 Teuderico III conseguiu unificar o reino sob um único rei, embora tenha sido mais um fantoche do mordomo (cargo que, no mundo merovíngio, correspondia ao de primeiro-ministro) do seu palácio em Paris, Ebroin, e depois dependente dos que o sucederam. A força que os mordomos do palácio alcançavam alterou a vida política do reino franco. Como os reis se tornavam figuras de segunda importância, a união dinástica se estabilizou por mais de 60 anos, sob tutela dos mordomos, estes sim, disputando encarniçadamente o poder.<br />
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O período merovíngio também foi uma fase de grande difusão do cristianismo na Europa Ocidental. Já no século VI a religião estava bem difundida na Gália romana e entre os francos que se estabeleciam nela, e a nobreza merovíngia tomava vantagem da boa relação com a Igreja, favorecendo o estabelecimento de monastérios em terras doadas, que no final retornavam ao controle dos nobres com a nomeação de algum parente para o cargo de abade. Foi uma fase de enorme aparelhamento da Igreja na França, mas o poder era compartilhado e precisava ser mantido, a despeito da volatilidade política dos francos. Isto explica a atenção que Roma passou a dar à coroa francesa dali em diante.<br />
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Os reis merovíngios continuaram a exercer uma função cerimonial enquanto os seus mordomos conduziam a guerra, a política e a economia. Pepino de Heristal, mordomo do palácio de Aachen unificara em torno de si o poder de facto sobre os francos ainda no tempo de Teuderico. Seu filho, Carlos Martel ("O Martelo"), contudo, precisou vencer uma guerra civil para assegurar-se no cargo. Quando enfim emergiu triunfante em 718, os muçulmanos do Califado Omíada já haviam invadido a Espanha visigótica vindos da África, e marchavam em direção à França. Um grande exército mouro-árabe desembarcou na Aquitânia em 721 e tomou a cidade de Toulouse. O duque da Aquitânia, Odo, acorreu a Carlos Martel por ajuda. Martel precisou constituir um exército permanente, ou seja, mobilizar os homens durante o período em que deveriam estar cuidando do plantio e da colheita de suas terras, e para isso precisou confiscar terras cedidas à Igreja (muitas delas cedidas pelo próprio Martel), causando tamanho mal estar com o clero que Martel estava a ponto de ser excomungado. Porém, o sucesso da campanha, culminando com a vitória na Batalha de Tours em 732 (a partir da qual os califados muçulmanos nunca mais conseguiram invadir a França com sucesso), fez recuperar seu prestígio.<br />
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Depois de conter muçulmanos e obter vitórias contra os reinos germânicos no leste, Martel sentiu-se tão seguro de sua posição que não se preocupou em coroar um novo rei quando seu soberano, Teuderico IV, faleceu. Em seus últimos seis anos como mordomo, Martel governou sozinho, assentando sua autoridade sobre povos conquistados e imprimindo reformas administrativas. Ele recusara um pedido de auxílio do Papa contra os lombardos, mas isso demonstrava a relação de dependência entre o papado e o poder militar franco. Seu exército (que enfim desmobilizara) contava com a infantaria e cavalaria pesadas que se tornariam uma referência romântica dos exércitos europeus da Idade Média.<br />
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Quando morreu, seus dois filhos, Carlomano e Pepino, dividiram suas terras (um terceiro filho, Grifo, meio-irmão dos dois, clamava o direito a parte da herança, mas foi preso por ambos, enclausurado em um monastério, depois morto durante uma rebelião). Carlomano rapidamente assentou sua função de mordomo (e a própria unidade territorial do reino) coroando um parente obscuro dos merovíngios, Childerico III. Por motivos não muito esclarecidos, Carlomano retirou-se a um mosteiro em 747, deixando todo o poder com Pepino. Vendo a si mesmo como o centro do poder do reino franco, e entendendo as dificuldades que o papado enfrentava com os lombardos na Itália, Pepino enviou uma carta ao Papa Zacarias, com uma sugestão subentendida: "Sobre os reis dos francos que não mais possuem poder real: isto é apropriado?". Zacarias enviou sua resposta confirmando achar inapropriado que houvesse um rei sem poder real, e com isso Pepino moveu-se para depor Childerico e confiná-lo a um monastério.<br />
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A dinastia merovíngia chegara ao fim e dera lugar à dinastia carolíngia (em referência a Carlos Martel). Os nobres francos proclamaram Pepino rei em 752, mas a viagem que o Papa Estevão II fez a Paris para coroá-lo pessoalmente, no dia 28 de julho de 754, legitimou seu poder e consolidou sua aliança com o papado.<br />
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As subsequentes conquistas de terras lombardas, posteriormente doadas ao papado, se tornaram o arcabouço do que viriam a ser os Estados Papais, o reino no centro da Itália governado pelo Papa até a unificação da península italiana no século XIX, e do qual o Vaticano é o último remanescente. Pepino também conquistaria o último quinhão do califado na França, expulsando os omíadas de Narbonne, e "pacificaria" (com particular violência) a Aquitânia , então uma província rebelde. Com sua morte, seguindo o costume franco, seu reino foi dividido entre seus dois filhos, Carlos e Carlomano. Carlomano morreu de causas naturais em 771, deixando para Carlos (conhecido para a posteridade como Carlos Magno) todo o reino. Ele conquistaria uma fímbria de terra no norte da Espanha muçulmana (cuja campanha e seus personagens se tornariam temas de canções medievais), e submeteria os lombardos, feitos pelos quais o Papa o declararia "Imperador de Roma", dois séculos e meio depois do fim do Império do Ocidente. O reino franco se tornara um império por si próprio, cuja porção oriental subsistiria até o início do século XIX como Sacro Império Romano. As cortinas do mundo antigo terminaram de se fechar por completo para dar lugar à Idade Média.<br />
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Neste dia também: A formação da <i style="background-color: white; color: #444444; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px;">Union Mundial pro Interlingua </i><span style="background-color: white; color: #444444; font-family: Arial, Tahoma, Helvetica, FreeSans, sans-serif; font-size: 13px;">em <a href="http://efemerides-hoje.blogspot.com.br/2015/07/linguas.html" target="_blank">Línguas</a>.</span>Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8010033261722405130.post-11311308594139662422017-07-27T09:51:00.000-07:002017-07-27T09:51:36.741-07:00Forte NegroEm 27 de julho de 1816 um destacamento do exército americano atacou e destruiu Negro Fort, uma fortificação na Florida, então território espanhol, ocupado por negros libertos, escravos fugidos, e alguns nativos e mestiços.<br />
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A história de Negro Fort (que eu peço licença para chamar de Forte Negro daqui por diante) começou durante a Guerra Anglo-Americana de 1812. Após a independência dos Estados Unidos, os americanos iniciaram um processo de expansão via anexação (pela força, se a diplomacia falhasse) de territórios indígenas e a aquisição de colônias europeias, como a Louisiania francesa. O conflito de interesses entre o expansionismo americano e a manutenção do império colonial britânico nas Américas - seu principal trunfo contra o <a href="http://efemerides-hoje.blogspot.com.br/2015/09/terra-arrasada.html" target="_blank">Bloqueio Continental imposto por Napoleão</a> ao comércio das nações europeias com a Inglaterra - criaram tensões insustentáveis entre os dois países. A política britânica de apoio aos nativos americanos, que viam como aliados contra a expansão americana, e que por sua vez atacavam colonos em seus territórios (não reconhecidos pelos americanos), levaram à guerra. A Inglaterra, contudo, não poderia empregar muitos recursos neste confronto, uma vez que seu exército e marinha concentravam-se no apoio a Portugal e Espanha na virada da Guerra Peninsular contra a França. As tropas estacionadas no Canadá chegaram a tomar Detroit brevemente, mas a Guerra de 1812 foi mais um conflito de atritos, com poucos ganhos de um lado ou de outro - exceto pelos avanços dos Estados Unidos sobre as nações nativas envolvidas.<br />
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Durante a guerra, os britânicos buscavam recrutar seminoles (um amálgama de povos nativos, principalmente muscogees vindos do norte) no sul dos Estados Unidos e na Florida espanhola (a Espanha, àquela altura, era uma aliada dos britânicos). O rio Apalachicola, no oeste da atual Florida, se tornou um canal importante de contato com o interior e uma via de transporte de homens e mantimentos. Em 1815, antes do fim da guerra, o comandante britânico na região, tenente Edward Nicolls, coordenou a construção de um forte, equipado com um canhão, armas e munições. Com essa base fixa, além de nativos, os ingleses também abrigavam e recrutavam escravos fugidos de propriedades rurais americanas ao norte, garantido-lhe liberdade e incorporando-os ao seu corpo de fuzileiros coloniais. Quando a guerra terminou, os britânicos abandonaram o local, mas os ex-escravos permaneceram, bem como milhares de mosquetes, carabinas, espadas, pistolas, e grande quantidade de pólvora para rifles e canhões. O Forte Negro atraiu mais escravos fugidos, chegando a abrigar uma população de cerca de 800 negros e algumas dezenas de seminoles. Os negros, usando conhecimento adquirido da terra, cultivavam os arredores do forte, tornando-o quase auto-suficiente.<br />
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Os seminoles ainda viam os negros fugidos como escravos, mas sua relação com a escravidão era decididamente mais mutualista, mais semelhante ao sistema feudal francês, do que com o sistema escravocrata americano: os negros que concordassem em viver em território seminole se obrigariam a pagar tributo em víveres e participar de caçadas e da guerra, em troca de segurança, direito a propriedade, e liberdade de ir e vir. Um cenário muito mais favorável. Seminoles e negros contraíam matrimônio, e mestiços passaram a constituir grande parte da nação seminole na Florida.<br />
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O Forte Negro no coração do território seminole era uma espécie de farol para os escravos do sul que almejavam a liberdade. Um fazendeiro do sul escreveu uma carta ao então Secretário de Estado John Quincy Adams, reclamando que a existência destes "salteadores negros" constituía uma "vizinhança extremamente perigosa a uma população como a nossa", e o próprio governo americano considerava o forte um foco de hostilidade e uma ameaça à "segurança" dos seus escravos. De fato, o governo enviou em setembro de 1815 uma milícia de 200 homens contra o forte, e a sua derrota conferiu aos defensores uma sensação de segurança tal que eles mesmos passaram a fustigar as terras além da fronteira, no sul da Georgia. Um jornal local perguntava: "Até quando a este mal (...) será permitido existir?".<br />
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Para guarnecer a fronteira, e 1816 foi construído um forte na Georgia, Fort Scott. O General Andrew Jackson decidiu que a rota mais viável para abastecer o forte era pelo rio Apalachicola, subindo pelo trecho da Florida espanhola. Em 17 de julho de 1816, durante uma dessas operações, duas canhoneiras subindo o rio com mantimentos foram atacadas ao largo do Forte Negro enquanto 5 marinheiros enchiam seus cantis com água, resultando em três mortos e um preso (o quinto mergulhou no rio e voltou à sua embarcação). Jackson requisitou autorização para atacar o forte, e Adams viu nisso a oportunidade para iniciar uma campanha para tomar a Florida.<br />
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Dez dias depois, duas canhoneiras subiram o rio com 250 homens. Defensores do forte enviaram homens para fustigar o inimigo ao longo do percurso, de modo que, quando os americanos chegaram, havia 330 defensores encastelados, incluindo 30 guerreiros nativos. O general Edmund Gaines ordenou a rendição, ao que o líder do forte, um africano chamado Garson, respondeu hasteando uma bandeira britânica, e os defensores gritavam "Me dêem a liberdade ou me dêem a morte!" (grito de ordem proferido pelos revolucionários americanos durante sua guerra de independência). Os americanos se posicionaram em terra e abriram fogo, enquanto as canhoneiras tomavam posição no rio. Os defensores, mesmo bem armados, eram mal treinados e muito pouco eficientes.<br />
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Temendo as peças de artilharia no forte, as canhoneiras atiravam apenas para testar o alcance e a distância máxima em que poderiam abrir fogo. Após cerca de 9 tiros de teste, uma décima bala atingiu em cheio o depósito de munições do forte. Houve uma enorme explosão, ouvida a 100 quilômetros de distância, que vitimou quase todos os defensores e as famílias abrigadas ali, cerca de 300 vítimas fatais e um número não contabilizado de feridos. A destruição deixou o próprio general Gaines chocado. Foi o tiro de canhão mais mortal da história americana.<br />
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Os sobreviventes foram capturados. Garson foi executado por um pelotão de fuzilamento, e um chefe choctaw, que comandava os guerreiros nativos, entregue aos creek, nativos aliados dos americanos, que o mataram e escalpelaram. Os demais foram vendidos como escravos aos seus antigos donos, ou aos donos dos seus pais.<br />
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Um líder seminole chamado Neamathla, ultrajado pelas mortes de seminoles na batalha, ameaçou atacar quem quer que saísse de Fort Scott através do rio Flint. Gaines então enviou 250 homens para prendê-lo, e a batalha que se seguiu é reconhecida como a abertura da Primeira Guerra Seminole em 1817, que acabou com a anexação da Florida (a Espanha pouco pôde fazer além de protestar oficialmente) e o confinamento dos seminoles em uma reserva. Em 1818 o tenente James Gadsden construiu um novo forte a poucos metros da ruína do Forte Negro, e desde então todo o sítio ficou conhecido como Fort Gadsden, apagando da memória aquele símbolo da resistência dos escravos do sul. Porém a aliança ocasional de seminoles e negros persistiu em outras comunidades mestiças até os dias de hoje - comunidades que enfrentam segregação natural da sociedade americana e da própria nação seminole, centrada hoje em dia no estado de Oklahoma. Muitos dos seus descendentes ainda habitam a Florida, o Texas (vindos do México, onde se estabeleceram como escravos fugidos no século XIX) e as Bahamas, para onde fugiram da guerra de 1817.<br />
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Neste dia também: <a href="http://efemerides-hoje.blogspot.com.br/2015/07/o-cristianismo-chega-no-japao.html" target="_blank">O cristianismo chega ao Japão</a>Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8010033261722405130.post-18763182955072868662017-05-11T09:25:00.000-07:002017-05-11T09:26:54.547-07:00As Aventuras (reais ou não) do Barão MunchausenEm 11 de maio de 1720 nasceu Hyeronymus Karl Friedrich von Münchhausen, que viria a se tornar célebre através da sua versão satirizada na literatura na forma do mentiroso Barão Munchausen.<br />
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Münchhausen nasceu no seio de uma família nobre do norte da Alemanha, e ainda adolescente, serviu como pagem ao jovem duque Ulrich II de Brunswick. Este Ulrich era sobrinho da imperatriz consorte do Sacro Império Romano, e através dela teve seu casamento arranjado com uma princesa russa. Em 1733 ele seguiu acompanhado de Münchhausen para a Rússia para conhecer melhor a noiva.<br />
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Em 1735 eclodiu a confusa Guerra Russo-Turca (que começou com uma guerra entre o Império Otomano e a Pérsia, e envolveu a Rússia por força de tratados com os persas, que apoiavam um herdeiro favorável aos russos ao trono polonês, contra o favorito da França... além da possibilidade da Rússia abrir caminho sobre território Otomano em direção ao Mar Negro). Sob influência do seu suserano, Münchhausen foi nomeado corneteiro de uma unidade de cavalaria alemã a serviço da Rússia, no fim da guerra em 1739. O futuro barão seguiu carreira militar, tendo sido nomeado tenente e participado superficialmente de duas campanhas russas contra os turcos.<br />
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Em 1760, tomou posse das terras da família em Bodenwerder e decidiu "aposentar-se" como barão (em alemão, "<i>Freiherr</i>", ou "Senhor livre"), ou seja, viver das rendas da sua propriedade. Ali ele promovia encontros festivos com aristocratas alemães, onde entretinha os convidados com sua própria versão de suas aventuras no exército russo. Suas histórias, tão espúrias e espetaculares, passaram a atrair a curiosidade de nobres e viajantes da Europa, que vinham visitá-lo para ouvi-lo contar de como suas peripécias inacreditáveis determinaram os acontecimentos históricos nas quais estavam inseridas. Um observador ponderou que Münchhausen exagerava seus feitos não para enganar ou vangloriar-se, mas para ridicularizar a credulidade de seus amigos. Münchhausen morreu em meio a um processo de divórcio com sua segunda esposa, 57 anos mais jovem, que tivera um filho exatamente 9 meses depois de se retirar a um spa na Saxônia, em 1797.<br />
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O barão teria sido esquecido como uma figura menor da história alemã, não fosse pelo escritor alemão Rudolf Erich Raspe. Raspe estudou na Universidade de Göttingen, fundada por um primo de Münchhausen, e através dele conheceu Münchhausen ali antes da sua aposentadoria. Convidado a participar de uma de suas reuniões em Bodenwerder, ele guardou para si lembranças de alguns dos contos que ouviu e a eles adicionou outros mais antigos presentes na literatura alemã para criar o personagem quase homônimo, o Barão Munchausen. Publicados anonimamente e escritos em primeira pessoa (identificada originalmente apenas como "M-h-s-n"), os contos foram publicados pontualmente em revistas e inseridos em almanaques alemães. Foi em 1785, enquanto trabalhava em uma empresa mineradora na Inglaterra, que Raspe compilou (anonimamente) pela primeira vez as aventuras do Barão Munchausen (sem o segundo "H", para que fosse lido com mais facilidade em inglês). Com títulos enormes que variavam de uma edição para outra, o livro é comumente conhecido como Viagens do Barão Munchausen.<br />
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Na obra, Munchausen é um nobre veterano de guerra narrando a seus amigos, de forma exagerada, suas aventuras originalmente contextualizadas no cenário da Guerra Russo-Turca - como no prefácio o próprio personagem reconhece ao leitor a dificuldade de se afirmar a veracidade dos fatos, ele consegue uma declaração de confiança subscrita por ninguém menos que Gulliver, Simbad, e Alladin. Colocado frequentemente em situações inacreditáveis, o Barão contorna seus problemas usando de astúcia e habilidades super humanas.<br />
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,Entre seus feitos, ele livra-se de um leão fazendo-o atirar-se na boca de um crocodilo, matando ambos; depois de tirar seu cavalo do telhado de uma igreja, este é devorado por um lobo, que o barão atrela e faz puxar seu trenó; abate quase 100 aves em um lago disparando com o fogo que saía de seus olhos; explode um urso com uma pederneira, vira um lobo do avesso, e, depois de fugir de um cão raivoso, seu próprio casaco de pele enlouquece e ataca as outras roupas de seu armário; escapa do estômago de um peixe gigante dançando à moda escocesa dentro dele; acerta os pescoços de 17 inimigos com apenas um tiro de canhão; relata como seu pai viajou da Inglaterra para a Holanda num cavalo marinho; conhece o próprio deus Vulcano no interior do Monte Etna, indo parar em seguida em uma ilha (maior que a Europa, que ele sobrevoara nas costas de uma águia) feita de queijo cercada por um mar de leite; cavalga uma bala atirada de um canhão.<br />
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Uma das cenas mais famosas começa quando os turcos o capturam e o vendem ao sultão como escravo. Enquanto cuidava das suas abelhas gigantes, dois ursos atacam a colmeia. Ele tenta espantar os ursos com uma machadinha de prata usada pelos jardineiros, mas o arremesso é tão forte e tão errado, que a machadinha vai parar na lua. Ele planta um pé de feijão que cresce até se agarrar numa das "pontas" da lua e sobe por ele. Ao recuperar a machadinha (perdida num lugar onde tudo reluzia a prata), ele percebe que o pé de feijão secara. Então ele corta um pedaço do pé seco e faz uma corda; conforme se pendura nela, ele vai cortando outros pedaços do pé de feijão para alongar a corda. Porém a corda resulta curta demais, e ele despenca de uma altura de 8 km, caindo como um prego, enterrando-se no solo. Ele se livra cavando com as próprias unhas, que deixara crescer por 14 anos.<br />
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Em outra ocasião, o barão montava um cavalo lituano muito especial, que tivera a metade de trás do corpo arrancada enquanto passavam por um portão que descera às suas costas, mas ele só percebera que o animal caminhava apenas com as patas dianteiras quando, ao parar para beber água, ela passava pelo seu corpo e derramava no chão pelo buraco; o barão resolvera o problema costurando as duas metades com ramos de louro, que não só curaram o animal, como cresceram para fazer sombra sobre seu ginete.<br />
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O verdadeiro Barão Münchhausen, quando soube da publicação do livro, não ficou nada satisfeito. Sentindo-se insultado, ameaçou processar o editor (um certo Smith, já que Raspe permanecia anônimo), mas isso não impediu que a obra fosse traduzida para alemão e francês antes da virada do século. Ironicamente, o próprio Raspe inspiraria um personagem de O Antiquário, de Walter Scott, um trambiqueiro alemão trabalhando em uma mina escocesa - o Raspe verdadeiro teria enganado um dono de terras escocês sobre a riqueza na sua propriedade mostrando a ele gemas e pedras preciosas que ele mesmo havia "plantado" no chão previamente. Reeditado muitas vezes ao longo do século XIX, ganhou o cinema pela primeira vez com a produção de 1911 dirigida por George Méliès. A última versão importante das histórias do barão foi o filme As Aventuras do Barão Munchausen de 1989, dirigido por Terry Gillian.<br />
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Uma desordem psiquiátrica chamada Síndrome de Munchausen compreende um quadro onde o paciente deliberadamente mente sobre sintomas que não está sentindo, forjando-os se for necessário, para conseguir atenção médica (diferente da hipocondria, onde o paciente realmente acredita estar sentindo os sintomas que descreve). Inspirado pelo conto em que o barão salva a si próprio do afogamento puxando-se para fora de um pântano pelos cabelos, filósofo Hans Albert definiu o Trilema de Munchausen, que discute a impossibilidade de se provar definitivamente qualquer verdade porque o argumentador tem três vias argumentativas possíveis: justificar sua conclusão a partir de um método que precisa justificar-se logicamente com base em premissas que precisam ser justificadas, assim indefinidamente; um argumento circular (fundamentado nele mesmo ou nas suas próprias motivações) pode ser usado, porém sacrificando sua validade; pode-se usar o princípio da autoridade, ou da razão suficiente, fundamentado na palavra de um "expert" ou no que "está escrito" (esta tríade está presente abundantemente na narrativa do barão, que apresenta os fatos como se fossem naturais e lógicos; na falta de lógica, apela para o argumento circular; e quando tudo mais falha, alega a veracidade colocando em jogo sua própria palavra de honra).<br />
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Em Bodenwerder existe hoje uma fonte esculpida no formato de um meio-cavalo, montado pelo barão, com a água jorrando da metade cortada do seu corpo.<br />
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P.S.: Se me permitem, antes de conhecer o barão e suas histórias, minha avó contava sua própria versão delas, substituindo o barão por um "príncipe" anônimo, que reunira personagens com habilidades extraordinárias para participar de uma competição pela mão de uma princesa (o personagem-título era um deles, chamado Come Tudo, Bebe Tudo, e Nada Chega). Quando o filme de 1989 chegou ao cinema, reconheci nele quase todos os personagens e eventos do "ciclo mitológico" da minha avó.<br />
<br />Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8010033261722405130.post-23865837178022633582017-05-08T10:49:00.000-07:002017-05-08T10:49:04.064-07:00Tudo se transformaEm 8 de maio de 1794, o químico Antoine Lavoisier e mais 27 acusados foram condenados e executados em Paris por atividades anti-revolucionárias.<br />
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Lavoisier nasceu em 1743 no seio de uma família nobre, e aos 16 anos começou a estudar ferozmente vários campos das ciências naturais e da matemática. A despeito de ter se formado advogado como seu pai (embora nunca tenha exercito a função), Lavoisier seguiu assistindo aulas e palestras sobre ciências naturais, e associando-se a pesquisadores proeminentes. Evidentemente sua posição social lhe abriu muitas portas (a ponto de, aos 23 anos ser condecorado com uma medalha de ouro pelo rei Luís XV por um trabalho sobre a iluminação das ruas de Paris), mas seu talento o fez aproveitar ao máximo cada oportunidade.<br />
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A contribuição mais notável de Lavoisier para a ciência foi na compreensão do fenômeno da combustão. Ele percebeu que a combustão e calcinação (ou seja, a transformação, após a queima, de um sólido em outro sólido) de uma substância em estado puro resultava no acréscimo de peso do mesmo elemento, embora o sistema total mantivesse sua massa constante. Após realizar experimentos com diferentes elementos, e agregando trabalhos feitos por colegas britânicos, ele enfim deduziu que a combustão era o processo pelo qual uma substância reagia com outras presentes no ar, que eram agregadas à substância original durante a queima com liberação de energia. Ele ainda não conhecia a composição química da atmosfera nem o papel do oxigênio na promoção da combustão - ele deduziria mais tarde a existência do oxigênio e do hidrogênio. Suas aferições precisas de massa, e a precisão dos resultados produzidos com essa metodologia, seriam incorporadas à metodologia de todos os trabalhos em química no futuro. Lavoisier também seria um dos que defenderia o estabelecimento do sistema métrico decimal em substituição à miríade de sistemas de medidas adotadas anteriormente, além de um sistema nomenclatural para a química semelhante ao proposto por Carl Linnaeus para a biologia. Suas observações sobre as reações químicas, e a verificação de que a massa total dos reagentes é igual à massa total dos produtos, o levou a cunhar a famosa frase: "Na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma".<br />
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Graças aos seus trabalhos sobre combustão, em 1775 Lavoisier foi nomeado para a Comissão da Pólvora, órgão governamental que substituiria uma empresa particular no suprimento de pólvora para a França, e sua enorme capacidade de organização de fato fez com que o suprimento e a qualidade da pólvora entregue ao governo superasse em muito o que se tinha antes, a ponto de gerar receita para o Tesouro. A Comissão lhe forneceu uma casa e um laboratório no Arsenal Real, onde viveu e trabalhou até 1792.<br />
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Lavoisier, enquanto cientista, foi um produto do Iluminismo, corrente filosófica que estimulava a investigação metódica do mundo natural e humano, confrontando visões dogmáticas (de ordem religiosa ou qualquer outra) sobre a construção do mundo e da sociedade. O Iluminismo estava impregnado no sistema educacional no qual Lavoisier se formou. Contudo, o químico nunca questionou a natureza da legitimidade do poder político e da ordem social, ou ao menos nunca percebeu a profundidade do abismo que separavam as classes sociais na França, e o que disso viria a resultar - o que lhe custaria a vida mais adiante.<br />
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Aos 26 anos, Lavoisier adquiriu parte da <i>Ferme générale </i>(ou "Fazenda Geral"), uma companhia a serviço do governo que estimava quanto de imposto seria arrecadado ao longo do ano, antecipando o repasse desta quantia ao governo francês, em troca do direito de executar, por conta própria, o recolhimento dos impostos da população ("Fazenda", no caso, tinha o duplo sentido de ter sua origem e principal função o recolhimento de impostos das propriedades rurais, e ser ela mesmo uma "fazenda de impostos" para o governo). Lavoisier chegou mesmo a se casar com Marie-Anne Paulze, filha de um dos membros da <i>Ferme générale</i> (Marie-Anne, apesar de ter apenas 13 anos quando se casou, era excepcionalmente culta, e não só auxiliava o marido no laboratório, mas produzia ilustrações, e traduzia trabalhos científicos do inglês para o francês, bem como sua correspondência, especialmente com Joseph Priestley, químico que também descobrira paralelamente o oxigênio). Na <i>Ferme générale</i>, Lavoisier bancou a construção de um muro em torno de Paris, direcionando as saídas da cidade para que a companhia pudesse posicionar guarnições nestes locais específicos e recolher impostos sobre qualquer produto que entrasse ou saísse da cidade, evitando sobremaneira a evasão e o contrabando na capital.<br />
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Como tivesse a prerrogativa de recolher os impostos, a <i>Ferme générale</i> era, naturalmente, mal vista pela população. Mas além da função ingrata, agravada pelo complicado sistema tributário francês, a truculência com que tratava sonegadores e contrabandistas (que podiam ser punidos com mais rigor do que criminosos mais violentos), bem como a enorme riqueza acumulada pelos seus diretores, saltavam aos olhos. Quando eclodiu a Revolução Francesa em 1789, um dos elementos que mais inflamavam as opiniões era a questão dos impostos, a maneira como eram recolhidos, e o seu destino. No plenário da assembleia nacional, os fazendeiros-gerais eram abertamente chamados de "predadores". O novo governo revolucionário dissolveu a empresa em 1791, destituindo seus diretores (entre eles Lavoisier) e funcionários.<br />
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Lavoisier escapou da ira revolucionária neste primeiro momento, mas foi forçado a deixar seu posto na Comissão da Pólvora. Ele reconhecia que o sistema de governo era falho e precisava de profundas reformas; quando foi encarregado por Luis XVI para avaliar a possibilidade de introdução de novas culturas e tipos de gado nas fazendas francesas, ele concluiu que seria inútil introduzir qualquer novidade no campo, pois os camponeses estavam tão empobrecidos e pressionados pela carga tributária que eles não podiam investir em nada além do que já estavam adaptados a cultivar. Já destituído de cargos, apresentou um projeto de reforma da educação ao Congresso, acreditando poder reformar o sistema de dentro para fora com o poder da razão. Porém, a Revolução evoluía a despeito dos esforços - de revolucionários moderados e conservadores - para contê-la, e rumava para sua fase mais sinistra, conhecida como "Reino do Terror".<br />
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Maximilien de Robespierre encabeçava a cúpula revolucionária que assumira a administração pública a partir da queda de Luís XVI. À medida em que o novo governo tomava corpo, a jovem burguesia francesa que atropelara os velhos oligarcas dava espaço a soluções moderadas ou conservadoras às reivindicações em pauta que agradassem a ambos. Robespierre, por outro lado, mantinha sua veia radical ao permitir a interferência dos "<i>sans culottes</i>", como as classes mais baixas eram conhecidas, e sua popularidade crescia à medida em que se posicionava contra as instituições tradicionais de poder. A França também fora desafiada pelos seus vizinhos absolutistas na Guerra da Primeira Coalizão, e a capacidade de mobilizar a população era vital para conter o conflito e manter a estabilidade interna. A primeira vítima ilustre dessa radicalização do movimento revolucionário foi o próprio Luís XVI, a cujo perdão ou punição simbólica Robespierre se opunha. O governo começou a perseguir e cortar as cabeças de membros do parlamento, antigos políticos, e, eventualmente, qualquer um que representasse ou mesmo defendesse de alguma forma o poder monárquico.<br />
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A partir de 1793, a Revolução voltou-se contra as sociedades científicas. Sob pedido do Abade Gregório, congressista católico e nacionalista rábico que influenciou a nova política de língua única na França (que tradicionalmente compunha-se do francês falado em grande parte do país, mais 33 dialetos diferentes), a Academia de Ciências, da qual faziam parte Lavoisier e nomes ilustres, como o matemático Pierre Laplace e o estrangeiro Joseph Louis Lagrange (a favor de quem Lavoisier interferiu para que lhe poupasse a vida e os bens) foi fechada. Por fim, em novembro de 1793, Lavoisier, junto com outros 27 diretores da antiga Ferme générale foram presos. Sua defesa apelou ao juiz Jean Baptiste Coffinhal, alegando serem os trabalhos e experimentos de Lavoisier úteis ao país, ao que o juiz teria respondido: "A República não precisa de cientistas e químicos". Ele seria considerado culpado das acusações de roubar o povo e o Tesouro (pela sua participação na Ferme générale), de adulterar o tabaco vendido no país (acusado de tal crime pelo jornalista Jean Paul Marat, assassinado dez meses antes), e de ter repassado a estrangeiros grandes somas de dinheiro público (o apoio dado a pesquisadores estrangeiros fora e dentro da França). Todos os 28 acusados foram julgados e guilhotinados no mesmo dia.<br />
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Lavoisier deixou um legado volumoso para a ciência e a filosofia em muitos campos. Sua importância foi reconhecida ainda durante o período revolucionário, quando, um ano e meio depois da sua execução, seus pertences foram entregues a Marie-Anne, com uma nota que dizia "À viúva de Lavoisier, que fora falsamente condenado". Lagrange disse: "Bastou a eles um segundo para cortar sua cabeça, e cem anos não bastarão para produzir outro igual".<br />
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E, afinal, depois de mergulhar numa espiral de violência revolucionária pela queda da monarquia e a tomada do poder pelo povo, a França acabaria abraçando, 10 anos depois da morte de Lavoisier, um novo monarca, Napoleão Bonaparte. O que os revolucionários tentaram introduzir de novo acabou resultando em algo muito parecido (apenas aproveitando-se de uma estrutura administrativa mais moderna) com o que era antes. Nada se cria, tudo se transforma.Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8010033261722405130.post-63532857318284313042017-05-04T10:42:00.000-07:002017-05-04T10:42:06.729-07:00ScarfaceEm 4 de maio de 1932, Al Capone foi admitido na Penitenciária Federal de Atlanta para o cumprimento de pena relativa a cinco condenações por evasão fiscal.<br />
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Alphonse Gabriel Capone, nascido em Nova Iorque em 1899, começou a carreira como membro de gangues de adolescentes que praticavam roubos, e seguiu como segurança em bordéis dirigidos pela máfia novaiorquina (um grupo de origem irlandesa conhecido como Five Points Gang que operava em Manhattan). Certo dia, Capone insultou uma mulher na porta de uma boate. O irmão da moça, Frank Gallucio, lhe desferiu uma facada no lado esquerdo do rosto, e Capone ficaria conhecido dali para frente, alternativamente, como "Scarface" (ele alegava ser uma cicatriz de um ferimento da guerra). Mais tarde, ele empregaria Gallucio como seu segurança pessoal.<br />
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Aos 20, Capone deixou Nova Iorque a convite de um imigrante italiano, Johnny Torrio, que fora chamado pelo compatriota James Colosimo, mafioso de Chicago, para fazer o "trabalho sujo". Capone continuou trabalhando como segurança em casas noturnas controladas por Colosimo. Em 1920, o "chefão" foi assassinado, provavelmente por capangas de Torrio (possivelmente, mas nunca provado, Al Capone estava entre eles). Com Torrio assumindo o controle da máfia, Al Capone foi promovido a seu braço direito.<br />
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A proximidade do poder, para a máfia, representava uma potencialização do risco de morte. A máfia dirigida por Johnny Torrio tinha como principais concorrentes, na parte norte da cidade, uma gangue irlandesa comandada por Dean O'Banion. Quando Torrio decidiu eliminar O'Banion (assassinando-o na loja de flores que usava como fachada para seus negócios), os irlandeses começaram a coordenar esforços para eliminar os rivais italianos. Capone foi vítima de um atentado em 1925, ao qual escapou ileso, e duas semanas depois foi a vez de Torrio ser alvejado 7 vezes. O velho "padrinho" sobreviveu, mas se retirou dos negócios, entregando o controle da máfia a Al Capone.<br />
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Torrio, e depois Capone, faziam dinheiro com o contrabando de bebidas. Seguindo um movimento ultra-conservador de origem cristã, os Estados Unidos, progressiva mas pontualmente, passaram a proibir, em vários graus, o consumo de bebidas alcoólicas conforme previsto na XVIII Emenda Constitucional, ratificada pela presidência em 1917. Como a regulamentação da Constituição Federal nos Estados Unidos é feita de maneira independente pelos estados, a proibição variava desde a proibição do consumo de determinados tipos de bebida em locais públicos até a completa ilegalidade do comércio de bebidas. O estado de Ilinois estava entre os que a proibição era quase total - era permitida a venda e consumo apenas em estabelecimentos cadastrados, porém estrangulada por uma limitação na produção e distribuição regular. Como é possível proibir uma prática, mas impossível de impedí-la quando esta tem um vasto alcance e profundidade cultural numa sociedade, a demanda por bebidas alcoólicas levou rapidamente à organização de mercados negros, que, sem regulação, disputavam espaço uns com os outros na base da violência. Em Chicago, particularmente, a máfia, cujos ganhos se baseavam na venda clandestina de bebidas, tinha à disposição uma vasta rede de ferrovias e rodovias pelo interior dos EUA e até pelo Canadá, por onde poderiam transportar seus produtos, dificultando a fiscalização e tornando a cidade uma espécie de <i>hot spot</i> para o crime organizado.<br />
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Al Capone firmava seu pé como principal mafioso de Chicago impondo-se com uma violência à qual mesmo as gangues locais e seus associados não estavam acostumadas. Usando o excedente arrecadado com a venda de bebidas, ele subornava policiais e políticos para garantir proteção; os estabelecimentos que se recusassem a comprar sua mercadoria sofriam explosões "acidentais" (na década de 1920, perto de 100 pessoas morreram nesses "acidentes"). Capone também investia na abertura de novas boates, que se tornariam pontos regulares de consumo do seu produto contrabandeado. Fazia também vultuosas doações a políticos. O prefeito eleito em 1927, William Hale Thompson, teria recebido 250 mil dólares do gangster para sua campanha eleitoral, sinalizando, em troca, a reabertura de casas noturnas fechadas por irregularidades. No condado de Cook, do qual Chicago faz parte e onde Thompson tinha enorme influência, sessões eleitorais com maior número de eleitores contrários a ele foram atacados por James Belcastro, especialista em bombas a serviço de Capone; um líder da comunidade negra local e adversário político, Octavius Granady, foi perseguido na rua e assassinado por Belcastro e quatro policiais, mas o processo contra o grupo foi arquivado. Quando Belcastro foi ferido num tiroteio em 1931, a polícia divulgou que ele agia por conta própria.<br />
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Com os rivais em cheque, a polícia e a classe política nas mãos, e, consequentemente, saudado pela imprensa como um jovem empreendedor de sucesso, Capone se tornaria rapidamente uma celebridade inconteste e de fama nacional. Promovia e era convidado a eventos que contavam com a alta sociedade local, em que se exibia com ternos impecáveis, jóias, consumindo charutos e bebidas finas (obtidas legalmente), além de belas mulheres. Quando questionado sobre a natureza de seus negócios, respondia: "Sou apenas um homem de negócios, dando às pessoas o que elas querem". Receber Al Capone era um evento capaz de elevar o status de um restaurante, um hotel, ou ruas inteiras onde tomasse residência - com receio de ataques das gangues rivais, Capone mudava-se constantemente.<br />
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Além de comprar pessoas, Capone mantinha seus negócios, a origem, e mesmo o montante da sua fortuna em sigilo. Como se tratasse de dinheiro ilícito, ele fugia do sistema financeiro para evitar ser pego pelo fisco, jamais abrindo uma conta em qualquer banco. Os investimentos em imóveis (que adquiria em cidades diferentes de norte a sul do país) eram feitos em nome de laranjas. Capone era "invisível" para a justiça porque seu dinheiro nunca entrava no "sistema", e sua penetração no jogo político através de propinas inibia qualquer iniciativa de investigação sobre suas atividades. Mas sua sorte mudou quando decidiu dar o golpe final na gangue irlandesa que fustigava seus negócios na cidade.<br />
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Na manhã do dia de São Valentim de 1929, capangas de Al Capone, vestidos como policiais, deram uma falsa batida no armazém usado pelo chefão irlandês, Bugs Moran (sucessor de Dean O'Banion). Sete pessoas ali presentes, acreditando ser um procedimento policial, se renderam sem oferecer resistência; foram alinhados contra uma parede, e então metralhados. A imprensa divulgou fotos dos mortos, chocando a sociedade de tal maneira que Capone foi enfim formalmente acusado de violar as leis de proibição ao álcool - ele escapou do julgamento dizendo que não se sentia bem para comparecer ao tribunal na ocasião (semanas antes, ele participara da Conferência de Atlantic City entre líderes de famílias de mafiosos de todo o país, para arbitrar disputas e decidir regras de conduta entre gangues rivais, bem como as maneiras como deveriam conduzir suas relações com o poder público; semelhante reunião aconteceria novamente em Havana, em 1946, para discutir meios de legalizar seus negócios). No entanto, mesmo irrigando uma rede de corrupção, a opinião pública e a sua relação com a imprensa - que o declararia, em 1931, "Inimigo Público Número 1" - jamais seria a mesma.<br />
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Enquanto isso, Eliot Ness, jovem economista que trabalhava como investigador para o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, e natural de Chicago, foi escolhido para organizar uma força-tarefa para levantar as responsabilidades de Al Capone nos crimes de evasão de divisas e violação das leis de proibição. Fazendo um levantamento meticuloso entre os oficiais da polícia de Chicago, ele escolheu 11 homens que seguramente não receberam propina de Capone - "Os Intocáveis". Apesar de engenhosos esforços para encontrar relações de Capone com o crime organizado, ele finalmente conseguiu levá-lo a julgamento apenas por evasão fiscal.<br />
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Depois de vários julgamentos entre 1929 e 1932 que foram anulados ou em que fora absolvido, Al Capone foi considerado culpado de 5 das 22 acusações de sonegação (em parte porque seus advogados insistiam na tese espúria de que Capone era desprovido de bens e posses devido a pesadas perdas no jogo), e condenado a 11 anos de prisão. Sifilítico desde a juventude, seu estado mental se deteriorou rapidamente na cadeia. Ficou preso na Penitenciária Federal de Atlanta, em Alcatraz e em Terminal Island. Ele foi solto em 1939 e imediatamente internado para tratamento da demência associada à sífilis em Baltimore. Passou os últimos anos recluso na sua mansão em Palm Island, Flórida. Morreu após um infarto em 25 de janeiro de 1947. Apenas anos após sua morte, Al Capone foi responsabilizado por atividades criminosas em Chicago, incluindo contrabando e assassinato (pelo menos 33 pessoas foram mortas sob suas ordens).<br />
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A prisão de Capone, se não levou ao fim da máfia de Chicago, a fez operar de maneira muito mais discreta, ainda que com a complacência do poder público local que dela ainda se abastecia. Com a retomada do comércio legal de bebidas alcoólicas, os chefões passaram a apelar para grandes esquemas de lavagem de dinheiro usando cassinos e remessas de dinheiro ao exterior sob empresas de fachada (algumas gangues menores optaram pelo tráfico de drogas, que os chefões da máfia haviam de maneira geral proibido em Atlantic City). No entanto, um dos capangas mais próximos a Capone, Tony Accardo (que era conhecido no meio pelo uso do taco de baseball como arma de preferência - "Joe Batters", o "João do Taco" - e embora compartilhemos do sobrenome, ele não seja meu parente) continuou reinando na cidade até início dos anos 1960, e morreu em 1992 com grande parte da sua fortuna perfeitamente legalizada.<br />
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Eliot Ness morreu em decorrência do alcoolismo (ironicamente) em 1957, mas chegou a publicar uma autobiografia, intitulada Os Intocáveis, onde o clímax é a investigação e condenação de Al Capone. Sua história seria adaptada em uma série homônima de TV entre 1959 e 1963, e em um filme em 1987 dirigido por Brian de Palma, com atuação memorável de Robert de Niro (que vivera um jovem Vito Corleone em ascenção no filme O Poderoso Chefão II) como Al Capone.Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8010033261722405130.post-15042363457495805702017-04-24T06:50:00.000-07:002018-07-08T22:26:16.344-07:00A Guerra de Tróia<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><span style="color: #1d2129; font-family: "times" , "times new roman" , serif;">S</span><span style="color: #1d2129; font-family: "times" , "times new roman" , serif;">egundo a datação baseada nas concatenações de Eratóstenes, que coincide com o período em que o estrato VII do sítio arqueológico de Hissarlik teria sido catastroficamente queimado, o dia 24 de abril de 1184 a.C. teria sido o dia em que uma grande confederação micênica destruiu a cidade de Tróia.</span></span></div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129; font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br></span></div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129; font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">As fontes primárias do que sabemos de Tróia são os poemas épicos de Homero, Ilíada e Odisséia, cujos s</span><span style="color: #1d2129; font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">upostos fatos históricos estão costurados com mitos, recursos estilísticos, licenças poéticas, anacronismos, e possivelmente, com outros episódios históricos de sítios e batalhas anteriores ou posteriores. A identificação do sítio de Hissarlik (que em turco significa "Lugar da Fortaleza"), no litoral da Turquia, como a mais provável localização da antiga Tróia, nos dá os dados mais objetivos do que pode ter acontecido. O local, hoje situado a 6,5 km da costa, havia sido habitado sucessivamente por diversas culturas desde o Neolítico, e destruído várias vezes. O estrato VII corresponde ao maior perímetro alcançado por uma cidade naquele local, construído sobre uma colina formada sobre ruínas anteriores, e teria sido destruído na época em que se supõe que a Guerra de Tróia tenha acontecido. O conhecimento, ou a atribuição desta localidade a Tróia parece ter subsistido por muito tempo, pois há indícios de que <a href="http://efemerides-hoje.blogspot.com.br/2015/06/a-morte-de-alexandre-o-grande.html" target="_blank">Alexandre da Macedônia</a> passou ali para prestar tributo 800 anos depois da data suposta para a destruição da cidade. Há muita contextualização histórica sobre o que pode ou não ter acontecido, juntando a literatura pré-clássica com a arqueologia e o que se conhece do mundo ao redor de tudo isso.</span></div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129; font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br></span></div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129; font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">A civilização micênica consistia de uma colcha de retalhos de pequenos reinos e cidades-estado que cobriam o Peloponeso e o sul da Grécia, e que, no seu apogeu, estendia sua esfera de influência sobre Creta, ilhas do Egeu e do Mar Jônico. O nome da civilização deriva da sua cidade mais importante, Micenas, no oeste do Peloponeso, que floresceu com o comércio marítimo, especialmente após o primeiro colapso da civilização minoica, na Ilha de Creta, a partir de 1450 a.C.. A Guerra de Tróia aconteceu no momento em que o mundo micênico estava para ser alterado profundamente com a gradativa e particularmente violenta invasão da tribo dos dórios, vindos do norte. Esses dórios, falantes de um dialeto grego, obliterariam a Grécia de tal maneira que o outrora opulento mundo micênico, produtor de obras arquitetônicas e artísticas sem paralelos no Mediterrâneo do seu tempo, permaneceria praticamente em "silêncio" por cerca de 600 anos, deixando um vácuo de poder no Mediterrâneo que seria preenchido pelos fenícios. A guerra teria sido, em última análise, provocada pelo estrangulamento da economia micênica na Grécia devido ao avanço dos dórios, e então os aliados micênicos (os "Aqueus" de Homero) procuraram abrir caminhos para a expansão econômica em direção à Ásia. Mas Tróia estava no caminho, capitaneando uma outra confederação de pequenos reinos no noroeste da Turquia (a "Trôade"), dominando as rotas comerciais que vinham do Império Hitita, no leste, e chegavam ao Mediterrâneo.</span></div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129; font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br></span></div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129; font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">A versão poética de Homero coloca a Guerra de Tróia como o clímax de uma disputa entre deuses; Helena foi um dos três bebês nascido de um ovo posto por Leda depois de ser seduzida por Zeus transformado em cisne. Seus irmãos, Cástor e Pólux, nascidos para serem atletas e guerreiros extraordinários (com a participação em vários ciclos mitológicos, como a expedição dos argonautas), resgataram a pequena Helena, reconhecidamente a mulher (embora tivesse talvez 10 anos de idade) mais bela de toda a Grécia, quando foi raptada pelo herói Teseu, e levada em segurança a Esparta. Ali, foi tomada em casamento pelo rei Menelau, personagem de personalidade fraca e dependente, que enviara seu ousado irmão Agamenon, rei de Micenas, para participar do concurso de lutas e habilidades mediados pelos irmãos da princesa - Agamenon receberia a mão da meia-irmã de Helena, Clitemnestra. </span></div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129; font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br></span></div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129; font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Quando chegou-se a este estado de coisas, Zeus havia organizado um banquete de casamento ao herói Peleu e à deusa Tétis (pais do herói aqueu Aquiles), porém a deusa da discórdia Éris não fora convidada. Ela se apresentou ao banquete com uma maçã de ouro, que seria entregue à mais bela das deusas. Como Hera, Atena e Afrodite se candidatassem e houvesse desacordo sobre qual das três mereceria o prêmio, Zeus escolheu o príncipe troiano Páris para julgá-las, pois ele já havia provado ser justo em julgamentos anteriores. As três deusas desfilaram diante do mortal, mas foi preciso que ele as examinasse uma a uma, nuas. Na ocasião, cada deusa tentou persuadi-lo com uma recompensa pela sua escolha: Hera ofereceu a ele o poder sobre todos os reinos da Europa e da Ásia; Atena lhe ofereceu sabedoria e habilidade na guerra para que suas conquistas não tivessem limites; Afrodite prometeu a Páris a mão da mais bela mulher do mundo, Helena. A deusa do amor foi a eleita.</span><br>
<span style="color: #1d2129; font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br></span>
<span style="color: #1d2129; font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Atena e Hera não deixariam barato. Quando Páris foi enviado por seu pai Príamo, rei de Tróia, em missão diplomática a Esparta, o príncipe foi arrebatado por Helena, e, possivelmente após tê-la violentado, fugiu com ela de volta a Tróia. Como a cidade asiática fosse poderosa demais para o exército de Menelau sozinho - e como Menelau não tinha o respeito de seus pares - ele recorreu a Agamenon para arregimentar e liderar uma confederação helênica contra Tróia para resgatar Helena e vingar a sua desonra. A partir do posicionamento de Afrodite a favor de Páris, e Atena e Hera junto aos aqueus, todos os deuses do Olimpo, semideuses e heróis míticos tomariam partido de um lado ou de outro.</span></div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129; font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br></span></div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129; font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Os 1186 navios contados por Homero no porto de Áulis (teriam sido mais se o rei de Creta tivesse enviado as 50 naus que prometera, e não apenas uma transportando 49 miniaturas de barro) ficaram presos ali por falta de ventos até que o adivinho Caucas revelou que Agamenon precisaria sacrificar uma filha para aplacar a deusa Ártemis - a morte da pobre Ifigênia é o tema da trágica Ifigênia em Aulis, de Eurípides. Entre a reunião em Áulis e a chegada às praias de Troia teriam transcorrido quase 10 anos. Os eventos da Ilíada correspondem ao último ano da guerra, especificamente os 52 dias entre o desembarque das tropas até a morte do príncipe troiano Heitor, capitão das defesas da cidade, pelas mãos do enfurecido Aquiles. O poema seguinte, Odisseia, encontra Odisseus embarcando em sua jornada de volta para casa depois da guerra. O momento da queda de Troia, curiosamente, não é narrado "ao vivo" em nenhuma das fontes (apenas em retrospectiva no segundo poema), mas ela teria ocorrido quando, depois da morte de Aquiles, seu guerreiro mais poderoso, e diante de um impasse, já que as defesas da cidade não davam sinal de que cairiam (Tróia ainda recebia reforços vindos do interior e do estrangeiro), Odisseus surgiu com a ideia de construir um cavalo com a madeira dos barcos parados na praia e presenteá-lo aos inimigos. Com a praia vazia, os troianos foram convencidos de que os aqueus haviam ido embora e levaram o cavalo para o interior das muralhas. Uma vez lá dentro, à noite, guerreiros gregos escondidos no estômago da estátua saíram e destruíram a cidade por dentro. Helena foi enfim resgatada e trazida de volta a Menelau, que passara a maior parte do ataque escondido em sua tenda, delegando comando a Agamenon. A Odisseia, acompanhando o filho de Odisseus, Telêmaco, em busca de informações sobre o paradeiro do pai, revela uma Helena enfadada da vida com Menelau.</span></div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129; font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br></span></div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129; font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">De qualquer maneira, a queda de Tróia, que poderia ter representado o apogeu, ou uma nova era para a civilização micênica, pode ser tratada como o seu canto do cisne, uma vez que as invasões dóricas, propiciadas por graves crises sociais e econômicas em Micenas e todas as outras grandes cidades em volta, varreriam quase toda a Grécia (notadamente, Atenas teria sido poupada) logo em seguida e a transformariam para sempre. A destruição de Tróia teria sido uma medida desesperada. Nos séculos seguintes à invasão dórica e ao colapso de Micenas, povos vindos do mar se abateram desesperadamente contra os reinos cananitas, os hititas e o Egito, e alguns conjecturam que esses "Povos do Mar", como os egípcios os chamavam, seriam os povos, incluindo os aqueus, deslocados pelos invasores dóricos na Europa e no Mediterrâneo.</span></div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129; font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;"><br></span></div>
<div style="background-color: white; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="color: #1d2129; font-family: "georgia" , "times new roman" , serif;">Os poemas de Homero com certeza foram construídos e preservados oralmente por cantores ao longo dos séculos seguintes (colocando em cheque a identidade de "Homero" como apenas uma pessoa), e foram finalmente compilados por escrito entre 600 e 700 anos depois daquele evento. Eles são a última memória daquela civilização. E também são a matéria prima, o mito fundador da identidade helênica, e a matriz de praticamente toda a literatura ocidental até hoje.</span></div>
Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8010033261722405130.post-19014775393771335352017-04-13T06:05:00.000-07:002017-04-13T06:08:06.352-07:00O duelo<div style="background-color: white; color: #1d2129; margin-bottom: 6px;">
<span style="font-family: inherit;">O dia 13 de abril marca a data em que Miyamoto Musashi derrotou Sasaki Kojiro no famoso duelo entre os dois samurais na ilha de Funajima, em 1612.</span></div>
<div style="background-color: white; color: #1d2129; margin-bottom: 6px;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div style="background-color: white; color: #1d2129; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span style="font-family: inherit;">Musashi já era um espadachin célebre. Tendo sobrevivido à violenta <a href="http://efemerides-hoje.blogspot.com.br/2015/10/sangue-e-lama.html" target="_blank">Batalha de Sekigahara</a> ainda na adolescência, na qual lutou pelo lado derrotado, Musashi vagou pelo centro do Japão desenvolvendo sua técnica de luta. Ele já havia derrotado espadachins famosos ainda jovem, e derrotou sozinho toda a escola Yoshioka de artes marciais, em Kyoto - diz-se que, após derrotar dois dos irmãos Yoshioka, o terceiro armou uma cilada, da qual Musashi teve que derrotar-lo e abrir caminho entre os seguidores que haviam se escondido para matá-lo e fugir. Foi nessa ocasião em que ele desenvolveu seu estilo particular de luta com uma espada longa n<span class="text_exposed_show" style="display: inline;">uma mão e uma curta na outra, conhecido atualmente como <i>Hyoho Niten-ichi-ryu</i> ("Escola de Estratégia dos Dois Céus em Um"), inédito no Japão. Nos seus duelos (que ele afirmava terem sido 60), ele costumeiramente usava uma espada de madeira - mesmo sem uma lâmina apropriada, frequentemente derrotava os desafiantes com apenas um golpe, às vezes fatal.</span></span></div>
<div style="background-color: white; color: #1d2129; margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<span class="text_exposed_show" style="display: inline;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></span></div>
<div class="text_exposed_show" style="background-color: white; color: #1d2129; display: inline;">
<span style="font-family: inherit;"></span><br />
<div style="margin-bottom: 6px;">
<span style="font-family: inherit;">Kojiro emergiu como espadachin famoso ao derrotar vários oponentes usando uma nodachi, uma espada 20 cm mais longa que a katana usual, propagando também o nome da sua escola, <i>Ganryu </i>("Estilo da Grande Rocha"). Ele teria desenvolvido a técnica com a nodachi para responder ao estilo do seu antigo mestre, Toda Seigen, que usava uma antiga kodachi, uma espada mais curta que uma katana, e teria deixado sua academia para fundar sua própria escola após matar o filho de Seigen em duelo. Sua espada era tão longa que ele a chamava "Varal", em alusão a altura do poste que se usava para pendurar roupas, e a lenda dizia que ele treinava abatendo pássaros em voo. Apesar do tamanho e do peso da arma (a nodachi era levada às costas, ao contrário da katana, que era presa à cintura), a sua velocidade era legendária. <span style="font-family: inherit;">Em 1610 o daimyo Hosokawa Tadaoki o nomeou chefe-de-armas do seu feudo após ouvir que Kojiro derrotara três oponentes usando um leque. </span></span></div>
<span style="font-family: inherit;">
</span><span style="font-family: inherit;"></span>
<div style="margin-bottom: 6px;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<span style="font-family: inherit;">
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Musashi foi atraído pela reputação de Kojiro, e sugeriu por um intermediário ao lorde Hosokawa que organizasse um duelo. No dia marcado (13 de abril), Kojiro chegou à ilha Funajima, próximo ao porto de Shimonoseki, escoltado por seguidores. <span style="font-family: inherit;">Musashi, que àquela altura já tinha fama de chegar atrasado aos duelos, fez o de costume, e desembarcou 3 horas mais tarde. Além do atraso, apareceu desarmado, o que ofendeu a entourage do oponente. Porém, durante a viagem, Musashi teria pego um dos remos reservas do barco e esculpido uma espada de madeira mais longa do que o Varal de Kojiro.</span></div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Quando desembarcou na ilha, Musashi ofereceu o primeiro ataque ao adversário. Kojiro teria tentado um golpe característico seu, a "cauda de pardal", um golpe de cima para baixo, seguido de um golpe no sentido contrário, rápido e preciso. Preciso o suficiente para arruinar o penteado de Musashi. Ele então ergueu sua espada esculpida e com um golpe só matou Kojiro com uma fratura no crânio. Uma versão diz que ele teria se esquivado até deixar o sol às suas costas, deixando Kojiro momentaneamente cego, e aproveitando-se para desferir o golpe fatal. Os apoiadores de Kojiro imediatamente acorreram para matá-lo, mas Musashi correu para o barco e fugiu da turba furiosa se aproveitando da maré que abaixava no momento. Uma teoria popular é que o atraso de Musashi teria sido calculado com base na maré para facilitar a sua fuga, uma vez que a ilha Funajima é plana e a baixa da maré abriria rapidamente espaço entre o barco e a ilha, e ele sabia que tentariam matá-lo caso vencesse. Outra teoria é de que Musashi teria esperado todo esse tempo para desestabilizar Kojiro, como fizera com vários outros adversários, e a baixa da maré teria sido uma providência fortuita.</div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<br /></div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
Musashi, que também se tornou mestre de artes como a cerimônia do chá e a pintura, seguiu carreira servindo brevemente a outros senhores (ele se envolveu nas duas batalhas decisivas entre Tokugawa Ieyasu e as forças de Toyotomi Hideyori, novamente atuando pelo lado derrotado), e retirou-se na caverna de Reigando, onde escreveu seu derradeiro livro de estratégia, O Livro de Cinco Anéis, e faleceu, possivelmente de câncer, aos 61 anos. Até hoje é um personagem evocado em motivos nacionalistas - um dos dois super-encouraçados da marinha japonesa na Segunda Guerra Mundial (os maiores e mais pesadamente armados navios de guerra construídos até então) foi batizado com seu nome.</div>
<div style="margin-bottom: 6px; margin-top: 6px;">
<br /></div>
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Esse é também o clímax da novela Musashi, de Eiji Yoshikawa, que ao longo de 7 volumes (dois gigantescos na edição brasileira) constrói a rivalidade entre os dois espadachins ao ponto em que o duelo é inevitável - o popular mangá Vagabond baseia-se na narrativa proposta por Yoshikawa com algumas liberdades. A ilha de Funajima, hoje conhecida como Ganryujima em memória a Sasaki Kojiro, é um ponto turístico de Shimonoseki acessível de balsa, onde encontra-se uma escultura em tamanho real dramatizando o célebre combate (que reproduz os oponentes com tanto realismo que a própria pegada invertida, que era o segredo do estilo de Kojiro, pode ser vista), uma espécie de "túmulo" onde as pessoas rezam por Kojiro (embora ele não esteja sepultado ali), monumentos, trechos de poemas e gravuras.</div>
</span></div>
Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8010033261722405130.post-33455673145203658172017-03-16T10:04:00.000-07:002017-03-16T10:04:16.575-07:00"E fez o que era mau aos olhos do Senhor"Em 16 de março de 597 a.C., o exército do rei Nabucodonosor II da Babilônia capturou Jerusalém e levou o rei Joaquim e grande parte da população judaica cativa.<br />
<br />
Na tradução judaico-cristã, o reino de Israel teria sido fundado no final do segundo milênio a.C. por Saul, que, com a bênção da classe sacerdotal dos levitas e alguma resistência, unificara em torno de si as tribos hebraicas que havia alguns séculos se estabeleceram entre o Líbano, o Sinai, e os antigos reinos de Moabe, Amom e Edom. O reino atingiu uma estabilidade durante o reinado de Davi, e chegou a seu apogeu sob seu sucessor, Salomão - a importância de Salomão é abstraída da Bíblia, que sugere que ele teria como esposas princesas egípcias e hititas, as duas maiores potências da região no século X a.C., que teria recebido tributo da "Rainha de Sabá" (uma rainha etíope, que, segundo a tradição cristã na Etiópia, teria sido amante e gerado um filho de Salomão, de quem os imperadores etíopes alegavam ser descendentes em linhagem direta), além de obter favores dos reis fenícios, que lhe forneciam madeira do Líbano para a construção do grande Templo em Jerusalém. Após Salomão, a luta por poder e a questão religiosa romperam Israel em duas metades, a metade norte ainda identificada como Israel (com capital em Samaria), e a metade sul, o reino de Judá (centrado em Jerusalém).<br />
<br />
Tanto Judá como Israel ocupavam uma faixa de terra que comunica o Egito com o Oriente Médio. É a encruzilhada da principal rota comercial por terra da Idade do Bronze e início da Idade do Ferro. Embora a Bíblia descreva uma miríade de reinos e confira um ar de autonomia às tribos israelitas e aos reinos formados por elas, na prática toda a região esteve, a todo momento, sob o poder direto ou influência econômica e política das super potências da região, alternadamente Egito, Hatti, Assíria, Império Babilônico (no período acadiano), e Neobabilônico (no período caldeu). E a derrota de um deles representava o domínio pelo outro, nunca a liberdade ou a autonomia plena. Mas como, de qualquer forma, a Palestina esteve sempre longe do alcance dos centros de poder desses impérios estrangeiros, para eles sempre foi mais prático manter os reinos locais funcionais e saudáveis prestando-lhes tributo e defendendo terras que entendiam como suas de invasores inimigos do que ocupá-las e construir uma administração própria sobre ela, com todos os problemas que envolvem governar um povo estrangeiro de uma cultura estranha em sua própria terra. Assim, tanto Israel como Judá funcionaram, durante praticamente toda a sua existência, como Estados-tampão que asseguravam privilégios ora de um, ora de outro império mais poderoso, e protegiam indiretamente suas fronteiras contra seus maiores rivais no cenário internacional de momento.<br />
<br />
Por mais que a Bíblia fosse escrita por hebreus e para hebreus, construindo uma narrativa heroica do povo de Israel, ela nos serve como referência para alguns acontecimentos históricos que são confirmados por fontes externas. Na verdade, por muito tempo ela serviu como único registro de alguns eventos ou lugares considerados "míticos" até que a arqueologia fizesse seu serviço, como o registro da existência dos hititas (cuja civilização passou a ser conhecida e estudada apenas a partir de fins do século XIX, a despeito de ter sido simplesmente a principal potência econômica e militar do mundo no seu apogeu). Embora eventos como o Êxodo tenham mais evidências contra do que a favor, toda a sequência de acontecimentos narrados nos livros de Reis e Crônicas produzem uma linha do tempo relativamente confiável, e que coincide com registros deixados pelos egípcios e assírios sobre os acontecimentos na Palestina. E usando <a href="http://efemerides-hoje.blogspot.com.br/2015/05/o-eclipse-de-tales.html" target="_blank">eventos-chave que podem ser datados com precisão</a>, é possível até determinar o dia em que aconteceram. A queda de Jerusalém, narrada na Bíblia, é confirmada e precisamente datada em crônicas babilônicas. Uma delas fala diretamente do cerco findo em 16 de março de 597 a.C., e dá a dimensão da pequenez de Judá diante dos impérios ao seu redor, quando o cronista caldeu se refere a todo o reino como "Hatti" (em referência ao império hitita do qual fez parte até dois séculos antes), e a Jerusalém como "a cidade de Judá".<br />
<br />
Nas últimas décadas de sua existência, o Império Assírio adotou uma postura agressiva na sua competição com o Egito, o que resultou na invasão do Reino de Israel, na queda de Samaria , entre 723 e 721 a.C., e na deportação dos israelitas, dispersos (talvez para sempre) pelas suas principais cidades. Judá foi salvo no último momento, quando, após uma longa campanha, soldados assírios ameaçaram desertar em massa, provocando um recuo repentino. A Assíria mergulharia em uma série de guerras civis e deixaria de existir, suplantada pelos seus antigos vassalos caldeus durante uma longa guerra, entre 620 e 612 a.C.. Estes caldeus, liderados por Nabopolassar, estabeleceram sua capital na Babilônia.<br />
<br />
Antes do declínio final, a Assíria havia assumido uma posição tão proeminente que seu apoio foi fundamental para o estabelecimento da XXVI Dinastia no Egito. Durante o colapso do poder em Nínive, o faraó Neco II tomou a iniciativa de apoiar seus antigos aliados contra a ameaça comum vinda da Mesopotâmia, mas uma última coalizão de egípcios e assírios foi derrotada em Carquêmis, na Síria, em 605 a.C., abrindo caminho para os caldeus montarem uma ofensiva contra o Egito e assegurar seu poder sobre o Crescente Fértil.<br />
<br />
Com o reino de Israel desfeito pelos assírios, o Reino de Judá subsistia sob a influência egípcia. O rei judeu Jeoaquim havia sido apontado ao trono sob a bênção do faraó em 609 a.C.. O próprio Neco II mudara seu nome de Eliaquim para Jeoaquim no ato da investidura do trono; anteriormente, seu pai, Josias, fora levado preso ao Egito e seu tio nomeado rei em seu lugar (apenas para ser deposto pela facção egípcia três meses depois). A derrota em Carquêmis significou que a força que escorava a autoridade de Jeoaquim não existia mais. Nabucodonosor II, sucessor de Nabopolassar, na sua ofensiva contra o Egito, precisava passar por Judá. Seu exército, que arrasava cidades filisteias no litoral, chegou a Jerusalém talvez em 604 a.C.. Desesperado, Jeoaquim firmou uma aliança com os babilônicos, entregando-lhes uma importância em tesouros e nobres cativos e garantindo sua passagem em segurança para o Egito. Nabucodonosor se retirou e aproveitou a cabeça de ponte providenciada pelos novos aliados judeus para atacar o Egito, mas a campanha fracassou em 601 a.C.. O vacilante Jeoaquim provavelmente entendeu que essa derrota significaria o ressurgimento dos seus "padrinhos" egípcios, e deixou de enviar tributos a Babilônia, oferecendo aliança novamente a Neco II.<br />
<br />
Porém, Egito não iria mais protegê-lo, e Nabucodonosor enviou seu exército para Judá em 598 a.C. Jeoaquim morreu em uma emboscada no final daquele ano e foi sucedido por seu filho Joaquim (ou Jeconias). Joaquim herdara a "dívida" do pai. Após três meses de sítio, talvez pressionado e impossibilitado de reverter a situação ou sustentar o cerco por muito tempo (ou, dependendo do texto bíblico, por ser apenas um garoto de 8 anos!), Joaquim capitulou, entregando-se aos comandantes caldeus. Junto com ele, Nabucodonosor prendeu e conduziu à Babilônia seus parentes mais próximos, nobres e suas famílias, artesãos, e todos os homens e mulheres de posses ou capazes de trabalhar e empunhar armas, além dos tesouros contidos no Templo, deixando a cidade empobrecida e habitada por velhos, inválidos e mendigos. Joaquim (a quem o profeta Jeremias amaldiçoaria em nome de Deus, vedando sua descendência, da qual Jesus faria parte, de sentar-se novamente no trono de Jerusalém), mesmo mantido cativo por mais de 30 anos, acabou tendo uma vida mansa no exílio, com a família sustentada por Nabucodonosor, e mesmo servindo a seu sucessor, Evil-Merodaque (ou Amel-Marduque) como seu conselheiro.<br />
<br />
Para manter Judá como Estado-tampão, o soberano da Babilônia nomeou um tio de Joaquim, Zedequias, ao trono. Este Zedequias, mesmo aconselhado pelo profeta Jeremias, sendo jovem e orgulhoso, rebelou-se buscando aliança com o novo faraó Apriés. Isso não impediu os babilônicos de cercarem novamente Jerusalém, um cerco prolongado de 30 meses que teria levado os habitantes à miséria e talvez ao canibalismo. Ao final, com a resistência rompida e os inimigos invadindo a cidade (que foi arrasada, e seu Templo destruído), Zedequias tentou fugir com seus familiares, mas foi capturado e obrigado a ver seus parentes serem executados selvagemente, antes de ter os olhos arrancados e ser arrastado para a Babilônia. Judá foi tornada uma província totalmente integrada à administração neobabilônica, governada diretamente por um designatário de Nabucodonosor, um hebreu chamado Gedalias, e guardada por um destacamento do exército caldeu. Jerusalém nunca mais viu um rei da linhagem de Davi.<br />
<br />
A existência da Arca da Aliança é uma questão de fé, porque tal artefato tão extraordinário não é mencionado em nenhum lugar fora da Bíblia, nem sequer entre os filisteus, que a teriam capturado e guardado como um tesouro valioso. Supondo ela ter existido, ela deixa de ser mencionada na Bíblia muito antes destes acontecimentos. Na última menção a ela, estava guardada no Santo dos Santos, um cômodo no interior do Templo de Salomão ao qual a Bíblia dá uma descrição particularmente rica. Por isso, é ponto pacífico que ela tivesse permanecido inviolada no Templo desde a sua construção. A Bíblia, contudo, não registra o momento em que ela desaparece. Uma das possibilidades é que ela tenha sido levada para a Babilônia como parte do tesouro do templo na primeira conquista de Jerusalém (na data de hoje). Outra possibilidade igual é que tenha sido levada, e/ou destruída, quando a cidade caiu pela segunda vez (os babilônios estavam atrás de ouro, e a Arca, embora folheada a ouro, era apenas uma caixa de madeira sem valor simbólico para eles). Os profetas Jeremias e Ezequiel, que foram testemunhas de grande parte deste período, não nos dão qualquer informação a respeito.<br />
<br />
A destruição do Templo marca o início da primeira diáspora judaica - embora o grosso da população judaica já estivesse no exílio na Babilônia, a destruição da sua capital e cidade santa os deixou momentaneamente sem um "lar" ao qual pudessem aspirar retornar. Seria um conquistador persa - Ciro - quem comandaria <a href="http://efemerides-hoje.blogspot.com.br/2015/10/a-volta-para-casa.html" target="_blank">o retorno dos judeus cativos à Palestina e a reconstrução do seu país.</a>Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8010033261722405130.post-20791222247616826002017-03-08T07:14:00.003-08:002017-03-08T07:15:48.295-08:00Baronesa do arEm 8 de março de 1910, antes desta data ser usada para comemorar o Dia Internacional da Mulher, Elise Raymonde Deroche, conhecida também como "Baronesa de Laroche", se tornou a primeira mulher a receber uma licença para pilotar aviões.<br />
<br />
Elise Raymonde Deroche nasceu em 1882 em Paris, filha de um encanador. Criança inquieta, brincava com meninos e praticava esportes. Conforme crescia, seu interesse migrava para veículos a motor, especialmente motocicletas. Aventurou-se brevemente como atriz, conheceu algumas figuras famosas da época. Dizia-se ter um charme arrebatador que lhe abria portas.<br />
<br />
Na virada do século, Paris vivia um período de efervescência no campo da mecânica e da engenharia: como forma de incentivo, ricaços locais e associações promoviam competições e distribuíam prêmios para engenheiros que demonstrassem publicamente, com sucesso, suas invenções. Balões dirigíveis produziam espetáculos muito populares, e em 1906, o vôo do 14-Bis - a primeira aeronave mais pesada que o ar a decolar, realizar um voo controlado e pousar, mesmo que atabalhoadamente, por seus próprios meios - construído e pilotado por Alberto Santos Dumont causou enorme impressão. Quase imediatamente engenheiros locais e estrangeiros começaram a apresentar suas próprias versões da máquina voadora, tudo coberto com grande entusiasmo pela imprensa.<br />
<br />
Deroche acompanhava tudo com enorme curiosidade, mas só veio a presenciar um voo de verdade quando foi assistir a uma exibição de Wilbur Wright (um dos irmãos Wright, que criaram uma aeronave impulsionada por uma catapulta antes do 14-Bis). Wright permaneceu em Paris por algumas semanas e realizou cerca de 120 demonstrações públicas com seus aviões. Em maio daquele ano uma certa senhorita P. Van Pottelberghe se tornou a primeira mulher a voar em um avião, na Bélgica (como passageira). Na França, um mês e meio depois, foi a vez de Thérèse Peltier voar numa aeronave construída pelo engenheiro Charles Voisin, num voo que durou 30 minutos pilotado pelo escultor Leon Delagrange. Peltier iria além e se tornaria a primeira mulher a pilotar um avião (por 200 metros numa base militar em Turim), e chegara a se inscrever para um prêmio oferecido por Delagrange para a primeira mulher que voasse por mais de 1 quilômetro em voo solo, mas a morte do amigo em um acidente a fez desistir da aviação para sempre.<br />
<br />
Porém, as portas estavam abertas. Em 1909, Elise (que também conhecia Delagrange, que teria sido o pai de seu filho André) entrou em contato com Charles Voisin e pediu que a ensinasse a pilotar. Sua iniciativa e jovialidade (à época tinha 21 anos) deve ter encantado Voisin, pois seu irmão Gabriel escrevera que "meu irmão estava inteiramente aos seus pés".<br />
<br />
Elise foi até a oficina dos irmãos Voisin em Chalons, a leste de Paris. Ali, um dos mecânicos que atuava como instrutor, um certo senhor Chateau, a orientava enquanto ela taxiava um dos modelos de Voisin pela pista, e depois de alguns minutos (contra a orientação de Voisin), ela acelerou e levantou voo, sobrevoando uma distância de quase 300 metros. No dia seguinte, ela deu duas voltas sobre o campo de pouso de Chalons, sobrevoando 6 quilômetros, manobrando nas curvas com facilidade apesar dos ventos. Como o voo anterior de Thérèse Peltier não fora registrado na imprensa, o feito de Deroche foi publicado na França e na Inglaterra como o primeiro voo pilotado por uma mulher (a revista Flight de outubro de 1909 descreveu Elise como "a primeira aviadora". A revista também a chamou de "baronesa" sem qualquer motivo).<br />
<br />
Elise (que naquela altura se apresentava publicamente como Raymonde de Laroche) sofreu uma queda em janeiro de 1910 quando a cauda do seu avião resvalou em uma árvore enquanto descia para a aterrissagem. Como a altitude era baixa, e as velocidades atingidas não eram muito altas, ela escapou com uma concussão e uma fratura no braço. Mas se recuperara, estava de novo no controle de uma aeronave em exibição em Heliópolis, no Egito, quando a Federação Aeronáutica Internacional lhe concedeu a licença número 36.<br />
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Depois do Egito, ela voou em São Petersburgo, onde a imprensa russa a apresentava como "Baronesa de Laroche" (ela incorporaria o título fictício pelo resto da vida). O parque de aviação era pequeno, e havia pouco espaço de manobra, já que os aviões não atingiam grandes alturas. Ela sobrevoou árvores, telhados, e teve que atravessar a fumaça negra das fábricas no entorno, e, ao se aproximar para o pouso, desligou o motor a 100 metros de altura, planando até o solo. O próprio Czar Nicolau II veio cumprimentá-la e perguntar como se sentia. "Com o coração na boca". Em outra exibição em Budapeste ela voara por 37 minutos, desviando de chaminés e esgrimando as correntes de ar geradas pelo calor das fábricas.<br />
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Voar naqueles primeiros anos era incrivelmente perigoso porque as máquinas eram tudo, menos seguras. Motivo pelo qual os pilotos eram vistos como heróis. A "Baronesa" se acidentou uma segunda vez numa exibição em Rouen ainda em 1910, quando uma forte corrente a obrigou a apontar o nariz para baixo, provocando a queda (ela teve a presença de espírito de manter o motor funcionando, porque se tivesse perdido velocidade, teria caído sobre o público). Ela teve múltiplas fraturas, mas voltou ao ar em alguns meses. Mais um acidente (desta vez, de carro) em 1912 causou mais ferimentos, mas Charles Voisin, que dirigia o veículo, faleceu. Não obstante, Elise voltou aos ares, conquistando um prêmio do Aeroclube da França por fazer um voo solo ininterrupto de 4 horas.<br />
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Em 1914 veio a Primeira Guerra Mundial. A Força Aérea Francesa recusou a participação de mulheres em combate, e, de fato, as poucas mulheres habilitadas a pilotar foram obrigadas a ficar em terra, mesmo para voos de demonstração, porque o ar tornara-se "muito perigoso". De forma que de Laroche contribuiu com o esforço de guerra como motorista, levando oficiais para as frentes de combate, não raro tendo que evitar os ataques de artilharia alemães. A guerra levaria a enormes avanços na aviação. Em 1919, com o fim da guerra e liberada do serviço militar, a Baronesa voltou aos ares, pilotando máquinas muito mais complexas e avançadas do que as que tinha aprendido a pilotar. Estimulada a explorar este novo potencial, em junho daquele ano ela estabeleceu dois recordes para mulheres, um de altitude máxima (4800 metros) e outro de distância percorrida (323 quilômetros).<br />
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Em 18 de julho ela se ofereceu para ser piloto de testes de um novo protótipo construído por René Caudron em Le Crotoy. Era uma aeronave de dois lugares, mas não existe informação concreta se ela estava no comando ou copilotando. De qualquer forma, na aproximação do pouso, o avião perdeu sustentação e desceu em parafuso em direção ao solo. Raymonde de Laroche morreu na hora, e o seu colega na ocasião a caminho do hospital. Seu corpo está sepultado no cemitério-parque Père Lachaise, em Paris. No aeroporto de Paris-Le Bourget, usado hoje por aeronaves de pequeno porte (onde Charles Lindbergh encerrou sua célebre travessia do Atlântico em 1927), há uma estátua em sua homenagem.<br />
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Embora mulheres intrépidas como a Baronesa de Laroche e a americana Amelia Earhart tenham se tornado celebridades da aviação do seu tempo, as mulheres nunca conquistaram muito espaço neste ramo. Em parte, talvez, por causa de restrições militares às mulheres piloto, como a que impediu a atuação de Laroche na Primeira Guerra - os "ases", todos homens, seriam heróis e se tornariam modelos para a profissão. Mesmo hoje, a aviação comercial não se apresenta como uma "coisa de mulher". Em pleno 2016, sete passageiros de um voo entre Miami e Buenos Aires se recusaram a embarcar quando souberam que a comandante e sua copiloto seriam mulheres. No Brasil, atualmente, existem apenas 197 mulheres entre quase 14 mil pilotos habilitados.Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8010033261722405130.post-13692731172469189402017-02-23T06:06:00.000-08:002017-02-23T06:10:22.145-08:00"Esses são meus amigos, os sequestradores"<span style="font-family: inherit;"><span style="background-color: white;">Hoje é dia de cross posting com o<a href="http://historiasdaformula1.blogspot.com.br/2008/10/esses-so-meus-amigos-os-sequestradores.html" target="_blank"> Histórias da Fórmula 1.</a> Há 59 anos ocorreu um dos fatos mais insólitos na história dos Grandes Prêmios. Em fevereiro de 1958 seria disputado o segundo </span><span style="background-color: white;">Grande Prêmio de Cuba</span><span style="background-color: white;">, nas ruas da capital Havana, prova extra-campeonato que contava com pilotos e carros do </span><span style="background-color: white;">Campeonato Mundial de Fórmula 1</span><span style="background-color: white;">. A presença mais ilustre era a do já pentacampeão mundial </span><span style="background-color: white;">Juan Manuel Fangio</span><span style="background-color: white;">, convidado pela organização da prova.</span></span><br />
<span style="font-family: inherit;"><br style="background-color: white;" /><span style="background-color: white;">O Grande Prêmio de Cuba havia sido planejado pelo ditador </span><span style="background-color: white;">Fulgêncio Batista</span><span style="background-color: white;">, à época enfrentando problemas com a guerrilha baseada em Sierra Maestra, o </span><span style="background-color: white;">Movimento 26 de Julho</span><span style="background-color: white;">, liderado por </span><span style="background-color: white;">Fidel Castro</span><span style="background-color: white;">, para tentar aumentar o prestígio do seu regime, e, com alguma sorte, atrair as atenções de possíveis aliados para os problemas internos da ilha. "El Chueco" Juan Manuel Fangio se tornou, involuntariamente, uma peça chave nos esquemas do ditador... e dos guerrilheiros.</span></span><br />
<span style="font-family: inherit;"><br style="background-color: white;" /><span style="background-color: white;">Na noite anterior ao Grande Prêmio, Fangio se reunia com seus mecânicos no saguão do </span><span style="background-color: white;">Hotel Lincoln</span><span style="background-color: white;">, e estava confiante na vitória no dia seguinte. De repente, um homem armado com uma pistola 45 mm irrompeu, apontando a arma para Fangio e dizendo: </span><span style="background-color: white; font-style: italic;">"Desculpe Juan, mas terá que me acompanhar."</span><span style="background-color: white;"> Era um membro do Movimento 26 de Julho. Todos permaneceram imóveis. O piloto Alejandro D'Tomaso, que estava presente, fez um breve movimento com as mãos, ao que o sequestrador respondeu aos berros: </span><span style="background-color: white; font-style: italic;">"Cuidado, se mexer eu atiro! Outro movimento e os mato!"</span><span style="background-color: white;"> Fangio, no entanto, parecia tranquilo, e não resistiu (de princípio, pensava ser um trote do seu empresário, que estava presente). O homem armado, com a arma apontada para suas costas, o levou para fora do hotel até a esquina, onde um carro os esperava.</span></span><br />
<span style="font-family: inherit;"><br style="background-color: white;" /><span style="background-color: white;">Após uma hora escondido no chão do carro, Fangio chegou ao lugar que supunha ser o cativeiro. Entrou em uma casa por uma escada de incêndio. Em um quarto, uma mulher com um filho, em outro, um homem ferido. Os homens saíram, deixando dois companheiros de guarda do argentino. Momentos depois, o levaram novamente a um novo veículo, que o conduziu, de olhos vendados, até uma casa num bairro nobre de Havana. Ali havia muita gente festejando o sucesso da operação. Alguns pediam autógrafos. E El Chueco, amigável, chegou a reclamar que não havia jantado ainda.</span><br style="background-color: white;" /><span style="background-color: white;">Aliás, um ato de terrorismo logo se transformou numa das lembranças mais agradáveis da carreira de Fangio. Embora El Chueco nunca se definisse politicamente, na ocasião simpatizava com movimentos de esquerda e sabia da situação ruim que a ilha vivia desde o golpe de Batista em 1952. Naquela noite, a dona da casa lhe serviu batatas fritas com ovos, que ele comeu com gosto. Na manhã seguinte, o revolucionário </span><span style="background-color: white;">Faustino Perez</span><span style="background-color: white;">, um dos mentores de toda a operação, lhe trouxe os jornais, e atendeu imediatamente o pedido do argentino de que avisasse a sua família sobre o ocorrido. Ele apenas se recusou a assistir a corrida pela TV. O circuito, montado na parte costeira da capital, possuía um salto numa reta que fazia seu </span><span style="background-color: white;">Maserati 450S</span><span style="background-color: white;"> quase se desmanchar ao tocar o solo. A corrida foi interrompida por causa de um acidente com dois carros (6 pessoas morreram, 40 feridas), e Fangio, depois, pensou que o destino lhe enviara os sequestradores para poupá-lo dos perigos do percurso. </span><span style="background-color: white; font-style: italic;">"Senhores, vocês me fizeram um favor"</span><span style="background-color: white;">, disse aos raptores.</span></span><br />
<span style="font-family: inherit;"><br style="background-color: white;" /><span style="background-color: white;">O objetivo do grupo era manter Juan Manuel Fangio em cativeiro até o término da corrida. Terminado o prazo, pensaram em como libertá-lo sem correr riscos, pois uma morte acidental de Fangio num tiroteio (ou até se fosse assassinado por homens do ditador) faria muito mal à imagem do Movimento. Então Fangio sugeriu que o levassem até a embaixada argentina (cujo embaixador era primo de Che Guevara). Ao ser deixado lá por uma mulher e dois jovens, Fangio, sorridente, os anunciou: </span><span style="background-color: white; font-style: italic;">"esses são meus amigos, os sequestradores"</span><span style="background-color: white;">, e obteve garantias de que nenhum mal seria feito a eles naquele local. Foram 26 horas de cativeiro.</span></span><br />
<span style="font-family: inherit;"><br style="background-color: white;" /><span style="background-color: white;">Do dia para a noite, Fangio se tornou muito popular nos Estados Unidos, que acompanhavam com apreensão os acontecimentos em Cuba (estranhamente, Fidel Castro era uma figura bastante popular entre os jovens americanos, antes de firmar acordos bélicos com a União Soviética). O argentino notou, posteriormente, que </span><span style="background-color: white; font-style: italic;">"depois de 5 vezes campeão mundial, de ter vencido em Sebring, foi o sequestro em Cuba que me fez popular nos Estados Unidos"</span><span style="background-color: white;">.</span></span><br />
<span style="font-family: inherit;"><br style="background-color: white;" /><span style="background-color: white;">Os revolucionários venceram esse jogo, pois Fangio se tornou uma espécie de embaixador do movimento ao mostrar para a imprensa de todo o mundo que o seu seqüestro não foi algo tão hediondo, e que as intenções dos revoltosos eram boas. A repercussão foi positiva para o Movimento 26 de Julho.</span></span><br />
<span style="font-family: inherit;"><br style="background-color: white;" /><span style="background-color: white;">Seu envolvimento com a Revolução não acabou ali. Ainda naquele ano, intercedeu ao general Miranda para que o rapaz que o raptara no hotel, então preso, não fosse maltratado. Quando Fidel Castro assumiu o poder, enviou um convite a Fangio para uma visita a Havana, que ele não pôde atender. No aniversário de 25 anos da Revolução, o argentino recebeu um telegrama de Fidel com saudações de </span><span style="background-color: white; font-style: italic;">"seus amigos, os sequestradores"</span><span style="background-color: white;">, recordando que </span><span style="background-color: white; font-style: italic;">"mais do que um sequestro e detenção patriótica, serviu, junto com sua nobre atitude e justa compreensão, à causa de nosso povo, que sente por você grande simpatia, e em nome da qual o saudamos por um quarto de século."</span><span style="background-color: white;"> Recebeu uma carta semelhante do governo cubano na ocasião do seu 80º aniversário, novamente remetida pelos </span><span style="background-color: white; font-style: italic;">"seus amigos, os sequestradores"</span><span style="background-color: white;">. </span></span><br />
<span style="font-family: inherit;"><br style="background-color: white;" /><span style="background-color: white;">Hoje, na entrada do Hotel Lincoln, há uma placa de bronze, onde se lê: </span><span style="background-color: white; font-style: italic;">"Na noite de 24-2-58, neste mesmo lugar, foi sequestrado pelo comando do Movimento 26 de Julho, dirigido por Oscar Lucero, o cinco vezes campeão mundial de automobilismo Juan Manuel Fangio. Isso significou um duro golpe propagandístico contra a tirania batistiana e um importante estímulo para as forças revolucionárias."</span></span><br />
<br />Monocromáticohttp://www.blogger.com/profile/14302076486494979669noreply@blogger.com0