sexta-feira, 3 de julho de 2015

Extinções

No dia 3 de julho de 1844, dois islandeses estrangularam e mataram as duas últimas grandes aucas, ou araus-grandes, aves marinhas que habitavam os rochedos do Atlântico Norte, selando a extinção da espécie.

As grandes aucas eram aves incapazes de voar, que andavam desajeitadamente em terra, onde se reproduziam e se abrigavam do frio do inverno, e nadavam com agilidade para caçar pequenos peixes. Tinham o tamanho, a forma aproximada, e as cores dos pinguins, porém com um bico mais robusto. Apesar da semelhança com essas aves marinhas do sul, pertencia à ordem das gaivotas.

Supõe-se que elas tenham tido seu habitat comprometido com o fim da última era glacial, ficando restritas a redutos muito isolados, fora do alcance de predadores como o urso polar e as focas. Em tempos históricos, homens caçaram esta ave pelas suas plumas, usadas para encher travesseiros. Essa caça adicional foi o impacto necessário para o declínio final da espécie. Sua raridade já no século XVI chamava tanta atenção que ela recebeu proteção oficial em 1553. Em St. John, no Canadá, pessoas flagradas transportando ovos ou penas de aucas recebiam castigos físicos em público. Apesar disso, seu habitat ficou tão restrito que o último local de procriação era o rochedo de Eldey, no sudoeste da Islândia, um monólito escarpado de 3000 m² e a 77 metros acima do mar, onde compartilhavam o habitat com outras aves marinhas. No final, os museus, antevendo a extinção das aves, começaram a encomendar a sua captura na ilha para adicionar os exemplares empalhados em suas coleções. Embora tenha sido descrita por Carl Linnaeus em 1753 (o nome científico é Pinguinum impennis), a espécie nunca chegou a ser observada na natureza ou descrita em seu habitat por um naturalista. De maneira que tudo que se sabe dela deriva da memória de caçadores e observadores casuais, e deduções com base na sua anatomia, especialmente nos tecidos preservados em líquido.

A história das grandes aucas é a história de todas as espécies animais que tiveram a desventura de ter no ser humano um inimigo natural inesperado. A caça além da necessidade de alimentação e abrigo, e a retração do seu habitat natural por conta da atividade humana colocou frente a frente com o ser humano espécies de animais que não evoluíram para se defender de nós ou suportar esta predação adicional. Isso ocorreu principalmente em ambientes insulares, onde os animais evoluíram em isolamento, mas também em ambientes continentais, onde espécies coevoluíram com o ser humano até que este se tornou a espécie dominante. Não faltam exemplos de animais extintos em tempos históricos especificamente por causa da interferência humana - ou caça, ou destruição de habitats, ou introdução antrópica de outras espécies mais agressivas. Aqui vão alguns:

1: O Palaeopropithecus era um gênero com três espécies de lêmures gigantes arborícolas desprovidos de cauda (por isso chamado às vezes de "lêmur-preguiça gigante") que habitavam o centro e o oeste de Madagascar. Conviveram com seres humanos por quase 2000 anos, e se extinguiram por volta do século XVI. Não se tem certeza porque este tipo de lêmur veio a desaparecer enquanto outros primatas da ilha sobrevivem até hoje, mas sabe-se que eles foram caçados para servir de alimento aos habitantes da ilha e seus ossos usados na fabricação de ferramentas. Possivelmente eram lentos, o que os teria tornado presas mais fáceis.

2: Ainda de Madagascar, o formidável Aepyornis (ou "ave-elefante"), gênero com talvez quatro espécies de aves gigantescas incapazes de voar. Aepyornis maximus podia atingir 3 metros de altura e 400 kg. Seus ovos podiam ter 34 centímetros de altura, 160 vezes mais volumoso do que o ovo de uma galinha. Quando os primeiros navegadores europeus passaram pela ilha e viram esses ovos, pensaram ser de um roc, uma espécie de água descomunal capaz de erguer um elefante com suas patas que Marco Polo descrevera em seus relatos sobre o oriente. Curiosamente, há poucos indícios de caça dessas aves por parte dos malgaxes. É possível que, inicialmente, os homens tenham competido com esses animais formidáveis por espaço, já que elas eram fortes e velozes o suficiente para matar um ser humano, e estavam amplamente distribuídas. Mas os ovos eram vulneráveis, e possivelmente usados como alimento (ou propositadamente destruídos). A introdução de aves domésticas ou comensais pode ter, também, colocado os Aepyornis em contato com doenças para as quais não possuía resistência. Ela se extinguiu por volta do ano 1000.

3: Meiolanis platyceps foi uma espécie de jabuti gigante que sobreviveu na ilha da Nova Caledônia até fins do século V a.C.. Tratava-se de um animal com 2,5 metros de comprimento (a segunda maior tartaruga terrestre de que se tem notícia), onde a cabeça, ornada com protuberâncias semelhantes a chifres, era tão grande que impedia que ela a recolhesse para dentro do casco. Ela sobreviveu apenas 300 anos à caça dos novos habitantes humanos da ilha, que se alimentavam da sua carne.

4: O elefante sírio (Elephas maximus sbsp. asurus) conviveu por dezenas de milhares de anos com a presença humana no Oriente Médio, que caçava o animal e usava suas presas para a confecção de objetos. Com o advento das civilizações e da intensificação das trocas comerciais, os objetos decorativos feitos com o marfim do elefante sírio se tornaram artigos de alto valor comercial, que os arameus exploraram avidamente. É possível que essa subspécie do elefante asiático tenha sido extinta por volta de 500 ou 400 a.C.. Contudo, houve um momento em que o Império Selêucida passou a importar elefantes da Índia e empregá-los para diversos fins (especialmente militares) por todo seu império, inclusive no Oriente Médio. É impossível distinguir exatamente se os elefantes na Síria, nessa época, eram da subspécie nativa, ou um elefante indiano selêucida, pois a diferença entre as duas subespécies estava na distribuição geográfica original, e numa ligeira diferença média de tamanho. Haníbal, o general cartaginês que invadiu a Itália durante a Segunda Guerra Púnica com uma coluna de elefantes de guerra entre suas tropas, adotara um elefante asiático imenso que ele batizou de Surus, ou "O Sírio". Talvez tenha sido um indiano selêucida formidável, mas se trava-se de um elefante sírio, pode ter sido o último.

5: Moa-nalo é o nome de uma série de espécies de patos nativos das ilhas havaianas. Eram descendentes de patos migratórios vindos provavelmente na América do Norte que se estabeleceram no arquipélago há mais de 3 milhões de anos e perderam a capacidade de voar. Eram grandes, possuíam grandes bicos serrilhados ou laminados semelhantes aos de tartarugas, e foram os maiores herbívoros do Hawaii (razão pela qual há diversas espécies vegetais de pequeno porte com espinhos ou tóxicas por lá). Quando os polinésios chegaram, as aves, dóceis, foram presas fáceis não apenas para humanos, como para animais domésticos, como porcos. Os últimos morreram na virada do primeiro milênio d.C..

6: A moa (várias espécies da família Dinornithiformes) e a água de Haast (Harpagornis moorei) eram os maiores animais da Nova Zelândia. As moas eram aves corredoras, desprovidas de asas que podiam alcançar até 3,5 metros de altura quando totalmente eretas. Eram herbívoras, e, a despeito do tamanho, tinham seu próprio inimigo natural: a águia de Haast tinha até três metros de envergadura. Porém a sua envergadura não diz sobre as suas dimensões gerais, porque, como uma caçadora de ambientes florestais, ela tinha asas proporcionalmente curtas para manobrar entre as árvores enquanto se abatia sobre a presa. Seu pé, aberto da ponta do tarso até a ponta do primeiro dedo, podia chegar a quase 50 cm de comprimento, e a mandíbula media quase 12 cm; ela mergulhava sobre as moas, cravava suas garras em suas costas ou seu pescoço derrubando-as no chão, e bicava em pontos vitais para abatê-las. Toda essa relação ecológica foi subitamente interrompida com a chegada dos Maori próximo a 1280. As moas foram caçadas até a extinção perto de 1400, e a água de Haast, sem a sua caça, também desapareceu.

7: O tilacino, ou lobo da Tasmânia, era um marsupial carnívoro restrito à ilha da Tasmânia, no sul da Austrália. Como um predador de topo de cadeia, sua população nunca foi muito numerosa na ilha, embora espécies aparentadas tenham vivido por toda a Austrália e Nova Guiné. Nesses dois lugares, a competição por caça e abrigo com homens e o dingo, um cão que chegou ao domínio australiano, levou ao seu fim, mas ainda assim ele subsistiu bem na Tasmânia até fins do século XIX. Os novos colonos europeus trouxeram consigo cães, gatos e raposas, que competiam com o lobo da Tasmânia por alimento e território. Além disso, os tilacinos foram deliberadamente caçados por fazendeiros, que os responsabilizava pela perda de galinhas, ovelhas, coelhos e outros animais de criação. O caso do tilacino é um dos mais célebres, porque trata-se de um caso de extinção que foi largamente monitorado por naturalistas e pela imprensa no começo do século XX (existe um registro em vídeo dos últimos tilacinos em cativeiro). O último exemplar morreu num zoológico australiano em 1936. Apenas dois meses depois o governo australiano decretou uma lei protegendo a espécie.

8: O rinoceronte negro ocidental (Diceros bicornis sbsp. longipes) foi muito caçado, principalmente entre o fim do século XIX e o início do século XX por causa do seu chifre, usado em misturas e poções mágicas, medicinais e afrodisíacas, confecção de instrumentos rituais, ou como troféu de caça. Sua população, contudo, se recuperou na década de 1930 com medidas para preservação, chegando a ser a subespécie mais comum de rinocerontes no mundo, com quase 850 mil indivíduos na natureza. Entre 1970 e 1995 a caça retomou um ritmo tão violento que, ao final do período, existiam apenas 2500 rinocerontes. Em 2006 o último foi avistado no seu território natural, no norte do Camarões, e em 2011 foi declarado extinto.

9: A vaca marinha de Steller (Hydrodamalis gigas) era um sirênio, parente do peixe-boi, que habitava o Pacífico norte. Era o maior da sua ordem, e o maior mamífero dos tempos modernos, fora as baleias, chegando a 9 metros de comprimento. Quando a vaca marinha foi avistada pela primeira vez por europeus em meados do século XVIII, sua população já era bem reduzida, e 27 anos depois ela estava extinta. As vacas marinhas foram caçadas por seu couro, sua gordura (um excelente combustível) e sua carne, mas as circunstâncias que a levaram à extinção podem ser mais complexas. A caça ostensiva de focas por nativos e europeus no Mar de Bering e arredores reduziu a população destas, que são as principais predadoras de ouriços do mar. Os ouriços, por sua vez, atacam os kelps, as algas gigantes das quais as vacas marinhas se alimentavam. Com menos focas, os ouriços proliferaram, as florestas de algas escassearam, e a breve caça adicional pôs fim a esta espécie.

10: O íbex dos Pireneus (Capra pyrenaica subsp. pyrenaica) era uma espécie de cabra de grandes chifres curvos e anelados, nativa das montanhas de mesmo nome entre a Espanha e a França. Seu habitat hostil à ocupação humana o manteve relativamente seguro até fins da Idade Média, escalando as montanhas na primavera, e descendo para pastar nas partes baixas no inverno. Porém, a caça combinada com a introdução de espécies domésticas reduziram sua população a 100 no começo do século XX. A espécie foi protegida e monitorada por muitos anos, mas o comprometimento do seu habitat, a disseminação de doenças e sua população criticamente reduzida impediram que ela se recuperasse, e o último indivíduo morreu em 2000 esmagado por uma árvore. A ciência tentou dar a sua contribuição: em 2003, o íbex dos pireneus foi escolhido para ser clonado, usando-se material coletado do último indivíduo vivo em 1999. O material genético foi introduzido em zigotos de cabras domésticas, e implantados em 208 fêmeas diferentes. Apenas uma gestação vingou. Em 2009 nasceu um filhote de íbex dos Pireneus, tornando-se o primeiro mamífero a ser "desextinto". Porém o filhote nasceu com má formação dos pulmões, e sobreviveu apenas por 7 minutos, causando a extinção da espécie pela segunda vez.

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