quarta-feira, 8 de julho de 2015

O Japão se abre para o mundo

Em 8 de julho de 1854, o comodoro Matthew Perry desembarca no Japão para entregar ao governo japonês um acordo para a abertura de relações com os Estados Unidos.

No começo da década de 1850, como toda economia industrializada do seu tempo, os EUA precisavam de mercado cada vez maior para os seus produtos. Os americanos já tinham uma ativa relação comercial com a China, mas havia fatores dificultando as coisas: as estações de abastecimento de carvão para navios a vapor na costa asiática eram quase todas francesas ou inglesas, o que encarecia o transporte. Havia, também, uma atividade considerável de baleeiros americanos caçando perto do Japão e sofrendo hostilidades, como veremos a seguir. Este país, em isolamento proposital havia 220 anos, era uma fronteira de mercado a ser explorada. O presidente Millward Fillmore, em 1852, autorizou uma expedição "diplomática" ao Japão, comandada por Perry, para propor ao governo local um tratado comercial. "Diplomática" entre aspas, porque a viagem seria feita em navios de guerra.

O Japão se isolou politicamente por meio de decretos assinados pelo shogun Tokugawa Iemitsu entre 1633 e 1639, proibindo estrangeiros de entrarem no Japão, e japoneses de saírem, sob pena de morte. Essas medidas foram uma reação à influência de missionários cristãos em terras japonesas (que fomentaram a rebelião armada de Shimabara contra o shogunato) e à influência europeia, sobretudo portuguesa e espanhola, nos negócios domésticos de maneira geral. Estabelecido o isolamento, apenas os holandeses, através de uma embaixada da Companhia das Índias Orientais Holandesas, tinham autorização para fazer negócios, sem, contudo, poder sair de sua ilha artificial na baía de Nagasaki. Outros quatro postos de comércio exterior, controlados por japoneses, mantinham o comércio ativo, embora de maneira naturalmente restrita, com a China, a Coreia, os Ainu (nativos do norte do Japão e territórios russos próximos), e o reino cliente insular de Ryukyu (hoje sob administração direta japonesa). Restringir e controlar o comércio exterior também fazia parte da estratégia de Tokugawa para manter o poder dos senhores locais (daimyo) em cheque e assegurar a supremacia do clã Tokugawa.

O comodoro Perry sabia bem que não seria apenas questão de desembarcar e discutir negócios com o shogun durante o chá. O Japão já respondera com hostilidade a tentativas estrangeiras de quebrar seu isolamento. Em 1647, uma frota de navios de guerra portugueses foi repelida em Nagasaki; uma comissão russa foi expulsa do país ao chegar ao mesmo porto em 1804; em 1811, um oficial russo foi preso ao desembarcar na ilha Kunashiri; em 1837, um comerciante americano na China tentou abrir relações com o Japão levando de volta três náufragos japoneses num navio de transporte, e ao chegar perto da costa, os japoneses responderam atirando, forçando-o a dar meia volta; em 1845, o capitão de um baleeiro americano resgatou 22 náufragos japoneses e os conduziu a Edo (atual Tóquio), e, apesar de ter conseguido se reunir com o governador local e oferecido presentes, foi convidado a nunca mais por os pés no país. Em 1848 o comandante americano James Glynn forçou a sua entrada pela baía de Nagasaki para pedir a libertação de 15 náufragos de um baleeiro americano feitos prisioneiros, alguns já mortos por maus tratos. Os holandeses interviram junto aos japoneses pela libertação dos sobreviventes. Este comandante Glynn recomendou ao governo dos Estados Unidos o uso da força para abrir relações diplomáticas e comerciais com o Japão.

A expedição de Perry contava com 8 navios armados para a guerra. O próprio Perry passou alguns meses lendo tudo que encontrou sobre o Japão, arregimentou diplomatas profissionais para aconselhá-lo, e contratou desterrados japoneses como intérpretes. Ele partiu da Virgínia e navegou para o leste. chegando a Ryukyu em maio de 1853, onde ostensivamente exibiu o poderio ofensivo de sua frota e sugeriu ameaças caso não fosse recebido pelo rei em pessoa. Ele sabia que suas ações seriam reportadas ao Japão (as ilhas eram dominadas politicamente pelo clã Satsuma, uma poderosa casa feudal japonesa), então sua diligência foi bem calculada. Dali ele levou 4 navios para o Japão.

Sua parada no Japão foi na baía de Edo, perto do porto de Uraga. Ele deliberadamente manobrou os navios e os alinhou com os canhões virados para a costa. Ele chegou a disparar com os canhões descarregados, alegando serem em comemoração ao Dia da Independência (mas claramente um sinal de intimidação). Barcos japoneses cercaram os navios, e um dignatário de Uraga entregou ao comodoro a ordem de que nenhuma embarcação estrangeira tinha permissão de aportar - Perry não o recebeu, permanecendo em sua cabine até ser recebido por uma autoridade à sua altura. Outro dignatário local contactou um dos capitães da frota para convencê-lo a levar os navios a Nagasaki, onde era feito o trabalho de diplomacia com estrangeiros, mas recebeu em retornou a ameaça de que Perry desembarcaria com tropas americanas para levar a carta do presidente dos Estados Unidos com o tratado pessoalmente ao palácio de Edo. Perry prosseguiu, mandando barcos a remo inspecionar as terras em volta, ameaçando abrir hostilidades caso os homens fossem perturbados.

Enquanto isso, o prefeito de Uraga mandou mensagem ao doente Tokugawa Ieyoshi, alertando que ele não teria como impedir um desembarque americano. O governo estava paralisado pela doença do shogun - em última análise, a única autoridade universalmente reconhecida no Japão - e pela ousadia dos americanos. Por fim, os autorizou a desembarcar na praia de Kurihama, o que Perry fez acompanhado de 250 marinheiros, sob uma salva de 13 tiros de canhão e hinos militares. Com o shogun impossibilitado, a carta do presidente Fillmore foi entregue a dois membros do conselho de anciãos, o corpo governante de fato na época. Perry se retirou no dia 17, prometendo retornar na primavera.

Depois do desembarque de Perry, o comando do shogunato entrou em parafuso. O velho Ieyoshi foi substituído pelo seu filho doente Iesada, de maneira que a administração continuou a cargo do conselho de anciãos. Contudo, não havia nesse conselho quem quisesse arriscar tomar uma atitude por conta própria. Eles consultaram (pela primeira vez) os daimyo para decidir o que fazer diante da ameaça americana, ao que metade respondeu que deveriam aceitar suas condições, e metade respondeu que não - mas todos concordaram que o Japão deveria fortalecer suas defesas no litoral. Essa demonstração de fraqueza e de indecisão para fazer valer a sua lei seriam cruciais para o futuro do shogunato Tokugawa mais à frente.

Perry retornou como prometido em fevereiro de 1854 com uma frota maior. Os japoneses estavam dispostos a aceitarem os termos da carta de Fillmore, mas se negavam a travar negociações em Edo, como Perry demandava. Depois de semanas neste impasse, em certo momento o comodoro ameaçou trazer 100 navios (mais do que os Estados Unidos possuíam na época) para destruir o Japão. Ele enfim desembarcou em Yokohama com 500 marinheiros e três bandas tocando o hino americano para assinar a Convenção de Kanagawa, que abria os portos de Shimoda e Hakodate aos navios americanos, garantia a segurança a náufragos americanos em terras japonesas, e o estabelecimento de um consulado. Os dois lados trocaram quinquilharias como presentes. Depois de uma nova parada em Ryukyu, Perry retornou triunfante aos Estados Unidos.

A princípio, as autoridades japonesas se escusaram alegando que o tratado não fora assinado pelo shogun, e que, portanto, não precisava ser obedecido, nem feria a soberania japonesa (embora ele tenha sido forçosamente ratificado mais tarde pelo próprio Imperador), e nem lhes trazia alguma desvantagem em particular. Mas a incapacidade do shogunato em fazer valer suas leis, ou sequer de impor sua autoridade sobre seus vassalos, levaria a um crescente descontentamento com o regime e o surgimento de vários movimentos nacionalistas, que planejavam restaurar o poder político do Imperador - por séculos uma figura meramente cerimonial, a quem os shoguns deviam reverência, mas ao mesmo tempo limitado pelas leis impostas pelos consecutivos shogunatos. Um tratado de 1858, em que os americanos, sob o argumento da agressividade bélica de britânicos e franceses nos seus negócios com a China, induziram o Japão a abrir mais concessões aos Estados Unidos, precipitou uma crise econômica (as transações eram feitas de maneira que os estrangeiros obtinham moedas de ouro japonesas a 1/3 do valor internacional, resultando numa rápida fuga de divisas), agitações populares, ataques a estrangeiros, e insurreições que levariam à conflagração de uma guerra civil. Em 1867, Yoshinobu, o último shogun Tokugawa, entregou seu cargo ao jovem imperador Meiji, líder espiritual da facção vencedora. Com sua liderança, o Japão, por tanto tempo isolado, entraria com força no cenário internacional.

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