sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Despedida de Portugal

Em 27 de novembro de 1807, a rainha de Portugal Maria I, o príncipe regente dom João, sua família, e toda a corte portuguesa, embarcaram no porto de Lisboa, de onde zarpariam dois dias depois em direção ao Brasil. A corte portuguesa fixaria residência no Rio de Janeiro até 1816.

A Revolução Francesa, que substituiu o Antigo Regime monárquico por algo semelhante a uma República burguesa, colocou a França no centro das atenções de todas as potências europeias. Todas monarquias mais ou menos absolutistas ou controladas por antigas oligarquias agrárias e mercantis, uma após a outra abriram hostilidades contra o movimento revolucionário no centro do continente (e vice-versa). Nesse rebuliço, Napoleão Bonaparte chegou ao comando da França Revolucionária, e iniciou um movimento expansionista em todas as direções.

A situação de Portugal no cenário pós-revolucionário já era delicada quando Napoleão entrou em cena. Sua relação com a França dependia da relação da França com a Inglaterra, de quem Portugal já era um antigo aliado. Portugal não abriria mão do poder inglês ao seu lado. Em 1801, a crise diplomática entre França e Inglaterra jogaram Portugal e Espanha (aliada da França) um contra o outro na atabalhoada Guerra das Laranjas, que resultou na incorporação da cidade portuguesa de Olivença pelos espanhóis, e ganhos significativos da colônia do Brasil sobre territórios da América Espanhola no Sul e no Mato Grosso.

João, que viria a ser coroado como rei João VI apenas em 1816, já era o regente desde 1799, devido à deterioração do estado mental de sua mãe. Ele manobrara rapidamente para evitar uma guerra destrutiva no episódio da Guerra das Laranjas (que durou apenas o tempo suficiente para um embaixador português sair de Lisboa e encontrar as autoridades espanholas e francesas para um acordo). Mas conforme os eventos na Europa central iam se desenvolvendo (Napoleão vencera em 1805 uma grande coalizão militar, conquistando os mais poderosos reinos da Itália, e causando a dissolução do Sacro Império Romano), estava ficando claro para Portugal que sua aliança com os ingleses, contra quem Napoleão se esforçava em subjugar no campo da economia com o Bloqueio Continental, iria lhe custar caro. Como Portugal não tinha poderio militar para fazer frente à França, João tentava ganhar tempo evitando enlaces diplomáticos que os colocassem em lados francamente opostos. Ele chegou mesmo a sugerir a George III da Inglaterra que os dois declarassem uma guerra fictícia. Mas como Portugal não obedecia ao Bloqueio Continental (a Inglaterra continuava exportando seus produtos para a Europa via Portugal), isso não adiantaria.

Em agosto Napoleão enviou uma carta com demandas a dom João, exigindo a adesão ao Bloqueio, a declaração de guerra à Inglaterra, a prisão de todos os ingleses no país e sequestro de seus bens. Às pressas reuniu-se o Conselho de Estado, cujos membros estavam divididos entre pró-ingleses e pró-franceses. Por um momento, esses últimos conseguiram formar uma maioria (com participação ativa do embaixador francês em Lisboa, general Jean Lannes), e apresentaram ao príncipe regente a carta aceitando parte dos termos exigidos, com exceção da prisão e sequestro de bens de cidadãos, por serem contra princípios cristãos (para os quais Napoleão e o que restava dos revolucionários franceses não davam a mínima). Porém, a decisão veio tarde demais.

Em meados de outubro de 1807, cerca de 28 mil soldados franceses sob o marechal Junot entraram na Espanha, ainda aliada da França. Este foi o sinal de alerta para dom João de que a guerra viria em sua direção. Antes de qualquer hostilidade, João acionou o embaixador português em Londres, Sousa Coutinho, para firmar um acordo secreto com a Coroa britânica para lhe fornecer proteção durante a transferência de Lisboa ao Rio de Janeiro, em caso de invasão estrangeira. O Conselho português já havia deliberado que, em caso de risco extremo, os filhos de João seriam transferidos para o Brasil. O novo acordo previa o transporte e a escolta para toda a família real e seus tesouros, o corpo de ministros, secretários, militares, religiosos, cortesões, suas respectivas famílias e serviçais. Para manter as aparências, no mesmo dia em que o tratado secreto era assinado em Londres, João ordenou o fechamento de seus portos aos ingleses, e o Conde da Barca, ministro da defesa, desviou parte do efetivo português para defender os portos contra uma invasão inglesa. Era a última cartada para testar a real intenção da aliança franco-espanhola.

A caricatura de dom João VI no Brasil é de um sujeito indolente e deselegante, mas quando exposto às adversidades, estava sempre um passo à frente: cinco dias depois da assinatura do tratado (esquivando-se da complacência do partido pró-francês, que ainda aguardava o desenrolar dos acontecimentos no país vizinho), França e Espanha assinaram um acordo de cooperação militar, cujo prêmio incluía a divisão do reino de Portugal entre seus signatários, prevendo, inclusive, a cessão do norte de Portugal ao extinto Reino da Etrúria, governado anteriormente pela filha do rei da Espanha e conquistado por Napoleão. João tomou conhecimento deste tratado através de um jornal francês que o publicara por ordem de Napoleão, expedido por Sousa Coutinho, de Londres (o imperador esperava que a publicação chegasse mais rápido ao marechal Junot, em marcha forçada, do que um decreto levado por um mensageiro). Ainda em outubro, a última esperança de resistência na Espanha, uma conspiração liberal arquitetada pelo príncipe Fernando (que mais tarde seria coroado Fernando VII) foi descoberta, e o príncipe preso. Era a guerra. Em meados de novembro, Junot estava cruzando a fronteira. Embora o exército português praticamente não tenha oferecido resistência, a marcha dos invasores não foi fácil: os camponeses e os proprietários de terras se retiraram com tudo que podiam carregar, deixando para trás suas terras queimadas, sua produção destruída, inclusive equipamentos e instalações, para que os franceses e espanhóis não pudessem tomar proveito de nada. Essa tática de terra arrasada seria repetida pelos russos em 1812.

No dia 23 de novembro chegou oficialmente a notícia da invasão francesa. O general Lecor, designado por João para observar o movimento do inimigo, mandava notícias alarmantes da velocidade de marcha de Junot. Imediatamente, o príncipe regente tomou as providências para a fuga de Lisboa. Nos três dias seguintes, a família real e seu séquito, somando cerca de 15 mil pessoas e seus pertences, embarcaram numa numerosa esquadra formada por grande parte da marinha portuguesa (16 navios de guerra no total, além de 21 navios mercantes com cargas e mantimentos). Um soturno dom João era visto subindo e descendo o porto com lágrimas nos olhos, evitando de falar ao povo que assistia à cena sobressaltado. No embarque, as pessoas aflitas se aproximavam tanto que o príncipe precisava afastá-los com as mãos; outros diziam que elas as beijavam. Dona Maria pediu ao cocheiro que a levasse calmamente até o porto, porque não estava fugindo.

Cinco nomes foram designados a permanecer no país e constituir uma Junta Governativa, a qual foi instruída a não oferecer resistência os franceses. Apenas alguns navios de linha (grandes embarcações armadas com canhões que recebiam este nome porque se destinavam a combater alinhadas paralelamente a outras embarcações ou alvos terrestres) foram mantidos ao largo da costa portuguesa e colocados, por força de tratado, à disposição da marinha inglesa. Uma flotilha de navios de guerra ingleses os escoltou até a Ilha da Madeira, passando com alguma dificuldade por uma tempestade que dispersou a frota, nas sem casualidades. De lá, uma parte das naus inglesas regressou, restando quatro navios para cruzar o oceano até Salvador.

A contrapartida portuguesa ao apoio inglês para a retirada da família real seria a abertura dos portos brasileiros ao comércio com os ingleses, privilégio até então exclusivo dos portugueses. João oficializou o acordo por um decreto assim que chegou ao porto de Salvador, em janeiro de 1808, abrindo os portos brasileiros "às nações amigas". Este detalhe, acertado em um anexo do acordo secreto (que também cedia aos ingleses o comando sobre os fortes portugueses ao longo do rio Tejo e da Ilha da Madeira), teria enorme impacto na história do Brasil dali para frente. O comércio com o Brasil era um canal de escoamento para os comerciantes ingleses, cuja entrada na Europa continental estava limitada pelo Bloqueio Continental (violado clandestinamente aqui ou ali), e se tornou mais importante ainda quando Inglaterra e Estados Unidos entraram em guerra em 1812. Para o Brasil, a movimentação de capital (agilizada com a fundação do Banco do Brasil) e intercâmbio técnico permitiu um rápido desenvolvimento da colônia a partir do Rio de Janeiro. A infraestrutura montada por dom João, com a instituição de correios, imprensa, instituições acadêmicas, academias militares, uma fábrica de pólvora (outra medida em que dom João se antecipava a Napoleão, tornando possível fabricar pólvora no Brasil sem depender do tráfego oceânico e de possíveis bloqueios franceses, além de armar a colônia contra uma possível invasão), etc., e uma relação comercial saudável com a Inglaterra, fez a colônia prosperar. Quando João retornou a Portugal em 1816 para enfrentar as crises políticas que ocorriam na metrópole após a morte da rainha Maria, deixou seu herdeiro Pedro de Alcântara no Rio de Janeiro, cercado por uma emergente elite liberal que o influenciaria a tomar para si as rédeas da parte economicamente mais importante do Império Português.

Quanto à campanha francesa na Península Ibérica, Junot chegou a Lisboa apenas 4 dias após o embarque da família real, dois após a sua partida. Ele ainda conseguia ver os últimos navios sumirem no horizonte. Com a rainha e seu príncipe regente governando o Império Português no Brasil (na única vez em que uma colônia sediou uma corte europeia), o plano de substituir a casa real portuguesa por monarcas títeres foi por água abaixo. Apesar do comando de João para não haver resistência por parte da administração deixada no país, os portugueses não se entregariam facilmente. De fato, Junot nem conseguiu efetivamente ocupar Portugal, restringindo sua presença a uma estreita faixa entre a fronteira e Lisboa. Enquanto isso, na Espanha, Napoleão foi além de mandar prender o príncipe Fernando; como suspeitasse de que o imperador francês planejava substituí-lo por algum parente seu (como vinha fazendo em outros lugares), um incidente que resultou na prisão do ministro pró-francês Manuel de Godoy resultou na abdicação do rei Carlos VII em favor de Fernando. Napoleão tentou resolver o assunto forçando a renúncia de ambos ao trono e a coroação de seu irmão José Bonaparte. A interferência direta na monarquia, além da própria invasão a Portugal, foram extremamente impopulares entre os espanhois. A tomada de Madri pelo general Murat foi a gota d'água para revoltas generalizadas estourarem por toda a Espanha, transformando uma campanha relativamente simples de tomada de Portugal numa longa e desgastante guerra de guerrilha por toda a península (a Guerra Peninsular, que se desenvolveria para uma guerra formal com a entrada da Inglaterra), que no final iria a custar a Napoleão sua própria coroa.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Mensagem do espaço

No final da tarde de 26 de novembro de 1977, a transmissão do sinal da emissora britânica Southern Television, filiada à ITV, sofreu interferência durante um telejornal para uma mensagem de voz de seis minutos do representante do Comando Galático de Ashtar, chamado Vrillon (ou Ashteron, a voz estava abafada e misturada ao zumbido de estática). A parte inteligível da mensagem dizia:
"Esta é a voz de [Vrillon]. Eu sou um representante autorizado da Missão Intergalática, e tenho uma mensagem para o planeta Terra. Estamos começando a entrar no período de Aquário e existem muitas correção que precisam ser feitas pelo povo da Terra. Todas as suas armas do mal devem ser destruídas. Vocês tem pouco tempo para aprender a viver juntos em paz. Vocês devem viver em paz... ou deixar a galáxia."
Os tabloides no domingo seguinte cobriram o evento com algum destaque. O Daily Mail e o News of the World, dois dos mais notórios periódicos sensacionalistas, publicaram uma transcrição alternativa da mensagem, dizendo que "se as armas da Terra não forem destruídas, destruição vinda do espaço virá rapidamente."
Aparentemente, o sinal UHF, transmitido via aérea entre antenas, sofreu uma interferência junto a uma antena retransmissora perto de Hampshire, a partir de onde a mensagem de voz entrou na rede. A interferência terminou antes do fim de um desenho do Pernalonga. A emissora qualificou o incidente como um "problema de som". Diante da publicidade que se seguiu, o órgão regulador das transmissões de TV do Reino Unido se pronunciou qualificando a mensagem como uma "piada" produzida por alguém com considerável conhecimento técnico e equipamento sofisticado. 

Este foi o primeiro incidente deste tipo (o que deixou as autoridades desnorteadas), mas a ele se seguiram outras tentativas clandestinas de interferência de sinal de TV, com sons e/ou imagens, para a transmissão de alguma mensagem política ou de protesto, ou sem motivo claro. A HBO (um certo "Capitain Midnight" interrompeu o sinal de satélite com uma tela de teste de cores e uma mensagem questionando o valor da assinatura do canal), o Playboy Channel (interrompido de maneira semelhante por um funcionário de uma emissora cristã convocando todos a se arrependerem dos seus pecados), duas emissoras locais de Chicago (cujos sinais foram invadidos em sequência e substituídos pela filmagem de um homem de máscara gritando e arriando as calças). 

Na União Soviética, os sinais das emissoras estatais eram constantemente invadidos e substituídos por programações alternativas, a ponto de uma cidade, Arkhangelsk, disponibilizar um telefone exclusivamente para esse tipo de denúncia. Em 2006, em meio à guerra com o Líbano, um sinal de Israel afetou o satélite usado por uma emissora libanesa ligada ao grupo político Hezbollah e sobrepôs à sua programação uma série de mensagens anti-Hezbollah, incluindo ameaças ao seu líder Sayyid Hassan Nasrallah. 

Recentemente, sinais de TV transmitidos por fibra ótica e transmissões digitais também tem sido alvos de piratas, geralmente substituindo suas programações (ocasionalmente em canais infantis) por vídeos pornográficos. Em 2013, num intervalo de poucas horas, quatro emissoras americanas em estados diferentes tiveram seu sinal de emergência (que aqui reconhecemos como o "top de 5 segundos", o sinal para todas as emissoras para uma transmissão em rede) substituído por uma voz dizendo que os mortos estavam se levantando da terra e atacando os vivos. O perpetrador foi identificado e preso.

Embora expectadores tenham sido genuinamente surpreendidos, é possível que ninguém na época tenha levado a mensagem de Vrillon a sério. Sequer os veículos de comunicação especializadas em ufologia parecem ter dado muito crédito à identidade do mensageiro espacial. Embora exista todo um entusiasmado culto New Age desde os anos 1950 sobre um certo Ashtar Sheran, um alienígena, comandante de uma poderosa frota espacial, que operaria como "embaixador" de sua civilização na Terra e se comunicaria através de médiuns escolhidos entre os terráqueos.

A identidade de "Vrillon" nunca foi descoberta.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Etruscos

Em 25 de novembro de 571 a.C., o etrusco Sérvio Túlio, rei de Roma, desfilou em triunfo por sua vitória contra outros reis etruscos. Sérvio Túlio é um personagem basicamente mitológico, mas os elementos mitológicos incorporados pelos historiadores romanos como parte da sua História dão pistas da enorme influência da civilização etrusca sobre a formação de Roma.

O poema épico Eneida, de Virgílio, uma espécie de continuação do poema homérico Odisseia, trata dos primórdios da fundação de Roma. Boa parte da "História" da Roma pré-republicana deriva dos relatos de historiadores notáveis, como Tito Lívio e Plutarco, entre outros. Ambos nos fornecem retratos coloridos da vida e da política romana do seu tempo, mas quando se alongam acerca das origens da cidade-Estado e suas instituições, chegam no pantanoso terreno da "pré-história" romana, delineada por mitos e tradições, e confundem-se com a poesia. Tito Lívio, por exemplo, como patriota, teria deliberadamente selecionado determinadas versões desses mitos para compor uma narrativa heroica e coerente com as tradições cultivadas pela alta sociedade, seu público alvo. Portanto, toda a História de Roma antes da consolidação das instituições republicanas e os seus metódicos registros escritos é um misto de lendas e fatos que apenas a arqueologia hoje em dia pode dar alguma substância.

Todos os sete reis de Roma são, a princípio, legendários, embora os seus ciclos narrativos possam rememorar alguns fatos históricos. Sérvio Túlio é o sexto rei de Roma. Ele era etrusco, não latino, o segundo dos três reis etruscos da Roma monárquica. Ascendeu ao trono vindo do nada (o mito "historificado" lhe dava uma biografia semelhante à dos heróis gregos, que tinham um deus como pai e uma desterrada de origem nobre como mãe, e viveram na servidão antes de se tornarem reis), e teria comandado os exércitos romanos em campanha contra os próprios etruscos, vencendo-os pelo menos três vezes (o triunfo celebrado em novembro de 571 a.C. teria sido o primeiro). Ele casou uma de suas filhas com Lúcio Tarquínio, filho homônimo do seu antecessor no trono, que acabaria conspirando e assassinando Sérvio.

A existência de três reis etruscos nos anais de Roma, embora não seja comprovada historicamente, resgata o contexto político da cidade nos séculos VII e VI a.C..

Os etruscos eram um povo provavelmente autóctone do centro e norte da Itália, ocupando aquela região ou algo próximo desde o fim da última glaciação, ao contrário dos latinos, úmbrios, faliscos, volscos, samnitas, e outros povos itálicos de língua indo-européia que migraram para lá apenas na primeira metade do primeiro milênio a.C.. Os etruscos, por consequência, desenvolveram sua própria língua, religião e sociedade. O intenso contato via comércio com os povos da Grécia, que lhes chamavam "tirrenos" ou "tirsênios", lhes trouxe o alfabeto, e com sua própria versão dele nos deixaram milhares de documentos escritos. Apesar da escrita ser perfeitamente legível, a língua etrusca, por ter se desenvolvido localmente, não tem qualquer paralelo com outra língua conhecida, o que a torna basicamente ininteligível (apenas algumas dezenas de palavras foram conjecturalmente decifradas, mas algumas delas parecem empréstimos de outras línguas, como o próprio grego). Uma obra que possivelmente nos auxiliaria nessa questão seria o livro que o imperador romano Cláudio, que falava etrusco, escreveu sobre a sua história, mas este livro se perdeu no tempo.

Portanto, apesar de tanta evidência escrita, muito pouco se sabe sobre sua origem. Mas os historiadores gregos e romanos, e a arqueologia, nos mostram que esses etruscos viviam em confederações de cidades-estado concentradas em três regiões da Itália (no vale do Rio Pó, na região da Toscana, e ao longo do litoral até a Campânia) que expandiram sua esfera de influência, incluindo aí os povos que acabavam de migrar para a Itália. Porém, nunca configuraram um império propriamente dito, pois cada cidade-estado tinha seu próprio rei (que, não raro, estava em guerra um com outro).

Roma foi fundada por volta de 750 a.C. por Rômulo - personagem igualmente mitológico, segundo Virgílio, descendia de Enéas, o herói troiano, e fora amamentado por uma loba com seu irmão gêmeo Remo, o qual assassinou. O provável é que Roma tenha sido mais uma das cidades fundadas pelos novos habitantes indo-europeus da região do Lácio (de onde "latino" deriva seu nome). Havia, inclusive, outro mito fundador para o povo latino, também retratado em Virgílio e em fontes gregas, como Heródoto, em que um certo Latino (ou Lavínio), filho de deuses, era o senhor daquela região, e ofereceu asilo a Enéas e seus companheiros.

É justamente após a época da fundação que os etruscos expandiram sua influência sobre o Lácio. Em Roma, segundo o que os antigos historiadores comentam, a influência etrusca aparece impondo-se como uma elite que se infiltra na estrutura do governo local, como o senado (a assembléia de anciãos que representavam as famílias mais tradicionais da cidade). Em 616 a.C., finalmente um etrusco, Lúcio Tarquínio Prisco, assumiu o trono convencendo o senado a elegê-lo, quando da morte do rei latino Anco Márcio. Os etruscos em poder de Roma teriam usado a cidade para expandir seu poder sobre os outros latinos, e sobre os próprios etruscos das cidades rivais, até que o terceiro rei etrusco, Lúcio Tarquínio Superbo, foi expulso da cidade, e a República foi instaurada. Este último rei teria pedido auxílio a outro rei etrusco, Lars Porsena, da cidade de Clusium (onde está a atual Chiusi), que foi rechaçado pelas forças republicanas. A partir daí Roma começou a criar sua própria zona de influência, primeiro conquistando e assimilando as outras cidades latinas, depois os outros povos itálicos e os próprios etruscos, e mesmo as colônias gregas no litoral sul, até dominar a Itália.

Mesmo que o período da monarquia romana seja uma reconstrução da memória coletiva infundida com um sentimento de identidade nacional, e os seus personagens provavelmente mais fantásticos do que reais, ainda assim podemos identificar na Roma histórica elementos que remetem àqueles tempos. Além do vocabulário, onde o latim tomou emprestado algumas palavras etruscas (o que ajuda no limitadíssimo conhecimento dessa língua), e do alfabeto (o alfabeto latino que usamos hoje deriva mais diretamente do alfabeto etrusco do que do seu primo mais velho, o grego), os romanos parecem ter compartilhado alguma parte da sua religião original com eles. Em inscrições etruscas é possível identificar referências a deuses e heróis comuns à mitologia romana e grega, com as quais também tinham contato e em certo nível influenciou ambas: Hércules-Hercle, Saturno-Satre, Apolo-Aplu, Proserpina-Phersipnai, Perseu-Perse, Netuno-Nethuns; o deus meteorológico que os etruscos chamavam de apa, "pai", era Tinia, que os romanos posteriormente associaram a um demônio, Tigna, que causava tempestades e trovoadas. A toga, vestimenta típica da elite romana, inclusive a toga púrpura típica dos cônsules, e, depois, dos imperadores romanos, eram heranças da nobreza etrusca, que assim se vestia. Na própria cidade de Roma, obras fundamentais, como o Circo Máximo e o Templo de Júpiter, teriam sido construídas pelos reis etruscos. Várias famílias de origem etrusca (os Lárcios, os Cecina, os Ceiônios) permaneceram influentes em Roma, onde se juntaram às famílias locais mais tradicionais na classe superior dos patrícios.

Os romanos, curiosamente, parece que guardavam rancor contra aqueles que os desafiavam. Depois de serem vencidos pelos celtas no século IV a.C., expandiram seu território na Europa especificamente sobre território céltico, culminando com a conquista da Gália e a prisão do chefe gaulês Vercingetorix; desafiados pelos cartagineses pelo controle do comércio no Mediterrâneo, empreenderam três campanhas punitivas a Cartago, e na terceira (provocada por um pagamento atrasado de tributo, imposto a Cartago) fizeram questão de salgar a terra para que nada mais pudesse crescer ali; depois de uma derrota na Germania, em que três legiões foram derrotadas e as águias de bronze dos seus estandartes levadas como troféus, os romanos passaram os 50 anos seguintes fazendo incursões nas florestas alemãs até que a última águia fosse recuperada.

Da mesma forma, os romanos guardaram enorme ressentimento contra a instituição da monarquia. Assim que a República foi proclamada, o cargo de "rei" foi extinto, substituído por dois cônsules (porque um só tinha ares de monarquia), eleitos anualmente. Uma função do rei, a nomeação ou demissão de senadores, que seria dos cônsules, foi passada aos censores. Essa supressão à figura monárquica se estendeu ao rex sacrorum (o "rei sagrado", sumo-sacerdote da cidade), que passou a ser subordinado ao sacerdote que, originalmente, vigiava os rituais de sacrifício (o pontifex maximus, o sumo-pontífice, que tinha esse nome porque era responsável pelos auspícios para a construção e manutenção das pontes sobre o rio Tibre, que era considerado um deus; o arcebispo católico de Roma, o Papa, herdou este título). Até o Regia, ou palácio real, habitado pelo rex sacrorum, passou a ser morada do pontifex maximus. Com exceção dos senadores, que eram designados pelos censores, e do próprios "reis sagrados" (que, contudo, continuaram existindo até o advento do cristianismo) quase todos os cargos da estrutura administrativa e religiosa romana passaram a ser eletivos e temporários, e todo aquele que, por ambição ou aclamação, arrogou-se a sentar-se por tempo demais no banco do cônsul, foi removido pelo senado, pelo exército, ou por demanda popular. Até o advento de Otaviano, o primeiro Imperador de Roma.

Os etruscos deixaram de existir como identidade étnica ainda durante a República, e a língua deixou de ser usada em meados do século II. O romancista finlandês Mika Waltari escreve apaixonadamente sobre os etruscos (na verdade, sobre a "periferia" do mundo mediterrâneo antigo, centrado num fictício personagem etrusco) no ocaso da sua civilização em seu livro O Etrusco.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Nomes

O dia 23 de novembro coincide de ser o dia de nascimento dos reis Oto I do Sacro Império Romano (973) e Alfonso X de Castela (1221). Pela habilidade política na consolidação da sua posição, e pela força com que impôs uma unidade política ao seu reino e novos paradigmas às suas instituições, Oto é cognominado "O Grande". Já Alfonso, apaixonado por astronomia, literatura e línguas, dedicou grande parte do seu reinado à ciência e à formalização da língua castelhana, pelo que ficou conhecido como "O Sábio".

Cognomes são como apelidos adicionados ao nome, atribuídos a uma pessoa com base na percepção da opinião pública e/ou da História sobre a sua personalidade, as características físicas ou psíquicas, habilidade ou realizações. Principalmente quando o personagem em questão tem um nome muito comum (quase todos os 18 reis Luís e 10 reis Carlos da França têm um cognome que os diferencia um do outro). Boa parte desses apelidos foram "conquistados" com uma boa dose de propaganda pessoal, alguns também derivados de uma boa contra-propaganda derrogativa (Maria I, rainha de Portugal, era conhecida como "A Piedosa" na Terrinha por causa da sua boa relação com a Igreja, mas no Brasil ficou conhecida como "A Louca" por causa da deterioração do seu estado mental desde que chegou por aqui).

O uso de apelidos também era mais usual na Antiguidade, quando a estrutura atual de nome e sobrenome (que designa a família da qual viemos, voltaremos a isso adiante) não estava estabelecida. Na Grécia Clássica ou na Pérsia Aquemênida o cidadão tinha um nome apenas (não raro o nome era constituído por dois radicais que descreviam alguma característica do seu portador, como Demóstenes ou Aristóteles, o que permitia inúmeras combinações diferentes), e ele se diferenciava dos seus homônimos por um cognome qualquer, como acontecia com os 12 Ptolomeus e as 7 Cleópatras que governaram o Egito. Em Roma, onde a origem familiar se tornou importante, os patrícios e equestres (a classe intermediária, acima dos plebeus) batizavam seus filhos com um prenome e um sobrenome da sua família (gens), que era hereditário. Eventualmente, os cognomes que eram atribuídos a personagens notáveis dentro de cada família acabaram se tornando também hereditários, para que seus descendentes legais (filhos ou descendentes legais de qualquer tipo) fossem reconhecidos como tais. Por exemplo, o célebre advogado e orador Marco Túlio Cícero: Marco era seu prenome, Túlio o nome da sua família, e Cícero um apelido dado à linhagem do seu pai, algumas gerações antes, em referência à sua atividade como plantadores de ervilhas, cicer em latim (pelo qual Cícero era discriminado pelos círculos da alta sociedade romana na infância e início da carreira).

Os romanos mantiveram este sistema trinomial por bastante tempo mesmo depois do fim do Império do Ocidente. Os germanos que os sucederam mantinham o costume antigo de dar apenas um nome aos seus filhos (nomes que eram combinações de palavras com significados específicos, como os gregos), de maneira que os reis germânicos na Escandinávia, na Alemanha, na Inglaterra, e mesmo na França e na Itália frequentemente recebiam um cognome significativo em vida ou após a morte (mesmo um monge, como o anglo-saxão Bede, ficou para a posteridade como "O Venerável"). Com o tempo, o nomes pátrios passaram a ser usados como sobrenomes para designar dinastias locais, e os casamentos entre as casas reinantes geravam sobrenomes enormes (pois num universo político em que sua ascendência designava onde você poderia reinar, nenhum sobrenome nobre podia ser dispensado). Durante a Idade Média, as pessoas comuns seguiam um caminho paralelo, adotando para si os nomes dos seus ofícios ou das guildas profissionais a que se filiavam como cognomes, que acabariam se tornando sobrenomes familiares (por exemplo, Ferreira em Portugal, e seus correlatos em outras línguas, como Ferrer na Espanha, Smith em inglês, Schmidt em alemão, Kovac em eslovaco, Kuznets((ov)) em russo). Quando os judeus sefaraditas viram-se obrigados a adotar o cristianismo ou fugir da Península Ibérica, muitos substituíram seus sobrenomes hebraicos, geralmente compostos pelo prenome do pai (ou da cidade de origem da família) e um prefixo indicando posse ou origem (ab-, bar-, ben-, etc.) por nomes, preferencialmente, de árvores (Nogueira, Carvalho, Pereira, Figueira, etc.). O costume de usar o nome do pai como sobrenome para os filhos (e a esposa), comum também entre os árabes, persistiu na Espanha e nos primeiros séculos de Portugal, após a queda do Califado de Córdoba. Por exemplo, Fernandes significa "(filho ou esposa) de Fernando"; o primeiro rei de Portugal, Afonso I, é conhecido como Afonso Henriques, ou "filho de Henrique" ("ibn-Arrik" em árabe). Nos países escandinavos e em vários países eslavos, o nome do pai ou do patriarca da família ainda é usado como sobrenome. O sentido se perdeu, mas o costume permanece hoje na maioria dos países sob influência européia latina ou germânica. Derivado disso, escravos africanos na América costumavam ser registrados com sobrenomes dos seus senhores, indicando não uma adoção ou relação forjada de parentesco, mas sua propriedade.

O cognome "O Grande" sempre ficou reservado aos reis que realizaram feitos de grande relevo para seu país - alguém que consolide instituições eficientes e duradouras, alguém que consiga vitórias importantes na guerra, ou que expanda as fronteiras além dos seus limites históricos. Às vezes, a medida de grandeza era o favorecimento que o rei em questão dava à causa religiosa. Ciro II da Pérsia (fundador do Império Aquemênida), Alexandre III da Macedônia (o conquistador do maior império da Antiguidade), Assoka da Índia (ao contrário dos outros, um pacifista convicto que se recusaria a expandir o reino pela guerra mas que se tornaria propagador do budismo), Carlos I dos francos (Carlos Magno, cujo cognome é incorporado ao seu próprio nome em francês e inglês, "Charlemagne"), Alfredo de Wessex (rei anglo-saxão que foi o primeiro a ser coroado "rei dos ingleses"), Oto I do Sacro Império Romano (pelas razões acima), Pedro I da Rússia (que expandiu extraordinariamente o seu império em direção à Ásia para algo bem próximo do que é a Rússia hoje) são exemplos bem conhecidos.

No outro extremo do espectro temos cognomes nada elogiosos para monarcas que, por incompetência ou infelicidade, viram a ruína do seu país ou da sua dinastia; ou porque seus feitos foram tão inócuos ou nocivos que alguma característica física fosse ressaltada pejorativamente; ou porque simplesmente difamados pos morten por sucessores ou rivais. Clovis II dos francos ("O Preguiçoso", entronizado ainda criança, passou quase todo seu reinado sob influência de seus regentes), Luís II da Frância Ocidental ("O Gago", um pacifista que viu a França assolada por vikings e morreu em campanha), Carlos III da França ("O Gordo", considerado inapto para o cargo, incapaz de defender o país dos vikins, acabaria deposto), Etelredo da Inglaterra, ("O Despreparado", que abandonara o trono ainda jovem diante de uma esmagadora invasão dinamarquesa para retomá-lo depois da morte do rei dinamarquês Sven "Barba Bifurcada"), Afonso II de Portugal ("O Crasso", concentrou-se no desenvolvimento da administração interna num tempo em que as elites desejavam guerras expansionistas contra castelhanos e mouros), Carlos VI da França ("O Louco", devido aos contínuos surtos psicóticos que o impediam de tomar decisões objetivamente), Richard Cromwell, Lorde Protetor da Inglaterra ("Dick Arruinado", filho e sucessor do republicano Oliver Cromwell, muito mal quisto pelos monarquistas que o depuseram), Jaime II da Inglaterra ("O Cagado", derrotado e difamado após a Revolução Gloriosa). Por razões políticas, Guilherme da Normandia, conquistador da Inglaterra, é alternadamente referido como "O Conquistador" ou "O Bastardo".

No meio do caminho pode-se encontrar Wifredo I da Catalunha ("O Peludo"), Pepino III dos francos ("O Breve"), Ricardo I da Inglaterra ("Coração de Leão"), Luis III do Sacro Império Romano ("O Cego"), Ferdinando I da Áustria ("O Benigno"), Dinis I de Portugal ("O Lavrador"), Gjorgi Kastrioti da Albânia (conhecido como "Skanderbeg", ou "Lorde Alexandre" pelos turcos, que alegadamente o comparavam a Alexandre, "O Grande"), Carlos II de Navarra ("O Mal"), Selin II do Império Otomano ("O Loiro"), Frederico I do Sacro Império Romano ("Barba Vermelha", ou "Barbarossa" como era conhecido na Itália), Conan IV da Bretanha ("O Negro"), Ivailo da Bulgária ("O Repolho"), João I da Inglaterra ("O Sem-Terra"), Manuel I de Portugal ("O Venturoso"), Luis XIV da França ("O Rei-Sol"), Vlad III da Valáquia ("O Impalador", ou "Drácula", que significa algo como "filho do dragão" ou "do Diabo" em romeno), Mehmed I do Império Otomano ("O Executor"), e muitos outros "Justos", "Magníficos", "Belos", "Patriotas", etc.. O pai de Oto "O Grande" era Henrique "O Passarinheiro".

Mas em termos de criatividade, ninguém na Europa supera os germânicos dos séculos VIII a XI - francos, saxões e escandinavos. A tradição guerreira desses povos no momento da transição da sociedade tribal para a formação de Estados organizados se refletia nos apelidos dos seus reis-guerreiros, que serviam tanto para exaltar seus atributos e proezas, como para inspirar temor nos seus inimigos (e que fariam frente aos personagens de As Crônicas de Gelo e Fogo, de George R.R. Martin, embora seja possível que ele os tenha usado como inspiração para seus "selvagens" do Norte): além de um "O Grande" (Canuto, que tomaria um verdadeiro império que incluía quase toda a Escandinávia e a Inglaterra), havia Harald Hardrada ("Conselheiro Implacável"), Magnus "Pés Descalços", Eric "O Vermelho", Eric "Machado de Sangue", Harold "Dente Azul" (ou "Dente de Batalha", se traduzido literalmente do islandês "Hilditönn"), Carlos Martel ("O Martelo"), Edmundo Ironside (não há tradução direta, significaria algo como "muito forte", "com flancos de ferro"), Haakon "De Ombros Largos", Sverker "Perna de Pau", Harald "De Belos Cabelos", Roberto "O Forte", Etelstão "O Glorioso", Harald "Pele Cinzenta", Ragnar Lodbrok ("Brechas peludas", em alusão à barba que saía pelo seu elmo), Gudrod "O Caçador", Rolo "O Andarilho", Ivar "Braça Larga", Anund "Rastro de Fogo". Além desses, também havia guerreiros como Sigurd "Cobra-no-olho", Thorstein "Fazedor de Navios", Bjorn Ironside (literalmente "Urso Com Flancos de Ferro"), Thorgill "O Veloz", Ivar "Sem Ossos", Halfdan "Pernas Longas", Gunnlaugr "Língua de Serpente", Thorkell" O Alto",  Thorgills "Lábio Leporino", Ulv "O Lobo da Galícia" e Ragnvald "Alto Como a Montanha".

Devia ser embaraçoso ser Carlos "O Gordo" nesta era.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Phillibert e Jeanne

Em 18 de novembro de 1727 nasceu Phillibert Commerson (ou Commerçon) em Châtillon les Dombes, na França, na base dos Alpes. Ele seria um dos primeiros botânicos europeus a se aventurar numa viagem de volta ao mundo, e suas coletas no Brasil são alguns dos exemplares mais antigos da flora brasileira a serem amostrados e conservados em herbários até hoje.

Filho de um notário a serviço de um nobre local, seu pai esperava que ele aprendesse apenas a ler e escrever para seguir a sua profissão. Mas na escola, um professor o levou a um passeio no campo, despertando seu entusiasmo pela botânica. Estudou medicina e botânica (duas ciências que frequentemente andavam juntas, alternadamente com a farmácia e a química) em Montpellier, até hoje um dos principais centros universitários daquele país. Sua fixação por botânica o levava a coletar amostras clandestinamente no jardim botânico local, até o ponto de ser proibido de entrar nele. Entre 1754 e 1758 dedicou-se à coleta de plantas no Languedoc francês e à composição de jardins botânicos. Neste período conheceu o filósofo Voltaire, que, encantado com a acuidade do pensamento do jovem botânico, o convidou a ser seu assistente. Commerson recusou, alegando depois ter tido a impressão de que Voltaire era um velhaco, propenso a terrores noturnos (não obstante, sua carreira seria guiada pelos princípios do Iluminismo).

Nessa mesma época, Carl von Linnaeus estava trabalhando a pleno vapor nos seus novos sistemas de classificação dos seres vivos, e a ele interessava todo tipo de trabalho em ciências naturais que lhe fornecesse descrições precisas de espécies conhecidas com as quais pudesse posicionar os organismos em seus reinos, classes e ordens e formalizar seus nomes para uso de toda a comunidade científica. A Commerson ele encomendou uma monografia sobre peixes do Mediterrâneo. Commerson coletou e escreveu profusamente, mas nunca chegou a publicá-la (sua coleção de peixes ainda está preservada no Museu de Estocolmo).

Em 1760 ele se casou com Antoinette Beau e abriu um consultório médico numa aldeia. Sua vida parecia estabelecida, quando Antoinette faleceu enquanto dava à luz o filho do casal, François. Arrasado, Commerson caiu em depressão, e passou a se dedicar obcecadamente ao trabalho. Seu irmão, também François, dizia que Phillibert passara vários anos seguidos coletando plantas e insetos nos Alpes e nos Pirineus, subindo e descendo as mesmas montanhas várias vezes, vivendo de pão, leite e queijo que comprava de pastores locais e dormindo como hóspede em suas choupanas. Um amigo seu de infância, o astrônomo Jerôme Lalande, alertado pelo irmão de Phillibert, o convenceu a ir a Paris para expandir a mente, deixando o pequeno François aos cuidados de um tio, que era padre.

Em Paris, enquanto Commerson se entrosava com os principais nomes da botânica do seu tempo, como os irmãos Jussieu (Antoine, Bernard e Joseph) e Michel Adanson, quem tomava conta da sua casa era uma jovem órfã da Burgundia chamada Jeanne Barret (ou Baré). Com seus novos contatos, Commerson acabaria sendo recomendado ao almirante Louis Antoine de Boungainville como cirurgião-naturalista do seu navio, o Etoile, com o qual realizaria a primeira expedição francesa de circunavegação do globo, e a primeira expedição científica ultramarina da França.

Bougainville era um capitão experiente. Havia participado da Guerra Franco-Indígena na América do Norte. Em seguida, comandou o projeto colonial francês nas Ilhas Malvinas. O próprio Bougainville, às suas custas, levou colonos canadenses ao arquipélago para que a França o reclamasse formalmente à Espanha, que o deixara vago até então. Porém, por razões diplomáticas e econômicas, o rei Luis XV achou por bem devolver as Malvinas aos espanhóis (vendê-las, na verdade), ordenando a evacuação da colônia. Bougainville foi indenizado em 700 mil francos. Com esse dinheiro e a permissão do rei, ele armou dois navios, o Boudese e o Etoile, e contratou uma grande equipe de cientistas, entre geólogos, físicos, historiadores, cartógrafos, meteorologistas, botânicos, zoólogos e linguistas, que somavam, com a tripulação, 330 pessoas. Commerson estava entre eles, e fez questão de trazer a bordo Jeanne Barret, supostamente para auxiliá-lo com suas coletas. Porém, era comum que marinheiros se recusassem a trabalhar a bordo com uma mulher na tripulação. Na marinha francesa, o emprego de mulheres era expressamente proibido. Sabendo disso, Jeanne se apresentou ao capitão do Etoile como Jean, vestida como um rapaz. Commerson fez questão de viajar no Etoile, que era o menor dos navios, porque, com menos gente por perto, as chances de se descobrir o sexo de sua assistente seriam menores. O próprio comandante do navio, capitão Giraudais, cedeu sua cabine (que convenientemente tinha um banheiro exclusivo) para os dois acomodarem-se e a e seus equipamentos.

A missão de Bougainville zarpou de Nantes em novembro de 1766 e chegou ao Rio de Janeiro em 1767. Foi a primeira expedição científica européia a aportar na colônia portuguesa. Porém, o Rio não era a vistosa capital imperial inspirada em Lisboa ou Paris do século XIX, mas ainda uma cidade portuária provinciana e perigosa (o capelão do Etoile foi assassinado enquanto o navio esteve ancorado), então Commerson nunca se arriscou muito longe do porto, coletando espécimes na cidade e arredores, enquanto os seus colegas realizavam todo tipo de experimento científico. A taxonomia era uma ciência que ainda estava em seu período formativo (Linnaeus ainda era vivo), e como nada havia sido coletado ainda no Brasil com o objetivo de ser classificado e entrar na coleção de um herbário como testemunho, praticamente tudo era novidade. Commerson coletou e produziu descrições (nunca publicadas) de centenas de novas espécies. Uma planta ornamental, que já era muito conhecida e cultivada por aqui mas ainda era desconhecida da ciência européia, recebeu de Commerson o nome de Bougainvillea spectabilis Willd. (alguns a conhecerão como "primavera" ou "buganvílea"), em homenagem ao almirante, que também era fascinado pelas ciências naturais. As coletas de Commerson, que duraram até julho de 1767 (com uma pausa entre fevereiro e junho, quando Bougainville seguiu para as Malvinas para formalizar a entrega da colônia à Espanha), são as mais antigas que se tem notícia no Brasil, ainda preservadas em herbários europeus como o do Jardim Botânico Real, em Kew, e do Museu Nacional de História Natural, em Paris.

Commerson tinha uma ferida na perna, que nunca cicatrizava, adquiria possivelmente nas suas andanças pelas montanhas na Europa. A bordo, Jeanne cuidava dele, e em terra, o auxiliava em suas coletas (as coletas no Rio de Janeiro talvez tenham sido feitas quase todas por ela, e na Patagônia, seu vigor no campo foi elogiado pelo próprio Bougainville em seu diário). Sua proximidade era evidente. François Vives, cirurgião do Etoile que não gostava do colega, insinuava em seu diário que os dois eram gays, especulando que Barret era um eunuco. A expedição seguiu para Montevideo, descendo pela Patagônia, e, do Estreito de Magalhães, partiu para o Taiti. Bougainville acreditava ter descoberto aquele arquipélago (reclamando a ilha de Otaheite para a França), tendo notícia apenas mais tarde de que o inglês Samuel Wallis havia passado por ali meses antes. Apenas no Taiti, em abril de 1768, um ano e meio depois do início da viagem, o disfarce de Jeanne foi descoberto: aparentemente Jeanne teria sido apontada inequivocadamente por um taitiano trazido a bordo como uma mulher (ou um travesti). A história seria reproduzida pelos taitianos quando o capitão James Cook chegou nas ilhas no ano seguinte, dando a entender que eles sabiam do seu sexo, mas que os europeus ainda nem desconfiavam. Depois que a tripulação finalmente descobriu (aparentemente atacando e despindo-a à força), Jeanne foi levada à presença de Bougainville, que se divertiu com a história e decidiu não punir nem a ela, nem a Commerson.

A expedição foi atacada por nativos na ilha da Nova Irlanda, a nordeste da Nova Guiné, e fez uma parada na colônia holandesa da Batávia (atual Jacarta, na Indonésia) para reabastecer. De lá seguiu pelo Oceano Índico até as Ilhas Maurício. Commerson ficou surpreso e satisfeito ao saber que um amigo seu, o também botânico Pierre Poivre, servia como governador daquela colônia francesa. Como Poivre o convidou a se hospedar em sua casa (possivelmente, também, a conselho de Boungainville, para evitar complicações com a lei francesa), Commerson e Jeanne se despediram da expedição, que seguiu de volta para a França. Commerson usou Maurício como base para uma expedição em Madagascar, mas a sua saúde se deteriorava. Sua sorte também virou: Poivre foi chamado de volta à França em 1772, e o novo governador retirou os privilégios e a própria hospedagem da dupla, deixando Commerson e Jeanne em situação precária. Commerson faleceu em 13 de março de 1773. Sem suporte na ilha Maurício, Jeanne regressou à França (tornando-se a primeira mulher a circunavegar o planeta), onde reclamou uma modesta herança deixada pelo seu patrão (e possível amante), levando consigo todo o material coletado ao longo dos últimos anos, e que Commerson não tivera tempo de organizar. Coube a Jussieu (Antoine Laurent, sobrinho dos Jussieu que Commerson conheceu em Paris) e a Pierre Lamarck descrever e publicar formalmente as espécies descobertas pelo colega.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

A maldição do Diamante Hope

Em 10 de novembro de 1958, o carteiro James G. Todd entregou em mãos à direção do Instituto Smithsonian um pacote contendo o Diamante Hope, famoso pela sua reputação de trazer má sorte aos seus possuidores.

O Diamante Hope é uma pedra de 1,1 bilhão de anos, aproximadamente elíptica, de 9,1 gramas, tom distintamente azulado. Foi obtido de uma rocha de kimberlita extraída de uma mina em Andhra Pradesh, na Índia, no século XVIII, e trazido à França. Conhecido como "Azul Francês", pertenceu ao rei Luis XIV da França e seus sucessores, Luís XV e XVI. Durante a Revolução Francesa, enquanto Luis XVI estava sitiado no Palácio das Tulherias, o diamante foi roubado junto com grande parte das jóias da coroa. Ele teria sido partido em dois ou três (o maior fragmento se tornaria o atual Diamante Hope) e contrabandeado para a Inglaterra. Lá, teria sido passado de mão em mão até chegar a um banqueiro e romancista londrino chamado Thomas Hope (de onde a pedra deriva seu nome). Em 1902 deixou a família Hope e foi eventualmente adquirido pelo sultão otomano Abdul Hamid II, que o vendeu para cobrir dívidas pessoais. Passou pela socialite americana Evalyn Walsh McLean, cuja extravagância contribuiu para popularizar a fama do diamante (a pedra, já encrustada num medalhão rodeado por diamantes menores, era exibido em eventos públicos, e escondido em brincadeiras durante as festas da família, embora fosse mantido sob vigilância, com um segurança especialmente contratado para manter o olho na joia). Um colecionador de jóias, Harry Winston, o comprou após a morte da senhora McLean. Ele o doou ao Instituto Smithsonian, onde faz parte hoje da coleção mineralógica e está em exposição no seu museu, em Washington.

O diamante foi primeiro trazido à Europa por um comerciante francês chamado Jean-Baptiste Tavernier. Sua origem nunca ficou muito clara. No final do século XIX e início do século XX, o problema da origem do diamante, e rumores sobre o destino dos seus proprietários, alimentaram artigos de jornais, especialmente no Império Britânico (onde o público vitoriano era especialmente ávido consumidor de histórias sobre mistérios e exotismos), que reproduziam esses rumores como fatos, mas sem qualquer tipo de comprovação. A própria Evalyn McLean capitalizou sobre essas lendas urbanas para elevar o valor de venda da pedra, que ela legou aos seus netos (mas acabou vendida pelos seus tutores). As lendas se tornaram tão elaboradas que incluem entre as vítimas personagens cuja existência sequer pode ser atestada historicamente, quanto menos as suas mortes. No entanto, ajudam a despertar a curiosidade acerca do belo diamante.

Tavernier poderia tê-lo comprado, ou, como popularmente se difundiu, roubado-o de uma estátua da deusa Sita; diamante estaria encrustado em um dos seus olhos ou na sua testa. O diamante teria sido amaldiçoado pelos sacerdotes locais. O aventureiro o vendeu ao rei da França, e como parte do pagamento, recebeu um título nobiliárquico. Tavernier fez fortuna comprando pedras preciosas no oriente e negociando-as na Europa. Morreu em Moscou aos 84 anos. As lendas dizem, no entanto, que ele morreu retalhado por cães em Istambul, durante uma última viajem à Pérsia.

Embora Luis XIV tenha tido igualmente vida longa e um próspero reinado (morreu aos 76 de uma gangrena), sua amante, Madame de Montespan, foi acusada de assassinar uma concorrente e exilada. Seu ministro das finanças, Nicholas Fouquet, teria caído em desgraça depois de usar o diamante em uma festa (foi deposto, preso e executado por traição). Seu bisneto Luis XV envolveu-se na Guerra dos Sete Anos, em que a coalização de que a França participava foi derrotada, obrigando-o a ceder grandes territórios a Espanha e Inglaterra na América, e Bélgica e Luxemburgo aos Habsburgo, e morreu aos 64 de varíola (por medo de infecção, seu corpo não foi embalsamado, mas banhado em álcool e cal; seu funeral foi acompanhado por apenas um cortesão). E Luis XVI e Maria Antonieta foram presos e decapitados pelos revolucionários, que também estupraram e despedaçaram sua confidente, a Princesa de Lamballe (dizem que seu corpo ainda foi arrastado até um café, colocado sobre uma mesa, onde os presentes brindavam à sua morte).

Ao chegar à Inglaterra, o diamante teria ido para as mãos do joalheiro holandês Wilhelm Fals (cuja existência é meramente conjectural), que teria lapidado a pedra partida e lhe dado uma forma aproximada à que apresenta hoje. Seu filho Hendrick o teria matado e roubado a pedra. Hendrick a revendeu a Daniel Eliason (este sim um personagem histórico) e cometeu suicídio algum tempo depois.

O próximo dono notório do Diamante Hope foi o próprio Thomas Hope, que o comprou de Eliason. Hope era um romântico, artista de vanguarda que rivalizava com o próprio Lorde Byron, e logo depois de morto, sua viúva se casou com um nobre inglês, e os dois se desfizeram de quase todas as suas obras e celebrados trabalhos de decoração. A quarta geração da família vendeu o diamante para pagar suas dívidas em 1902 - o último Hope, Lorde Francis, foi traído pela esposa, que se apaixonou pelo capitão do navio em que viajavam no ano anterior. A moça em questão, a atriz May Yohe, se casou diversas vezes e morreu pobre. A própria Yohe procurou a imprensa algumas vezes e, nessas ocasiões, insinuou que devia seus repetidos infortúnios ao diamante.

O joalheiro Simon Frankel (que teria seu negócio arruinado durante a Grande Depressão) comprou a jóia e depois a vendeu a um Jacques Colet, que cometeu suicídio. O príncipe russo Ivan Kanitovski o comprou de Colet, e foi assassinado na Revolução Russa. Enquanto estava em sua posse, ele o emprestou à atriz Lorens Ledue, a quem teria matado com um tiro quando apareceu no palco usando o diamante.

Em 1908 o sultão otomano o comprou e o vendeu pouco tempo depois. Dois funcionários que teriam tomado o diamante em mãos tiveram mortes trágicas (um deles tentou roubar o diamante e foi enforcado). Abdul Hamid se tornou tão paranoico que cortou fundos do exército temendo que ele - ou qualquer outra organização - pudesse destroná-lo a qualquer momento, o que acabou causando revolta entre os militares e alimentando a Revolução dos Jovens Turcos, o embrião da Revolução Turca que aboliria a monarquia em 1922. Como consequência, foi deposto em favor do irmão, e viveu em cárcere privado de 1909 a 1918 (ele teria morrido esfaqueado por uma de suas concubinas).

O joalheiro grego Simon Montharides comprou em seguida e revendeu o diamante (não se tem documentação que prove a sua posse do diamante, e não se sabe se ele o comprou do sultão, ou se o vendeu a ele, ou se existiu realmente). Ele, sua esposa e seu filho teriam morrido quando sua carruagem caiu de um precipício.

Evalyn McLean comprou do famoso joalheiro Pierre Cartier, que compôs o medalhão atual onde a pedra está engastada atualmente, e fomentava os rumores sobre sua maldição. Após comprar a pedra, o filho mais velho dos McLean morreu atropelado em frente de casa. Outra filha, casada aos 19 anos com um velho senador, suicidou-se com uma overdose de soníferos. Nas ocasiões festivas em que exibia o medalhão aos convidados, o teria emprestado a Warren Harding e sua esposa Florence. Harding chegou à presidência dos Estados Unidos em 1921, e morreu de problemas cardiorrespiratórios no meio do seu mandato, enquanto parte do seu gabinete era investigada por corrupção. Florence morreu um ano depois de falência dos rins. Evalyn, que se viciara em morfina, se divorciou do marido Edward, dono do jornal Washington Post, em termos litigiosos em 1932. Edward começou a apresentar problemas psiquiátricos, teve que vender o jornal para saldar dívidas, morrendo em um asilo 9 anos depois.

Os herdeiros dos McLean, ainda lidando com as dívidas do casal, venderam a joia a Harry Winston, que foi convencido a doá-la ao Smithsonian (a família Winston não parece ter sofrido qualquer infortúnio extraordinário que pudessem atribuir ao diamante). O carteiro que entregou o pacote ao instituto, James Todd, sofreu dois acidentes graves, um em que um caminhão esmagou sua perna, e outro de carro em que feriu a cabeça. Sua esposa morreu de ataque cardíaco, seu cachorro morreu enforcado na própria coleira, e sua casa foi destruída em um incêndio. No entanto, ele não acreditava na maldição, e alegava ter tido sorte porque seus quatro filhos não estavam dentro de casa quando aconteceu.

Espero que escrever sobre o Diamante Hope não me inclua na maldição.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Inca ressurgido

Em 4 de novembro de 1780, Tupac Amaru II, clamando para si a descendência dos incas, lança sua declaração aos povos indígenas do Peru colonial a que se levantassem contra o domínio espanhol, dando início ao primeiro grande movimento indigenista da América do Sul.

Após quase 40 anos de resistência, os espanhóis subjugaram o último reduto inca em Vilcabamba, no Peru, e executaram seu último líder Túpac Amaru, em 1572. Durante esse longo período entre a conquista de Francisco Pizarro e a queda de Vilcabamba, os espanhóis empreenderam a aculturação e fragmentação das populações nativas com fins de usá-las como mão de obra e desestimular possíveis revoltas. As doenças trazidas da Europa serviram como espécies de armas biológicas passivas, dizimando talvez 2/3 da população nativa e desestruturando a sua sociedade, mas os conquistadores foram além. Seus símbolos, suas obras arquitetônicas, sua religião, e até mesmo seus sofisticados sistemas de agricultura em degraus foram sistematicamente destruídos. Os espanhóis ainda tiraram proveito do sistema de recrutamento de trabalhadores do Império Inca, que exigiam que cada família cedesse um membro para trabalhar em obras públicas, e demandavam um substituto em caso de morte ou invalidez, para manter as famílias e clãs sob controle e arregimentar mão de obra em regime semelhante à escravidão (chamado mita) para trabalhar nas minas de prata. A prata obtida pelo Vice-reinado do Peru (como se chamava a nova colônia espanhola no oeste da América do Sul, incluindo Peru, Equador, Bolívia e norte do Chile) alimentou a economia européia e elevou a Espanha ao status de superpotência.

Mais tarde, a relação de trabalho também se transformou numa relação de dependência entre o colonizador e o nativo, no sistema conhecido como Encomienda, em que um espanhol designado pelo rei ou autoridade em seu nome era encarregado da "segurança" da população, em troca dos seus serviços ou de tributação em espécie. O encomendero responsabilizava-se pela catequização, pelo ensino do castelhano, segurança, e manutenção e desenvolvimento da infra-estrutura (com mão de obra local). Criava-se automaticamente uma dívida que era impossível de ser paga. O sistema de Encomiendas derivou do modelo feudal da Europa Ocidental e foi aperfeiçoado na Espanha durante a Reconquista; espanhóis eram designados a cumprir as funções de encomendero sobre populações muçulmanas, com a diferença de que, na América do Sul, o encomendero não recebia posse da terra sob sua tutela (toda terra no Novo Mundo pertencia à instituição da Coroa, não uma posse pessoal dos seus monarcas). As Encomiendas contribuíram para o desmantelamento das identidades tribais graças a um dispositivo que impedia aos mestiços cristianizados de se submeterem a esse sistema, o que levou muitos nativos e mestiços integrantes de tribos locais a renegarem suas raízes ou buscarem casamento com espanhóis, e integrarem-se à sociedade colonial.

Eventualmente, as Encomiendas foram dando espaço para relações de trabalho mais eficientes, sendo abolidas em 1720. Mas a exploração da mão de obra nativa continuou opressiva em vários aspectos. Durante o século XVIII os reis espanhóis empreenderam várias reformas que pretendiam direcionar o desenvolvimento econômico das colônias para benefício direto da economia espanhola, que então perdia terreno para holandeses, ingleses e franceses no Velho Mundo. Essas reformas pretendiam restringir a autonomia dos criollos (espanhóis nascidos na colônia), recuperando o controle da Coroa sobre a atividade econômica. Por exemplo, os trabalhadores que não se empregavam em empreendimentos dirigidos ou supervisionados por espanhóis (os corregidores) eram taxados de forma a jamais conseguirem prosperar com seu próprio trabalho.

Neste contexto surge José Gabriel Condorcanqui, um mestiço nascido na província de Cuzco, filho de um cacique quéchua, Miguel Condorcanqui Usquiconsa, educado pelos jesuítas. Falava quéchua, castelhano e latim, o que lhe deu acesso à literatura. Seu livro de cabeceira era Comentarios Reales de los Incas, publicado no começo do século XVII pelo mestiço inca-espanhol Garcilaso de la Vega, que narrava, de maneira romântica e idealizada, sobre a sociedade inca pré-colonial e a sua resistência aos conquistadores. Ainda era leitor ávido da Bíblia, do Ollantay (poema dramático em quéchua que relata um romance proibido entre o general-plebeu Ollanta e uma princesa inca, Cosi Coyllur, no auge do império), e as obras de iluministas europeus como Voltaire. Se casou com Micaela Bastidas, descendente de incas e negros, mulher com forte senso de identidade cultural e nacional.

Como cacique, tinha influência sobre uma vasta área centrada em Cuzco e sua prosperidade econômica atraía a atenção da administração colonial. Era sua função como líder tribal mediar as relações entre o corregidor e os indígenas sob sua jurisdição. Isto o aproximava da realidade dos nativos sob o regime colonial, e seu contexto formativo colocava-o ideologicamente lado a lado com eles. Frequentemente se queixava às autoridades contra cobranças abusivas e tratamento desumano dos trabalhadores indígenas (muitos ainda submetidos à mita), mas sem retorno. Com o tempo, sobretudo após seu casamento e o nascimento dos filhos nos anos 1760, José Gabriel passou a fomentar um levante de criollos, nativos e mestiços contra a metrópole pela sua independência (de início, independência econômica, do ponto de vista meramente libertário). Micaela e seus parentes começaram a trabalhar às escondidas na divulgação das ideias e planos, recrutamento e recolhimento de recursos para o movimento. Vários caciques quéchua e aymara, suas tribos e muitos mestiços e escravos negros vieram a aderir à causa, chegando às dezenas de milhares homens e mulheres, do altiplano peruano, Bolívia, até o norte da Argentina, dispostos a lutar.

Em 4 de novembro de 1780, uma carta falsa atraiu Antonio Arriaga, corrigidor do distrito de Tinta, próximo a Cuzco, a uma emboscada. Ele foi preso e executado pelo seu próprio escravo negro, e com ele foram apreendidos boa quantidade de dinheiro, ouro e armas. Antes de morrer, foi obrigado a escrever cartas a espanhóis notáveis exigindo resgate, que foi pago quando Arriaga já era morto. José Gabriel viu que chegara num ponto se volta. Ele adotou para si o título de "Don José Primeiro, Senhor dos Césares e das Amazonas", adotando também para si o cognome Tupac Amaru II, alegando descendência matrilinear do último imperador inca. O chamado, agora pela independência política dos povos nativos do Vice-reinado do Peru, foi rapidamente divulgado. Enquanto Tupac Amaru II cuidava da parte política, Micaela coordenava a logística, a burocracia e a organização de pessoal do movimento. Sua influência até motivou a formação de um núcleo proto-feminista de ativistas quéchua e aymara pela afirmação da participação política e social da mulher indígena.

Os espanhóis mobilizaram tropas. Em 19 de novembro 900 soldados encontraram Tupac Amaru II e seus homens na aldeia de Sangarará, onde os nativos, em muito maior número, os esmagaram, capturando suas armas. Era fundamental a apreensão de qualquer tipo de armamento, pois os nativos eram proibidos de portar armas de fogo. Rapidamente, porém, apesar de um discurso integrador do seu líder, o movimento espiralizou em direção à violência racial: os assaltos, saques e assassinatos eram direcionados aos espanhóis, incluindo criollos (que em nada diferiam fisicamente de espanhóis europeus). De uma a duas mil pessoas foram massacradas em Chuquiasca por guerreiros de Tupac Amaru II.

A perda de apoio dos criollos se provaria fundamental na derrocada de Tupac Amaru. Foram os criollos legalistas que evitaram a conquista de Cuzco. Após uma série de derrotas e a deserção de grande parte dos seguidores, alguns aliados próximos entregaram às autoridades a localização do comando do movimento. Em maio de 1781, Tupac Amaru II, Micaela, seus filhos Hipólito e Fernando (este com 10 anos), vários dos seus familiares e colaboradores foram presos e condenados à morte em Cuzco. Tupac foi obrigado a assistir a execução de cada um deles (sua esposa teve a língua cortada, o pescoço amarrado e apertado por duas cordas como a um animal, e espancada até desfalecer asfixiada). Depois de tentarem desmembrá-lo atando braços e pernas a quatro cavalos, os executores decapitaram e esquartejaram o líder, e seus membros enviados a várias vilas na zona rebelde como aviso. A língua quéchua e vestimentas tipicamente indígenas, bem como celebrações tradicionais foram proibidas por decreto.

A resistência continuou com força no sul do Peru e Bolívia por mais um ano (cerca de 15 mil pessoas, a maioria aymaras, morreram num cerco de mais de 100 dias a La Paz). Seus líderes também assumiram o cognome Tupac Amaru, como se fosse uma espécie de título. Em março de 1782 o último líder, o mestiço Diego Cristóbal Tupac Amaru, foi preso e executado.

Embora tenha fracassado, a rebelião de Tupac Amaru II foi o maior movimento indigenista da América Espanhola até então, e inspirou diversos outros levantes indígenas pelo continente nas décadas seguintes. No século XX, movimentos armados no próprio Peru relembrariam Tupac Amaru II e se utilizariam da sua imagem: os militares no poder entre 1962 e 1980 se apropriavam da sua imagem para dar um rosto à sua "revolução", e depois o Movimiento Revolucionario Tupac Amaru, de orientação leninista, operaria ações de guerrilha e terrorismo contra os governos democraticamente eleitos. No Uruguai, Tupac Amaru II inspirou o Movimiento de Liberación Nacional-Tupamaros nas décadas de 1960 e 1970, de cunho anarco-socialista. Um dos seus membros, o anarquista José Mujica, viria a se tornar presidente do país. Outro movimento Tupamaro, na Venezuela, converteu-se em um partido político de esquerda de orientação leninista radical, acusado pela oposição de recorrer à violência armada contra manifestantes anti-governo em 2014.

terça-feira, 3 de novembro de 2015

O segundo golpe da República

Em 3 de novembro de 1891, o primeiro presidente da República Federativa do Brasil, marechal Deodoro da Fonseca, diante de fortes pressões políticas, decretou medidas que colocaram o país em estado de sítio, esperando estabilizar o país sob a forma de uma ditadura.

A Guerra do Paraguai representou um ponto de mudança na política brasileira. Embora tenha sido uma vitória para o Brasil, ela trouxe os militares, muitos dos quais republicanos, ao centro dos círculos políticos do Império. Ao mesmo tempo, os gastos em vidas e dinheiro (que geraram uma persistente dívida pública), junto com a deterioração da saúde do Imperador Pedro II e a constante delegação de poderes à Princesa Isabel e aos ministros, fragilizaram a autoridade imperial. A autoridade do governo fragilizada, e sem o apoio convicto dos militares, resultou na proclamação da República em 1889.

O regime imperial estava tão fragilizado que o ato da proclamação da República veio por acidente durante um protesto, no Campo de Santana, centro do Rio de Janeiro, de militares contra o primeiro-ministro, o Visconde de Ouro Preto (espalhou-se um boato, falso, de que Ouro Preto havia mandado prender o Marechal Deodoro da Fonseca). No meio dos acontecimentos do dia 15 de novembro de 1889, os revoltosos, entre eles alguns republicanos declarados, mandaram chamar o idoso marechal Deodoro, uma figura de grande carisma e autoridade que lhes daria a segurança de que o governo não revidaria o protesto com violência. Deodoro, que estava doente, tirou seu pijama e vestiu sua farda, e foi ao Centro o mais rápido possível. Enquanto isso, Pedro II já havia decidido pela substituição do Visconde de Ouro Preto na pasta (diante do protesto, todo o gabinete pediu demissão). Dizem algumas versões que o indicado para substituí-lo era Gaspar Silveira Martins, um político gaúcho com quem Deodoro se desentendera por causa de uma mulher havia muitos anos, e isso o teria levado a se alinhar com rebeldes e republicanos naquele momento crítico contra o Imperador, seu amigo pessoal e a quem dizia dever favores. Com a chegada de Deodoro à praça, os republicanos teriam celebrado ruidosamente a queda do Império, enquanto Deodoro teria tirado o chapéu e gritado "Viva Sua Majestade!"

Eventualmente, Deodoro, finalmente ciente do papel que tomara para si naquela circunstância, reuniu-se com republicanos e vereadores da capital e lavrou uma ata, lida por José do Patrocínio (que também abandonara sua lealdade à monarquia no último momento), proclamando a República. Pedro II, no Paço de São Cristóvão, a pouco mais de 4 quilômetros dali, se recusou a mobilizar o exército para controlar a situação e acatou a decisão. Deodoro logo publicara seu primeiro decreto, proclamando o Brasil uma república federativa, elevando as províncias a estados federados, com seus próprios poderes executivos, legislativos e judiciários. Os novos estados aderiram rapidamente ao novo regime, largamente pela figura simbólica do marechal, membro do Partido Conservador. A família imperial foi exilada para Portugal no dia 17 de novembro. Por toda a capital, os símbolos da casa imperial de Bragança ostentados em prédios e gradios públicos foram arrancados, e substituídos mais tarde pelo Brasão da República. Foi o primeiro golpe de estado da República.

O primeiro governo provisório foi decidido a portas fechadas. Deodoro era membro da maçonaria (em 1891 foi nomeado Grão-Mestre), e os membros escolhidos para os ministérios eram absolutamente todos maçons. Embora em dezembro de 1889 tenha-se criado uma comissão para discutir as direções a serem apresentadas a uma Assembléia Constituinte a ser definida depois, por meses Deodoro governou por decreto, e este ponto de instabilidade institucional inspirava a desconfiança de investidores e governos estrangeiros, a formação de núcleos de resistência nas forças armadas e na sociedade civil (em dezembro de 1889 foi instituído um corpo de censores para regular a imprensa), e divergências entre os próprios republicanos. Duas correntes logo divergiram nos seus projetos para o novo regime. Uma, de influência liberal, pretendia um Estado federativo nos moldes dos Estados Unidos, com grande autonomia regional, e separação inequívoca entre os poderes; uma outra, influenciada pelo positivismo, planejava uma espécie de ditadura republicana iluminada, com concentração de poderes no Executivo, com alguns dispositivos que, em tese, garantissem que seus atos operassem para o bem comum. Houve também um cisma entre militares (alinhados com o positivismo) e civis (a maioria entre os liberais) na política. A economia também não ia bem, devido a uma política monetária iniciada pelo Visconde de Ouro Preto e continuada pelo novo ministro da fazenda Ruy Barbosa, conhecida como Encilhamento, que, ao tentar criar um cenário econômico propício para o crescimento da indústria, acabou desviando os investimentos privados de projetos públicos para o mercado especulativo, causando aumento exponencial da desigualdade com forte acumulação de capital, criando uma bolha no mercado financeiro que desestabilizou a economia.

Todos esses fatores influíram na celeridade do processo para a votação da nova Constituição - três meses entre a posse dos deputados constituintes até sua promulgação, sem grandes alterações à redação proposta pelo governo, em 24 de janeiro de 1891. A Constituição previa que o primeiro período republicano seria presidido por um presidente e um vice, eleitos pelo Congresso Constituinte (que a seguir tomaria posse do Congresso Nacional) de candidaturas independentes. Deodoro elegeu-se com relativa facilidade, mas o vice de sua chapa, almirante Eduardo Wandenkolk foi derrotado pelo candidato da oposição, marechal Floriano Peixoto (que apostara em pretos e vermelhos lançando-se, concomitantemente, à presidência, obtendo apenas 3 votos).

Apesar da vitória, o apoio a Deodoro de maneira geral era baixo por causa da crise econômica, e na esfera política era delicado desde o momento em que os paulistas ofereceram apoio a Floriano. Prudente de Morais, paulista e principal líder civil no Congresso, foi segundo colocado na eleição presidencial, arrastando 1/3 do parlamento consigo para a oposição. Deodoro apostara num Congresso com maioria de militares positivistas que apoiariam uma centralização de poderes no seu gabinete, mas a força da votação em Floriano Peixoto mostrou que as antigas elites cafeicultoras ainda ditariam os rumos do novo regime. O Congresso, durante boa parte do ano de 1891, tentou passar leis que reduzissem os poderes do presidente. No final de outubro daquele ano, a Lei de Responsabilidades, que poderia, pela Constituição, levar ao impeachment do presidente, estava em vias de ser aprovada.

Em 3 de novembro, encurralado por todos os lados, Deodoro tentou uma última cartada. No Decreto 641 publicado no dia 3 de novembro de 1891, Deodoro dissolveu o Congresso, convocando (sem data definida) novas eleições, determinando que o novo parlamento revisasse artigos específicos da Constituição (alegando o Congresso Nacional estar ultrapassando os limites previstos na Constituição e legislando sobre assuntos do Executivo e do Judiciário e que a Constituição em si apresentava falhas que abalariam a harmonia entre os Poderes). Estabeleceu estado de sítio no país: baixou censura sobre todos os jornais da capital; oficiais do exército procederam em esvaziar os prédios da Câmara e do Senado (literalmente colocando os parlamentares aturdidos na rua) e mantê-los trancados; líderes oposicionistas foram presos (incluindo seu antigo aliado, Quintino Bocaiúva). Se a República começara com um golpe de Estado que dava a si mesmo ares de democracia, agora ela caíra em uma ditadura.

Porém, Deodoro estava realmente sozinho. Prudente de Morais e Campos Sales começaram a organizar uma resistência civil ao golpe a partir de São Paulo. O representante do Partido Republicano Rio-Grandense no Congresso Estadual do Rio Grande do Sul, Júlio de Castilhos, declarou seu apoio a Deodoro no dia 12, e foi em seguida obrigado a renunciar. Grande parte dos militares viraram as costas ao presidente e ofereceram lealdade a Floriano Peixoto, inclusive os da marinha. Nos dias seguintes ao golpe de 3 de novembro, setores inteiros da economia entraram em greve. Deodoro tentou tranquilizar a oposição definindo as eleições legislativas para 29 de fevereiro do ano seguinte, mas era tarde demais. Dois dias depois, a pedido de Floriano, o almirante Custódio de Melo, no comando do encouraçado a vapor Riachuelo e outras embarcações fundeadas na Baía de Guanabara, ameaçava abrir fogo contra a capital caso Deodoro não entregasse o cargo. O marechal entregou a presidência ao seu vice para evitar uma guerra civil (a sublevação da marinha ficaria conhecida como Primeira Revolta Armada). Deodoro da Fonseca morreu 10 meses depois.

Floriano Peixoto assumiu a presidência mas não convocou eleições, como preconizava a Constituição de 1891 (a Carta previa que, se em menos de dois anos a contar da data das eleições indiretas de 1991 a presidência ficasse vacante, o vice convocaria novas eleições). Na verdade, com apoio das forças armadas, sentou-se à mesa do presidente tão confortavelmente que logo que surgiram as primeiras insinuações de que impunha uma ditadura, ordenou prisões e endureceu a censura e a repressão a movimentos civis. Uma segunda Revolta Armada tomou lugar no Rio de Janeiro (novamente, com a marinha comandada por Custódio de Melo exigindo reformas políticas), mas acabou num impasse e se diluiu, sendo derrotada em Santa Catarina em 1894. A instabilidade do Governo Federal teve reflexos imediatos no Rio Grande do Sul, onde explodiu a Revolução Federalista entre facções pró e contra Floriano (Castilhos estava com o governo), um conflito armado que resultou em cerca de 10 mil mortos. Devido à sua contundência na condução da política e no ataque aos oposicionistas e às diferentes rebeliões pelo país, Floriano ficaria conhecido como Marechal de Ferro.

A ditadura no Brasil só terminaria formalmente com a eleição de Prudente de Morais em 1894, termo final do primeiro mandato que Deodoro da Fonseca não chegou a cumprir. A estabilidade política veio de tal maneira que o Brasil passou as próximas três décadas governado por políticos capitaneados pelas oligarquias agrárias de São Paulo e Minas Gerais, a despeito de graves e contínuas agitações sociais e crises econômicas. Foi preciso que uma crise econômica global, restringindo o poder econômico das elites cafeeiras, abrisse uma brecha para uma mudança no cenário nacional - em 1930, a velha "Política do Café-com-Leite" seria derrubada por um novo golpe de estado e substituída por 15 anos por uma nova ditadura, sob Getúlio Vargas.