segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Nomes

O dia 23 de novembro coincide de ser o dia de nascimento dos reis Oto I do Sacro Império Romano (973) e Alfonso X de Castela (1221). Pela habilidade política na consolidação da sua posição, e pela força com que impôs uma unidade política ao seu reino e novos paradigmas às suas instituições, Oto é cognominado "O Grande". Já Alfonso, apaixonado por astronomia, literatura e línguas, dedicou grande parte do seu reinado à ciência e à formalização da língua castelhana, pelo que ficou conhecido como "O Sábio".

Cognomes são como apelidos adicionados ao nome, atribuídos a uma pessoa com base na percepção da opinião pública e/ou da História sobre a sua personalidade, as características físicas ou psíquicas, habilidade ou realizações. Principalmente quando o personagem em questão tem um nome muito comum (quase todos os 18 reis Luís e 10 reis Carlos da França têm um cognome que os diferencia um do outro). Boa parte desses apelidos foram "conquistados" com uma boa dose de propaganda pessoal, alguns também derivados de uma boa contra-propaganda derrogativa (Maria I, rainha de Portugal, era conhecida como "A Piedosa" na Terrinha por causa da sua boa relação com a Igreja, mas no Brasil ficou conhecida como "A Louca" por causa da deterioração do seu estado mental desde que chegou por aqui).

O uso de apelidos também era mais usual na Antiguidade, quando a estrutura atual de nome e sobrenome (que designa a família da qual viemos, voltaremos a isso adiante) não estava estabelecida. Na Grécia Clássica ou na Pérsia Aquemênida o cidadão tinha um nome apenas (não raro o nome era constituído por dois radicais que descreviam alguma característica do seu portador, como Demóstenes ou Aristóteles, o que permitia inúmeras combinações diferentes), e ele se diferenciava dos seus homônimos por um cognome qualquer, como acontecia com os 12 Ptolomeus e as 7 Cleópatras que governaram o Egito. Em Roma, onde a origem familiar se tornou importante, os patrícios e equestres (a classe intermediária, acima dos plebeus) batizavam seus filhos com um prenome e um sobrenome da sua família (gens), que era hereditário. Eventualmente, os cognomes que eram atribuídos a personagens notáveis dentro de cada família acabaram se tornando também hereditários, para que seus descendentes legais (filhos ou descendentes legais de qualquer tipo) fossem reconhecidos como tais. Por exemplo, o célebre advogado e orador Marco Túlio Cícero: Marco era seu prenome, Túlio o nome da sua família, e Cícero um apelido dado à linhagem do seu pai, algumas gerações antes, em referência à sua atividade como plantadores de ervilhas, cicer em latim (pelo qual Cícero era discriminado pelos círculos da alta sociedade romana na infância e início da carreira).

Os romanos mantiveram este sistema trinomial por bastante tempo mesmo depois do fim do Império do Ocidente. Os germanos que os sucederam mantinham o costume antigo de dar apenas um nome aos seus filhos (nomes que eram combinações de palavras com significados específicos, como os gregos), de maneira que os reis germânicos na Escandinávia, na Alemanha, na Inglaterra, e mesmo na França e na Itália frequentemente recebiam um cognome significativo em vida ou após a morte (mesmo um monge, como o anglo-saxão Bede, ficou para a posteridade como "O Venerável"). Com o tempo, o nomes pátrios passaram a ser usados como sobrenomes para designar dinastias locais, e os casamentos entre as casas reinantes geravam sobrenomes enormes (pois num universo político em que sua ascendência designava onde você poderia reinar, nenhum sobrenome nobre podia ser dispensado). Durante a Idade Média, as pessoas comuns seguiam um caminho paralelo, adotando para si os nomes dos seus ofícios ou das guildas profissionais a que se filiavam como cognomes, que acabariam se tornando sobrenomes familiares (por exemplo, Ferreira em Portugal, e seus correlatos em outras línguas, como Ferrer na Espanha, Smith em inglês, Schmidt em alemão, Kovac em eslovaco, Kuznets((ov)) em russo). Quando os judeus sefaraditas viram-se obrigados a adotar o cristianismo ou fugir da Península Ibérica, muitos substituíram seus sobrenomes hebraicos, geralmente compostos pelo prenome do pai (ou da cidade de origem da família) e um prefixo indicando posse ou origem (ab-, bar-, ben-, etc.) por nomes, preferencialmente, de árvores (Nogueira, Carvalho, Pereira, Figueira, etc.). O costume de usar o nome do pai como sobrenome para os filhos (e a esposa), comum também entre os árabes, persistiu na Espanha e nos primeiros séculos de Portugal, após a queda do Califado de Córdoba. Por exemplo, Fernandes significa "(filho ou esposa) de Fernando"; o primeiro rei de Portugal, Afonso I, é conhecido como Afonso Henriques, ou "filho de Henrique" ("ibn-Arrik" em árabe). Nos países escandinavos e em vários países eslavos, o nome do pai ou do patriarca da família ainda é usado como sobrenome. O sentido se perdeu, mas o costume permanece hoje na maioria dos países sob influência européia latina ou germânica. Derivado disso, escravos africanos na América costumavam ser registrados com sobrenomes dos seus senhores, indicando não uma adoção ou relação forjada de parentesco, mas sua propriedade.

O cognome "O Grande" sempre ficou reservado aos reis que realizaram feitos de grande relevo para seu país - alguém que consolide instituições eficientes e duradouras, alguém que consiga vitórias importantes na guerra, ou que expanda as fronteiras além dos seus limites históricos. Às vezes, a medida de grandeza era o favorecimento que o rei em questão dava à causa religiosa. Ciro II da Pérsia (fundador do Império Aquemênida), Alexandre III da Macedônia (o conquistador do maior império da Antiguidade), Assoka da Índia (ao contrário dos outros, um pacifista convicto que se recusaria a expandir o reino pela guerra mas que se tornaria propagador do budismo), Carlos I dos francos (Carlos Magno, cujo cognome é incorporado ao seu próprio nome em francês e inglês, "Charlemagne"), Alfredo de Wessex (rei anglo-saxão que foi o primeiro a ser coroado "rei dos ingleses"), Oto I do Sacro Império Romano (pelas razões acima), Pedro I da Rússia (que expandiu extraordinariamente o seu império em direção à Ásia para algo bem próximo do que é a Rússia hoje) são exemplos bem conhecidos.

No outro extremo do espectro temos cognomes nada elogiosos para monarcas que, por incompetência ou infelicidade, viram a ruína do seu país ou da sua dinastia; ou porque seus feitos foram tão inócuos ou nocivos que alguma característica física fosse ressaltada pejorativamente; ou porque simplesmente difamados pos morten por sucessores ou rivais. Clovis II dos francos ("O Preguiçoso", entronizado ainda criança, passou quase todo seu reinado sob influência de seus regentes), Luís II da Frância Ocidental ("O Gago", um pacifista que viu a França assolada por vikings e morreu em campanha), Carlos III da França ("O Gordo", considerado inapto para o cargo, incapaz de defender o país dos vikins, acabaria deposto), Etelredo da Inglaterra, ("O Despreparado", que abandonara o trono ainda jovem diante de uma esmagadora invasão dinamarquesa para retomá-lo depois da morte do rei dinamarquês Sven "Barba Bifurcada"), Afonso II de Portugal ("O Crasso", concentrou-se no desenvolvimento da administração interna num tempo em que as elites desejavam guerras expansionistas contra castelhanos e mouros), Carlos VI da França ("O Louco", devido aos contínuos surtos psicóticos que o impediam de tomar decisões objetivamente), Richard Cromwell, Lorde Protetor da Inglaterra ("Dick Arruinado", filho e sucessor do republicano Oliver Cromwell, muito mal quisto pelos monarquistas que o depuseram), Jaime II da Inglaterra ("O Cagado", derrotado e difamado após a Revolução Gloriosa). Por razões políticas, Guilherme da Normandia, conquistador da Inglaterra, é alternadamente referido como "O Conquistador" ou "O Bastardo".

No meio do caminho pode-se encontrar Wifredo I da Catalunha ("O Peludo"), Pepino III dos francos ("O Breve"), Ricardo I da Inglaterra ("Coração de Leão"), Luis III do Sacro Império Romano ("O Cego"), Ferdinando I da Áustria ("O Benigno"), Dinis I de Portugal ("O Lavrador"), Gjorgi Kastrioti da Albânia (conhecido como "Skanderbeg", ou "Lorde Alexandre" pelos turcos, que alegadamente o comparavam a Alexandre, "O Grande"), Carlos II de Navarra ("O Mal"), Selin II do Império Otomano ("O Loiro"), Frederico I do Sacro Império Romano ("Barba Vermelha", ou "Barbarossa" como era conhecido na Itália), Conan IV da Bretanha ("O Negro"), Ivailo da Bulgária ("O Repolho"), João I da Inglaterra ("O Sem-Terra"), Manuel I de Portugal ("O Venturoso"), Luis XIV da França ("O Rei-Sol"), Vlad III da Valáquia ("O Impalador", ou "Drácula", que significa algo como "filho do dragão" ou "do Diabo" em romeno), Mehmed I do Império Otomano ("O Executor"), e muitos outros "Justos", "Magníficos", "Belos", "Patriotas", etc.. O pai de Oto "O Grande" era Henrique "O Passarinheiro".

Mas em termos de criatividade, ninguém na Europa supera os germânicos dos séculos VIII a XI - francos, saxões e escandinavos. A tradição guerreira desses povos no momento da transição da sociedade tribal para a formação de Estados organizados se refletia nos apelidos dos seus reis-guerreiros, que serviam tanto para exaltar seus atributos e proezas, como para inspirar temor nos seus inimigos (e que fariam frente aos personagens de As Crônicas de Gelo e Fogo, de George R.R. Martin, embora seja possível que ele os tenha usado como inspiração para seus "selvagens" do Norte): além de um "O Grande" (Canuto, que tomaria um verdadeiro império que incluía quase toda a Escandinávia e a Inglaterra), havia Harald Hardrada ("Conselheiro Implacável"), Magnus "Pés Descalços", Eric "O Vermelho", Eric "Machado de Sangue", Harold "Dente Azul" (ou "Dente de Batalha", se traduzido literalmente do islandês "Hilditönn"), Carlos Martel ("O Martelo"), Edmundo Ironside (não há tradução direta, significaria algo como "muito forte", "com flancos de ferro"), Haakon "De Ombros Largos", Sverker "Perna de Pau", Harald "De Belos Cabelos", Roberto "O Forte", Etelstão "O Glorioso", Harald "Pele Cinzenta", Ragnar Lodbrok ("Brechas peludas", em alusão à barba que saía pelo seu elmo), Gudrod "O Caçador", Rolo "O Andarilho", Ivar "Braça Larga", Anund "Rastro de Fogo". Além desses, também havia guerreiros como Sigurd "Cobra-no-olho", Thorstein "Fazedor de Navios", Bjorn Ironside (literalmente "Urso Com Flancos de Ferro"), Thorgill "O Veloz", Ivar "Sem Ossos", Halfdan "Pernas Longas", Gunnlaugr "Língua de Serpente", Thorkell" O Alto",  Thorgills "Lábio Leporino", Ulv "O Lobo da Galícia" e Ragnvald "Alto Como a Montanha".

Devia ser embaraçoso ser Carlos "O Gordo" nesta era.

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