quarta-feira, 29 de julho de 2015

A Armada Espanhola

Em 29 de julho de 1588, uma numerosa esquadra inglesa venceu a Armada Espanhola perto da costa de Gravelines, atual Bélgica, impossibilitando definitivamente uma invasão espanhola à Inglaterra.

Durante o século XVI, as questões religiosas começaram a interferir nas questões dinásticas, sobretudo na Inglaterra Tudor, cujo rei Henrique VIII fundara o Anglicanismo com o intuito de romper a dependência de Roma nas sua decisões domésticas (particularmente no seu direito ao divórcio). Enquanto isso, a família Habsburgo plantava suas sementes em casamentos reais, de maneira que um dos filhos do Sacro Imperador Romano Carlos V, Filipe, tornara-se ainda jovem, rei de Nápoles e reclamante do trono do finado Reino de Jerusalém. Isto o qualificava a um casamento com igualdade de condições com Maria I, rainha da Inglaterra, e sua prima (o que o tornaria, também rei da Irlanda). Em 1556 seu pai, que também era rei da Espanha, morreu, deixando-o, como Filipe II, no trono espanhol com suas possessões ultramarinas, além de territórios em Milão, a região do Franche Comté na França, os Países Baixos e Luxemburgo. Em 1558 assumiu também o trono de Portugal, de cuja falecida princesa Maria Manuela fora casado por 8 anos. Quando Maria I morreu, dois anos depois, Filipe foi obrigado pelo acordo de casamento a ceder o trono a Elizabeth I, a filha anglicana da união de Henrique VIII e Ana Bolena, pois seu papel de rei emanava da sua união com Maria, "até a morte".

No primeiro momento, Filipe, um monarca pragmático, lidou com a perda da Inglaterra de maneira política. Ele chegou a propor casamento com Elizabeth, mas, como viria a ser sua característica, a nova rainha cultivava uma imagem de castidade e postergou a resposta até Filipe perder o interesse e procurar outra alternativa. Ainda assim ele procurou manter relações cordiais com a Inglaterra, defendendo Elizabeth de questionamentos sobre a sua legitimidade diante da ameaça do Papa de excomunhão.

A questão religiosa aproximou Elizabeth dos protestantes holandeses, formalmente súditos rebeldes de Filipe. Como resultado desta aliança, embarcações inglesas começaram a atacar navios espanhóis carregados de produtos do Novo Mundo em atos de pirataria (o capitão Francis Drake, secretamente a serviço da rainha, alçaria grande fama atacando navios e alguns dos principais portos espanhóis). Em 1585 Elizabeth formalizou a aliança no Tratado de Nonsuch, fornecendo tropas e suprimentos aos protestantes holandeses contra a coroa espanhola. Filipe considerou o tratado uma declaração de guerra.

Na época, a Escócia gozava de independência e era governada por outra Maria, parente distante dos Tudor. Enquanto Elizabeth era protestante, e, portanto, tinha seu direito à coroa questionada pela Igreja Católica, Maria era católica. Conspirações dentro da própria corte escocesa a levaram à prisão e à deportação para a Inglaterra, onde viveu muitos anos sob custódia. Ela foi presa uma última vez em 1586, acusada de colaborar com um plano para assassinar Elizabeth. Filipe havia assinado em 1584 um tratado com a França católica para a colaboração mútua contra os protestantes, e isso incluiu esforços conjuntos para restaurar Maria de volta ao trono escocês - e talvez elevá-la ao trono inglês.

A execução da rainha escocesa em 1587 provocou uma mudança radical de planos: Filipe tentaria diretamente invadir a Inglaterra para tirar Elizabeth do poder. Para isso ele ordenou a mobilização de grande parte da marinha espanhola, armando 130 navios de grande e médio portes com 2500 canhões e 18000 soldados. Era a Grande e Felicíssima Armada Espanhola. Demorou dois dias inteiros até que todos os navios deixassem o porto de Lisboa em direção ao Canal da Mancha, especificamente à Ilha de Wight, junto à costa inglesa, onde esperariam reforços vindos do ducado de Parma para a invasão propriamente dita.

Uma operação deste tamanho não passou despercebida dos ingleses, que mobilizaram sua própria frota para interceptar o maciço ataque espanhol. Ao longo do trajeto, os ingleses promoveram algumas escaramuças, mas sem grandes efeitos para um lado ou outro. Porém, impediu o avanço da Armada para a Ilha de Wight, forçando-a em direção a Calais, na França, onde ela aguardaria os reforços de Parma e escoltaria suas barcaças pela travessia da Mancha. A posição dos navios espanhóis, de quilha profunda, no raso porto de Calais era vulnerável na medida em que navios holandeses especialistas em águas rasas se aproximavam e isolavam as águas entre os navios espanhóis e a costa, impossibilitando o embarque dos soldados parmigianos em terra (que não estariam prontos para tanto em menos de uma semana). Em 28 de julho de 1588, os ingleses se aproveitaram da indecisão e sacrificaram alguns navios, incendiando-os nas águas rasas junto a Calais e os mandando em direção à frota inimiga. Os navios espanhóis partiram em confusão em direção a Flandres, com os ingleses no seu encalço.

No dia seguinte, em Gravelines, o almirante espanhol, o Duque de Medina Sidonia, tentou reorganizar sua frota. Mas logo os ingleses, capitaneados por Francis Drake, abandonaram a tática de atirar à distância e decidiram por um bombardeio em massa à curta distância. Até então, Drake procurava fustigar o inimigo à longa distância, evitando o alcance dos canhões espanhóis, mas sem resultados. Os espanhóis, por outro lado, tinham em mente outro modelo de combate naval: a abordagem direta e captura das embarcações inimigas com a força dos soldados a bordo. De modo que o ataque frontal dos ingleses em Gravelines foi devastador. Com os navios posicionados de maneira que os espanhóis ficavam de barlavento, os ingleses miravam os cascos junto à linha da água, de forma que, quando os inimigos manobrassem, a água penetrasse naturalmente, levando-os a pique. A batalha durou oito horas, até que a munição dos navios britânicos acabou. Cinco navios espanhóis foram perdidos, e muitos avariados. Devido à posição insustentável, e suspeitando que os ingleses estariam prontos para mais abordagens no mar e protegidos em terra, Medina Sidonia teve que abandonar os reforços de Parma no continente e seguir em movimento.

No final, a invasão de larga escala se transformou numa longa e penosa viagem em volta das Ilhas Britânicas. Com os navios avariados e pouca experiência naquelas águas, a maior parte dos navios espanhóis viria a naufragar próximo às costas da Escócia e da Irlanda, onde de 10 a 20 mil homens, entre soldados e marujos, perderam a vida (em afogamentos, por forme, doenças, ou executados por tropas inglesas e populações locais). Dos 130 navios que deixaram Lisboa em abril, apenas 67 chegaram aos portos de Espanha e Portugal. A guerra entre o império de Filipe II e a Inglaterra e os rebeldes protestantes na Holanda continuaria ainda por vários anos. Apesar do mal planejamento da expedição e de um comando questionável (o Duque de Medina Segovia não tinha qualquer experiência no mar), e a despeito do entusiasmo inglês que se seguiu à derrota da Armada (Elizabeth lançou no ano seguinte a sua Contra-Armada, que também fracassou), a Espanha ainda conseguiria manter por várias décadas a sua superioridade nos mares e seu controle sobre Portugal e suas colônias. Para a Inglaterra e o movimento protestante, a vitória sobre a Armada era um sinal de afirmação divina da doutrina protestante e da soberania de Elizabeth I.

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