terça-feira, 13 de outubro de 2015

Cláudio, imperador

Em 13 de outubro de 54 d.C., o imperador romano Cláudio sucumbiu a um envenenamento.

Cláudio nasceu no seio da família mais poderosa de Roma do seu tempo. De fato, no núcleo da primeira dinastia reinante do Império Romano, a dinastia Júlio-Claudiana formada a partir de Otaviano, filho adotivo de Júlio César, e seguida pelo tio de Cláudio, Tibério. Roma fora governada pelos dois por um total de 63 anos, vivendo um período de expansão, estabilidade interna e institucional, e prosperidade como os mais velhos nunca haviam visto.

Apesar da estabilidade política, garantida pela habilidade de Otaviano e Tibério na condução da coisa pública, a questão dinástica que conduziria Cláudio ao poder não é nada simples.

Otaviano fora escolhido em testamento por Júlio César antes de morrer como seu sucessor legal, o que lhe dava prestígio para assumir, apesar de ter apenas 19 anos, um lugar entre os veteranos generais Marco Antonio e Lépido no triunvirato que governou Roma durante a guerra civil que se seguiu. A guerra, que começou contra os assassinos de César, terminou com a vitória de Otaviano sobre Antonio e sua coroação no ano 27 a.C.. Otaviano reinou por 40 anos, tempo no qual transformou a si mesmo numa figura monárquica (Imperator, incorporando ao seu nome os títulos de Augustus Caesar), gradualmente enfraquecendo as instituições republicanas do consulado e do senado. A República Romana, virulentamente anti-monarquista, viria a aceitar a ideia de ter um cidadão sobre os demais, a ser sucedido por herdeiros de sangue ou adoção.

Durante a guerra civil entra em cena uma jovem chamada Lívia. Da antiga e prestigiosa família (gens) dos Cláudios, Lívia parece ter persuadido Otaviano a se divorciar de sua segunda esposa, Scribonia, para ficar consigo (Otaviano se divorciou no dia em que Scribonia dava à luz sua única filha Júlia). De família de origem plebeia, a união de Otaviano com Lívia trouxe benefícios para ambos. A astúcia de Lívia era infernal, e com ela protegia o marido das intrigas palacianas, ao mesmo tempo em que Otaviano, igualmente sagaz, mantinha suas maquinações permanentemente em cheque. Os dois viveram juntos por 43 anos, mas não tiveram filhos. Lívia trazia de seu casamento anterior com seu primo Tibério Cláudio Nero (nomes que se repetem muito na família) dois filhos, Tibério (igualmente Tibério Cláudio Nero) e Druso.

No entanto, Otaviano tinha como favorito um sobrinho seu chamado Marcelo, com quem casou a filha Júlia tendo em vistas legitimá-lo como sucessor. Lívia, por sua vez, também tinha seu favorito, o mais velho Tibério - político e militar hábil, mas emocionalmente inseguro e influenciável. Marcelo morreu dois anos depois do seu casamento, e cronistas antigos como Cassio Dio sugeriam que teria sido envenenado por Lívia. Talvez pressentindo alguma armação da esposa, Otaviano voltou-se ao seu amigo Agripa (com quem também casou Júlia), veterano da guerra civil, nomeando-lhe para importantes cargos administrativos. Seus filhos Gaio e Lúcio também figuravam entre os favoritos à sua sucessão. Os dois também morreram no auge do vigor físico de doenças misteriosas com dois anos de intervalo entre si (Tácito também sugere a participação de Lívia). Com os dois fora do caminho, finalmente Tibério caíra nas graças do imperador. Seu irmão Druso morrera pouco antes dos dois rapazes, supostamente devido à queda de um cavalo (dessa vez, a suspeita recai sobre Otaviano, alvo de críticas suas escritas em carta entre a queda do cavalo e sua morte).

Druso era um militar competente de quem Otaviano gostava muito. Estava encarregado da principal frente de combate nas fronteiras do império, na Germania Inferior. Os legionários sob seu comando também o adoravam (após a sua morte eles erigiram uma torre de tijolos em sua homenagem, que existe até hoje em Mainz, na Alemanha). Druso se casara com Antonia, filha de Marco Antonio, e teve com ela três filhos: Germânico, Livilla, e Cláudio. Germânico era um militar tão competente e carismático quanto Druso, em parte herdando seu prestígio, e em grande parte construindo sua própria carreira com vitórias decisivas contra os germânicos no norte. Livilla era o oposto do ideal de modéstia e austeridade da mulher romana. E Cláudio, o mais novo, era visto como uma aberração.

As descrições de Cláudio, do seu temperamento, comportamento, características físicas, nos levam a supor que ele teve algum problema congênito ao nascer. Ele tinha dificuldades de fala e locomoção ("claudius", coincidentemente, significa "manco"), tinha crises de gagueira, tiques nervosos ou espasmos que pioravam quando sob stress, especialmente quando se pronunciava em público. Seu quadro se parece com paralisia cerebral. Era intelectualmente saudável, dedicando sua vida aos livros, mas seu aspecto físico o levava a ser tratado pela própria família como um retardado, e mantido longe dos olhos do público, embora Otaviano se interessasse pelos seus estudos (Cláudio escreveu uma História dos Etruscos, que seria possivelmente a fonte mais valiosa sobre aquele povo se o livro tivesse sobrevivido até o nosso tempo). Suas limitações físicas talvez o tenham mantido em "segurança" enquanto as cabeças caíam à sua volta.

As maquinações de Lívia levaram Tibério ao poder (foi nos primeiros anos de Tibério que Germânico foi morto), e ela continuou desempenhando um papel central na política romana até seus últimos anos. A harmonia entre os dois desapareceu à medida em que aumentava o ressentimento de Tibério pela mãe, a quem devia seu próprio posto. Quando ela morreu, Tibério mandou seu sobrinho-neto Calígula (filho de Germânico) em seu lugar para lhe prestar as últimas homenagens. Tibério passou os seus últimos anos isolado na ilha de Capri, entregue a orgias sexuais e bebedeiras (sua paranóia devido a uma tentativa de golpe armado pelo prefeito pretoriano Sejano, cria de Lívia e com quem Livilla tinha um caso, o tornou ainda mais recluso). No final, Tibério era tão impopular que, ao receber a notícia da sua morte, o povo celebrou nas ruas, apenas para ficar em silêncio quando se soube que ele estava se recuperando, e voltar a festejar quando se soube da sua morte pelas mãos do próprio sobrinho-neto. Sem Lívia para regular o ambiente em torno do trono, Tibério, cujo único filho já estava morto, entregou em testamento seu cargo para Calígula e seu neto Gemelo.

O primeiro ato de Calígula foi anular o testamento de Tibério e mandar executar Gemelo.

Depois de mais de 60 anos de estabilidade, Calígula governou Roma como um louco. Apesar de ter tentado manter uma aparência republicana nos primeiros meses e promovendo o bem público, ele tomou rapidamente outro rumo depois de uma suposta tentativa de envenenamento. Empreendeu perseguições e execuções sem julgamento, não poupando sequer suas irmãs, que também eram suas amantes. Seu tio Cláudio, com suas deficiências, era mantido por perto para a sua diversão, como uma espécie de bobo, em quem convidados dos banquetes eram encorajados a atirarem caroços de frutas. Patrocinando eventos teatrais e jogos de proporções gigantescas, levou o império à sua primeira crise econômica (houve um ponto em que a fome afetou o império porque Calígula havia requisitado todos os navios disponíveis para construir uma ponte de mais de 3 quilômetros perto de Puteoli, simulando a ponte de Xerxes sobre o Estreito de Bósforo, sobre a qual cavalgou sozinho em seu cavalo Incitato usando a armadura de Alexandre, o Grande). No final, o senado, os patrícios e os cavaleiros queriam se ver livres dele. Calígula foi assassinado durante um festival de teatro por Cassio Querea, prefeito pretoriano constantemente humilhado em público pelo imperador.

Além de Calígula, vários nobres ligados a ele e familiares (incluindo sua esposa "oficial" Cesonia e sua filha de dois anos) também foram assassinados. Cláudio, que estava no palácio, entendeu que mesmo estando fora da cena política ele poderia ser o próximo, e se escondeu. Um guarda pretoriano o encontrou atrás de uma cortina e o chamou, talvez em tom sarcástico, de "princeps". Enquanto tudo estava confuso, o guarda o escoltou para o acampamento da guarda pretoriana, talvez para discutir o seu preço, ou, talvez ainda, usá-lo como títere. Os senadores, incluindo os conspiradores, se reuniram às pressas, e rapidamente se dividiram em facções, incapazes de concordar com o nome do próximo imperador. O único nome seguro e com alguma legitimidade que ainda tinham era o pobre Cláudio (que, por segurança, se recusou a atender à reunião em pessoa).

Aos 50 anos, de aberração e bobo da corte a imperador de Roma. Cláudio procurou assegurar sua posição perdoando os senadores envolvidos no assassinato de Calígula, assim como perdoando certas dívidas e distribuindo subornos (como, por exemplo, na forma de um aumento substancial no soldo da guarda pretoriana), ao mesmo tempo em que reafirmava aos que não o conheciam que ele era da linhagem de Augusto, até mesmo de Júlio César (alterou seu nome para Tibério Cláudio César Augusto Germânico, nomes de todos os notáveis que o precederam). Também lançou uma ambiciosa e bem sucedida invasão à Grã-Bretanha, usando-se de quatro legiões, elefantes de guerra, incontáveis navios, efetivamente submetendo várias tribos célticas que habitavam a ilha e assegurando uma nova posição romana por lá, pavimentando o caminho para a sua subsequente colonização. Por causa disso, foi consagrado com um desfile em triunfo pelas ruas de Roma e aclamado como deus vivo. Cláudio também cativava o povo com seu gosto pelos jogos, promovendo certa vez uma encenação de uma batalha naval, colocando dois navios autênticos dentro de um estádio inundado, com marinheiros e soldados a bordo, simulando a Batalha do Lago Fucino. Também era um legislador razoável, com uma paixão particular pela função de magistrado.

Cláudio não teve sorte com as mulheres. Depois de dois noivados cancelados (o primeiro por problemas políticos, o segundo pela morte súbita da noiva no dia do casamento), casou-se quatro vezes com mulheres que lhe eram indiferentes, abusivas ou manipuladoras. A terceira esposa, Messalina, tomou vários amantes a ponto de competir com uma prostituta conhecida para saber quem conseguiria ter mais relações com homens diferentes durante uma noite, pelo que "messalina" se tornou sinônimo de prostituta, e foi executada por conspiração e adultério (Messalina se casou em público com um amante enquanto Cláudio supervisionava a chegada de navios de grãos no porto de Ostia). A última esposa, sua sobrinha Agripina, tinha um filho, que também era neto de Germânico, chamado Lúcio Domício, ou Nero (o último e mais famoso Nero da dinastia Júlio-Claudiana).

Nero já tinha 12 anos, era 4 anos mais velho que o jovem Britânico, filho de Cláudio e Messalina. Agripina convenceu Cláudio a adotar Nero, para assegurar uma sucessão segura ao trono. A exemplo de Tibério, deixou em testamento o seu posto para Nero e Britânico, sendo o primeiro encarregado dos negócios públicos até o segundo atingir a maioridade. Em certo momento, Agripina, cujo casamento era meramente por interesse, e Cláudio, que entrara no negócio atraído pela sua beleza física, passaram a brigar constantemente, e nos seus lamentos, Cláudio teria lembrado que Britânico chegaria à maioridade e traria novo brilho à sua família. Com a posição de Nero ameaçada, Agripina teria planejado sua morte por envenenamento, possivelmente fazendo-o comer cogumelos tóxicos. A dose teria sido mal calculada, de modo que a agonia teria demorado horas, e requerido uma outra dose. Meses depois de um funeral com honras divinas, seu filho Britânico foi morto pelo próprio Nero, que se tornou o último imperador da sua dinastia.

Os dois romances de Robert Graves - "Eu, Claudius, Imperador", e "Claudius, o Deus, e Messalina" - narrados em primeira pessoa, são as principais recriações e as obras literárias modernas mais completas sobre a vida de Cláudio e a crueldade dos bastidores da política romana que o conduziram ao poder e levaram à sua queda.

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