quarta-feira, 28 de outubro de 2015

In hoc signo vinces

Em 28 de outubro de 312, o imperador romano Constantino venceu seu concorrente Maxêncio na Batalha da Ponte Milvia, a noroeste de Roma, abrindo o caminho para a unificação do império dividido anos mais tarde sob Constantino. No dia que antecedeu esta batalha, Constantino teve uma visão tida pelos cristãos como reveladora, e que o teria levado, ao final da vida, a se converter ao Cristianismo.

O Império Romano estava dividido oficialmente em duas metades - Ocidente e Oriente - administradas em quatro setores - o primeiro incluía Itália, Espanha, e África; o segundo França e Grã-Bretanha; o terceiro os Bálcãs e a Grécia; o quarto a Ásia e o Egito. Cada metade era dirigida por um co-imperador sob o título de Augusto, e afora os setores onde estavam as capitais imperiais (Milão, no Ocidente, Nicomédia, no Oriente), os Augustos eram auxiliados por administradores com alto grau de autonomia, também co-imperadores, sob o título de Césares. Esta divisão foi uma ideia desenvolvida pelo Imperador Diocleciano menos de 20 anos antes que deu maravilhosamente certo, dando fim à longa e destrutiva crise política que assolava Roma desde o século II. Diocleciano foi tão bem sucedido que foi um dos únicos imperadores que viveram o suficiente para se aposentarem e morrerem de causas naturais - em 305 deixou o cargo para plantar verduras na sua vila na atual cidade de Split, na Croácia.

O equilíbrio da tetrarquia de Diocleciano dependia do respeito e reverência à precedência dos Augustos sobre os Césares, e entre os Augustos, do mais antigo sobre o mais recente. Era função do Augusto mais antigo nomear novos Césares, tanto do Oriente quanto do Ocidente, e eleger, entre os Césares, qual seria o próximo Augusto. Quando Diocleciano deixou o trono (ele assumira a metade oriental do império), seu colega Maximiano, Augusto do Ocidente, também se retirou da vida pública. Não havia mais nada que impedisse a ambição dos novos Augustos e Césares. Galério, novo Augusto do Oriente, "usurpou" a prioridade sobre Constâncio Cloro, do Ocidente, e nomeou os novos Césares, duas "crias" suas, esperando com isso garantir sua supremacia política naquele momento. Constâncio morreu em 306, e suas tropas na Grã-Bretanha elevaram seu filho Constantino ao lugar do pai. Galério, confuso, engoliu a raiva e regularizou a situação, nomeando-o César, dando-lhe controle sobre a Bretanha e a Gália. Em Milão, mais tarde naquele ano, Maxêncio, filho do antigo Augusto Maximiano, também foi aclamado imperador pela Guarda Pretoriana, sob rumores de que Galério pretendia taxar as propriedades na Itália (tradicionalmente isenta de impostos sobre a terra), precipitando uma guerra civil.

Embora a guerra civil tenha se iniciado entre Galério e Maxêncio, este tinha como rival Constantino - se Constantino podia ser imperador por ser filho de um, então ele também podia. Constantino, no entanto, preferiu se manter à margem do conflito, movendo-se com diplomacia. Entre 307 e 308, manteve-se na Gália, combatendo invasores germânicos ao longo do Rio Reno. Em 308 Galério convocou uma reunião em Carnutum, nos Alpes austríacos, reunindo inclusive Diocleciano e Maximiano (que, no meio disso tudo, retornara à ativa, mas fora impedido de tomar para si o título de Augusto pelo próprio filho) para resolver o impasse sobre quem era o que. Galério promoveu um antigo companheiro seu a Augusto do Ocidente, causando revolta em vários dos candidatos, inclusive Constantino.

Em 310, o império estava repartido, e eram todos contra todos, e Maxêncio ainda tinha controle sobre a Itália. Maximiano passou a servir sob Constantino na Gália, e o traiu, espalhando boatos da sua morte, esperando ser ele mesmo aclamado imperador - mas as tropas se mantiveram leais, e Maximiano teve que fugir, cometendo suicídio após ser capturado e exposto publicamente. Maxêncio, a despeito da rivalidade com o próprio pai, preparou-se para uma campanha contra Constantino para vingá-lo. Ao mesmo tempo, Constantino, que devia seu direito ao trono ao seu pai, e este a Maximiano, agora reivindicava a ancestralidade de um certo Cláudio II, imperador entre 268 e 270. Agora, por ter sangue real que precedia a todos, tinha mais direito ao trono do que o próprio Galério. Ele também passou a associar a si uma antiga previsão registrada pelo poeta Virgílio de que Apolo herdaria o mundo de seu pai Júpiter - seu deus de adoração deixou de ser o velho Marte, deus da guerra, para ser Sol Invictus, deidade cada vez mais popular em Roma associada a Apolo, também um deus solar.

Qualquer esperança de ordem da tetrarquia foi liquidada quando Galério morreu em 311, provavelmente de uma terrível gangrena abdominal. Os mandatários romanos do momento estavam todos ocupados uns contra os outros - Licínio, da Europa oriental, marchava contra Maximino Daia, baseado na Ásia. Maxêncio perdia apoio na Itália, porque apesar de alegar seu direito à púrpura imperial, sua administração era desastrada, bancada por altos impostos comerciais, de maneira que até os cristãos, que sob Maxêncio tinham liberdade até para eleger seu Papa, não o toleravam mais. Diante da postura hostil de Maxêncio na fronteira com a Gália, Constantino firmou uma aliança com Licínio e invadiu a Itália, vencendo batalhas com pouca resistência e sendo recebido de portões abertos na capital administrativa de Milão. Outras cidades chaves também se renderam - Verona, Modena, Ravena, e até a inexpugnável fortaleza de Aquiléia. Reforçado por legiões que se uniram à sua causa pelo caminho, em outubro de 312 ele se aproximou de Roma.

Maxêncio estava esperando em Roma com o grosso do seu exército, e suprimentos suficientes para sobreviver a um longo cerco. Em 27 de outubro, ao ouvir dos adivinhos que se marchasse para a batalha, o "inimigo de Roma cairá", Maxêncio atravessou o rio Tibre ao norte de encontro a Constantino.

Ali aconteceu um evento que se tornaria uma pedra angular na história do Cristianismo. Constantino estava acampado ao norte de Roma, quando, ao entardecer do dia 27, ele teve uma visão. A descrição desta visão varia de fonte para fonte. A versão que ficou popular no mundo romano da época é de que ele olhou para o céu, e viu o sol assumir a forma de uma cruz, e ele teria visto ou ouvido uma mensagem em grego ("Εν Τούτῳ Νίκα", em latim "in hoc signo vinces", em português "com este símbolo conquistarás"). À noite, ele teria sonhado com o "deus cristão" (Jesus Cristo), que mostrou a ele um símbolo específico que deveria ser pintado nos escudos dos seus soldados, para sua proteção. Outra versão inclui a aparição do signo e da mensagem de Jesus durante a visão. O tal símbolo é um monograma que combina as letras gregas Chi e Rho (X e P), que são as duas primeiras letras de "ΧΡΙΣΤΟΣ", "Christos", Cristo em grego.

Se Constantino pintou ou não o monograma nos escudos dos soldados ou o levou no seu estandarte, é debatível. A natureza cristã da visão é uma construção posterior feita pelos seus biógrafos, um deles o bispo Eusébio de Cesaréia, que alegava ter ouvido sobre a visão do próprio Constantino; é possível que a visão de natureza solar tenha sido tomada pelos romanos pagãos como um sinal de Sol Invictus ao seu favorito. De fato, Constantino continuou cunhando moedas associando a sua imagem ao deus solar até bem tarde na sua carreira. De qualquer forma, o episódio todo ajudou a elevar a moral das tropas e a confiança do seu general.

A batalha se desenrolou no dia 28 de outubro diante da Ponte Milvia (que pode ser atravessada a pé até hoje), que liga Roma à Via Flamínia, que vem do norte da Itália, e por onde marchava Constantino. Aparentemente, Maxêncio, que tinha um exército maior, posicionou seus soldados numa ampla linha, com o Tibre às costas, porém muito próximos ao rio, de modo que não tinham muito espaço para manobrar em caso de recuo. O ataque de Constantino sobre as relutantes tropas inimigas foi decisivo, provocando este recuo e fazendo muitos caírem no rio. Maxêncio tentou recuar para Roma e organizar uma resistência dentro de suas muralhas, mas grande parte de seus homens fugiam pela Ponte Milvia ou pelos campos, e o pontilhão de madeira construído para auxiliar no movimento das tropas da cidade para o campo de batalha colapsou sob os soldados em fuga. Maxêncio morreu afogado no Tibre tentando atravessá-lo a nado.

Constantino então tomou efetivamente o controle sobre toda a metade ocidental do império. Enquanto co-imperador com Licínio, Constantino, cuja mãe era cristã (ela teria lhe oferecido cravos retirados da cruz verdadeira, um dos quais teria sido incorporado ao seu elmo), assinou com o colega o Edito de Milão, reconhecendo o Cristianismo como uma religião tolerada dentro do Império Romano e restaurando a propriedade a romanos cristãos, tomadas por Diocleciano durante um período de perseguições religiosas do seu reinado. Eventualmente Licínio venceria Maximino Daia e tentaria assassinar Constantino, o que levou os dois a uma longa guerra, vencida pelo último em 325, restaurando provisoriamente a unidade do Império. Ele o expandiu sobre a Dácia (na Romênia, província perdida no século III) e o Cáucaso, o defendeu com sucesso de francos e godos vindos da Alemanha e estava preparando uma grande campanha contra os persas quando morreu. Ao longo do seu reinado, reformulou a antiga cidade grega de Bizâncio e a transformou na nova capital imperial, Constantinopla, e promoveu discussões religiosas entre as diferentes correntes do cristianismo, como o Concílio de Nicéia.

Embora tenham sido esculpidos estátuas e bustos, e erigido monumentos em honra a Constantino incluindo neles referências ao deus solar durante toda a sua vida (incluindo o magnífico Arco de Constantino, próximo ao Coliseu), sua proteção aos cristãos e promoção do Cristianismo não passaram despercebidas. Mesmo sendo oficialmente pagão (como de costume entre os imperadores desde o início, desempenhava concomitantemente o cargo de Pontifex Maximus, ou sumo-sacerdote da Roma pagã), o lábaro que ia à frente do seu exército durante a guerra com Licínio ostentava o monograma Chi-Rho. O símbolo era um dos vários usados por cristãos primitivos para denotar a sua fé, mas após Constantino passou a ser largamente associado ao Cristianismo e usado amplamente, antes da popularização da cruz romana como símbolo. No seu leito de morte, em Nicomédia, convocou bispos locais para batizá-lo, prometendo viver uma vida cristã caso fosse salvo. Na sua morte, Constantino deixou a igreja cristã extraordinariamente fortalecida e com peso político considerável. Depois de Constantino, o único imperador pagão no Ocidente ou no Oriente foi seu sobrinho Juliano (por causa das suas perseguições aos cristãos, conhecido como Juliano, o Apóstata), cimentando uma relação entre o poder secular e o poder eclesiástico que seria típico da Europa e alhures (interferindo, em maior ou menor grau, na laicidade dos Estados Nacionais modernos), abrindo caminho para o Cristianismo se tornar a religião hegemônica do mundo ocidental.

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