quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Horda Dourada

Em 8 de outubro de 1480, o Grão-Duque Ivan III de Moscou liderou os russos numa vitória decisiva na batalha do Rio Ugra, contra o Khanato da Horda Dourada, verdadeiro império mongol que dominava a Rússia desde o século XIII. Depois desta vitória, Moscou e as demais cidades russas deixaram de pagar tributos à Horda Dourada, e, em poucos anos, se reuniriam em torno do Tzar para formar seu próprio império.

A presença mongol na Rússia remonta às conquistas mongólicas do século XIII. Genghis Khan passou a maior parte da sua vida governando turcos e mongóis nas estepes asiáticas, e expandindo seu império em todas as direções, obliterando reinos inteiros à sua frente. Na sua extensão máxima, o Império Mongol alcançava da Hungria até a península da Coréia, da Sibéria ao norte da Índia, controlando as antigas civilizações na China, na Pérsia e na Síria. Foi o império com o maior território contínuo que já existiu na Terra.

Os mongóis, agora senhores de terras, eram tradicionalmente pastores nômades que guiavam seus rebanhos pelas estepes seguindo os ciclos da vegetação, organizados em clãs formados por núcleos multifamiliares mantidos por relações de sangue e pela lealdade ao seu líder, ou khan. Como os mongóis nômades tinham uma noção vaga de propriedade, o poder do khan emanava da sua capacidade como cavaleiro, líder e guerreiro, não da sua riqueza material (medida em cabeças de gado, não em extensões de terras), de maneira que nem sempre a descendência era suficiente para se conseguir a lealdade do clã. O próprio Temudjin, bisneto de Khabul Khan, poderoso khan e herói nacional da época, que unificou as tribos turcas e mongóis ao norte da China para repelir o avanço chinês sobre suas terras, teve que conquistar a lealdade de sua própria tribo à força, e costurar alianças pela diplomacia ou pela conquista antes de se tornar Genghis Khan (o "Senhor de toda a Terra").

Quando Genghis morreu de causas naturais em 1227, seus generais, seus filhos e os demais khans foram convocados a uma assembléia para eleger seu sucessor, como era o costume. O primogênito de Genghis, Jochi, morrera no início daquele ano, e havia muitos anos tinha sua imagem desgastada por conta de uma disputa pessoal com o segundo mais velho, Chagatai, que o acusava de não ser filho de Genghis. Chagatai, por sua vez, havia sido designado para governar as terras a oeste da China, as estepes que se extendem entre o Paquistão e a Sibéria, pontuadas por ricas cidades que prosperavam com o fluxo de comércio pela Rota da Seda. Tolui, o filho mais novo e o mais capaz militarmente serviu como regente nos dois anos em que os arranjos sobre o novo Khan eram discutidos. Coube a Ogedei, o terceiro filho, assumir o posto de Grande Khan e seguir com a expansão do Império (na época ainda limitado pelo Mar Cáspio, pelo Irã, pela Coréia, e pela linha ao longo do Rio Yantse, na China). De todos os irmãos, Ogedei era o que tinha maior talento para política e administração, e teria sido o favorito do próprio Genghis para sucedê-lo.

Ogedei começou a transformar o território controlado pelos mongóis em uma entidade geopolítica, organizando e setorizando a sua administração, e nomeando membros dos seus principais grupos de apoio para funções específicas. Normatizou a economia alimentada pela Rota da Seda emitindo dinheiro em papel, criou um sistema de comunicação por estradas semelhante ao antigo sistema persa, com postos permanentes de pouso e troca de montarias e mensageiros ao longo das estradas, edificou o acampamento permanente de Karakorum para se tornar uma capital apropriada para o império. Com essa infraestrutura, Ogedei pôde ordenar a invasão à Rússia, ocupada por tribos turcas e búlgaras, e controlada, em sua parte mais ocidental, pelos príncipes de Kiev, tendo em vistas a quase legendária planície húngara mais adiante. Batu e Orda, herdeiros de Jochi, foram responsáveis pela campanha bem sucedida, interrompida apenas pela morte de Ogedei em 1241 quando Batu sitiava Viena. Novamente os líderes mongóis foram convocados a decidir seu novo khan, e a Europa Central foi milagrosamente poupada.

Quando Genghis Khan ainda era vivo, seus quatro filhos foram designados a governar partes diferentes do império. Jochi tinha controle da parte mais ocidental das estepes, e, ao morrer, deixou-a para Batu e Orda. Seu rival Chagatai controlava a Ásia Central. Ogedei, nominalmente, estava a cargo da China, e Tolui, o mais novo, governou a Mongólia propriamente dita. Mais tarde, a Pérsia e a Síria seriam colocadas sob jurisdição de Hulagu, filho de Tolui. Ogedei, com sua habilidade e a força de sua personalidade, conseguiu manter esses quatro setores coesos, mesmo com a morte prematura de seus irmãos e as rivalidades entre seus parentes. Quando Kublai, filho de Tolui, foi eleito Grande Khan, um dos netos de Jochi, Berke, era senhor da facção que controlava a Rússia e o leste europeu - a Horda Dourada - e já possuía um alto grau de autonomia política. Quanto mais Kublai se dedicava à recém conquistada China, menor era seu poder de fato sobre os demais khans mongóis na Ásia. Não demorou para que o Grande Khan deixasse de ter qualquer importância para os diversos khanatos turco-mongóis que surgiam a cada geração.

Os khans da Horda Dourada tinham para si a lealdade dos príncipes russos. Mesmo quando, em 1262, uma rebelião russa resultou na morte de coletores de impostos mongóis, os príncipes de Novgorod e Vladimir se comprometeram a indenizar os mongóis para aplacar sua fúria em uma possível retaliação. O poder da Horda Dourada se estendia sobre os rivais do clã de Hulagu (cujo império ficou conhecido como o Il-Khanato), sobre a Bulgária, a Lituânia, e o próprio Império Bizantino (o general mongol Nogai arrasou a Trácia, e forçou o rei da Sérvia a reconhecer a suserania da Horda Dourada). Com o tempo, os "mongóis" na Horda Dourada passaram por um processo de turquificação, com a assimilação das várias tribos turcas ao norte do Mar Negro (kipchaks, cumanos, mordvinos, etc.). Entre elas, os tátaros da Ucrânia, cuja denominação viria mais tarde a sinonimizar a maioria das etnias turco-mongólicas na Rússia européia sob a perspectiva dos eslavos. Eles também deixaram de lado suas crenças ancestrais e sua virtual neutralidade religiosa (que ocasionou um período de notável tolerância religiosa nos seus domínios) para se converterem ao islã, religião que os turcos mamelucos, que controlavam o Egito e tinham o Ilkhanato como um rival comum, já seguiam.

A política da Horda Dourada era estabelecer alianças de ocasião com os príncipes russos e seus vizinhos eslavos em seus interesses particulares, colocando-os frequentemente uns contra os outros. Um dos principados russos que viria a emergir deste jogo político foi o de Moscou. Até o século XIV um mero entreposto comercial, Moscou cresceu em importância na medida em que seus príncipes consistentemente colaboravam com os mongóis. Usando Moscou - protegida por um terreno de floresta com rios em abundância que dificultava a movimentação de exércitos baseados em cavalaria no seu entorno - como base, seus príncipes gradualmente conquistaram territórios vizinhos, com o aval dos khans da Hora Dourada. O príncipe Yuri chegou a receber a mão da filha de Uzbek Khan em casamento e o título de Grão-Duque de Vladimir, o mais importante dos principados russos. Seu irmão Ivan I atuou cobrando tributos em nome do khan, e ajudou os mongóis a esmagarem uma rebelião em Tver.

A partir da metade do século XIV, o príncipe Dmitri de Moscou aliou-se à Igreja Ortodoxa Russa contra a pressão de lituanos (cujo grão-ducado já abocanhara a atual Bielorrússia) e turco-mongóis muçulmanos ("tátaros"), e, através dessa aliança, conseguiu congregar os demais principados russos, tradicionalmente ortodoxos, contra a autoridade mongol. Em 1380 uma coalizão russa derrotou a Horda Dourada na violenta Batalha de Kulikovo. A vitória assegurou o protagonismo de Moscou junto aos demais russos, garantiu sua posição em relação à ascendente Lituânia (a Horda Dourada deixou Moscou de lado e investiu contra os lituanos por um tempo), e indicou o declínio do poder mongol na região (o general mongol derrotado na ocasião foi posteriormente assassinado por mercenários genoveses, cujo poder econômico abrira concessões para operações comerciais na Criméia).

O renovado Grão-Ducado de Moscou expandiu-se em todas as direções com o aval da Horda Dourada (o Grão-Duque era "forçado" a se submeter publicamente ao khan em troca de apoio). Mais do que aliados ou protegidos, os antigos principados foram gradualmente colocados sob a autoridade inconteste do Grão-Duque de Moscou. A Horda Dourada já começara a se fragmentar no começo do século XV (o khan tinha poder de fato apenas sobre as terras do baixo rio Volga). Ao longo dos anos, diferentes khans, apoiados por facções internas e externas, fundaram seus próprios khanatos (sendo o Khanato da Crimeia o novo suserano nominal do Grão-Ducado de Moscou, apesar do território deste ser muito maior) ainda sob a tênue autoridade do khan da Horda Dourada da ocasião.

Após derrotas desastrosas na Polônia e na Moldávia, a Horda Dourada estava em frangalhos. Neste momento dramático, o khan Akhmat exigiu futilmente que Ivan III de Moscou reconhecesse a suserania da Horda (e lhe fornecesse tropas para repor os exércitos perdidos no oeste), mas naquela altura o poder dos russos era muito superior. Akhmat tentou submeter Moscou à força em 1480. Tentando flanquear as forças russas pelo oeste, Akhmat tentou cruzar o rio Ugra, mas foi surpreendido pelos russos do outro lado. Aparentemente, os tátaros não tinham armas de fogo, e foi com essa vantagem que os russos mantiveram sua margem do rio durante quatro dias. Como os russos posicionados mais a leste chegassem em grande número com o passar dos dias, e reforços do seu aliado, o rei Casimir IV da Polônia, não aparecesse, Akhmat desistiu da marcha e depois de dois meses de impasse se viu obrigado a recuar. Embora não tenha havido perdas decisivas de qualquer lado, e os russos optassem pela negociação ao invés do confronto, a desistência do khan simbolizou uma vitória para os russos (Ivan foi recebido com festejos efusivos em Moscou). Toda a Rússia sob Moscou deixara de reconhecer a Horda Dourada e suas divisões internas como seus suseranos - não lhes cederiam mais homens, nem reconheceria suas políticas fiscais sobre produção e propriedades de terra e trocas comerciais. O Khanato da Crimeia, desde 1475, caiu sob poder do Império Otomano, e, com apoio moscovita, conquistou e saqueou a capital da Horda Dourada de Sarai em 1502, dando fim a este remanescente do grande Império Mongol.

A Rússia, centrada em Moscou, emergiria finalmente como uma entidade totalmente independente no começo do século XVI. O neto de Ivan III, Ivan IV ("o Terrível") ao assumir o trono russo, criou para si mesmo o título de Tzar (ou Czar, o correspondente eslavo de "César"). O novo Império Russo continuaria a subjugar os khanatos tátaros, turcos e mongóis na Europa e na Ásia e a se expandir para o sul e para o leste até o início do século XX, para se tornar, ao seu tempo, outro dos maiores impérios da História.

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