sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Justo entre as nações

Em 9 de outubro de 1974 faleceu Oskar Schindler, empresário membro do Partido Nazista, responsável direto pela sobrevivência de 1200 judeus, muitos dos quais já haviam sido encaminhados para a morte na câmara de gás em Auschwitz.

A história de Oskar Schindler é uma das mais célebres do período da Segunda Guerra Mundial. Jovem problemático (expulso da escola, preso após bebedeiras, filhos fora do casamento), membro do Partido Alemão dos Sudetos (braço do Partido Nazista na Tchecoslováquia), espião da inteligência alemã na Tchecoslováquia e na Polônia (onde contribuiu com informações para as invasões alemãs a estes países), constituiu riqueza com o mercado negro de comida, bebida, cigarros e artigos de luxo, e investiu em uma indústria de armas e munições nesse país, a serviço da Wehrmacht. Na sua fábrica, empregava muitos judeus poloneses que trabalhavam quase de graça, dando-lhe lucros formidáveis.

Como esses mesmos judeus eram visados pela polícia polonesa e pelos agentes alemães, ele procurava escondê-los, ou intervia em seu favor, não porque se importasse particularmente com eles de início, mas porque sua mão de obra era muito mais barata do que as de operários poloneses não-judeus. Em muitos casos, essas intervenções vinham na forma de subornos (usando sua rede de mercado negro para oferecer produtos estrangeiros ou objetos de valor expropriados pelos nazistas). Em uma ocasião, um agente da SS veio buscar uma família de trabalhadores judeus com documentos falsos. Ele ordenou ao chefe da família que arriasse as calças e andasse por ali para a sua diversão. Schindler argumentou que aquilo quebrava a disciplina da fábrica e prejudicaria o andamento da produção. Quando o oficial apontou a arma para o homem, Schindler gritou "não atire, e eu lhe dou uma bebida!". Os dois entraram no escritório e saíram abraçados e bêbados. A importância estratégica do seu negócio para os alemães dava-lhe uma vantagem nas negociações em torno dos seus empregados judeus.

Com o tempo, Schindler começou a abrigar as famílias dos seus empregados, dando-lhes empregos de fachada (inclusive para as crianças), para colocá-los sob sua proteção. Também recorria a seus homens de confiança (também judeus, que trabalhavam na parte administrativa da fábrica) para lhe indicarem judeus em campos de concentração que pudessem ser empregados. Como Schindler tinha conhecimento do funcionamento da Wehrmacht pela sua experiência como espião, e pelos contratos da sua fábrica, ele deduziu em algum momento em 1943 que os judeus estavam sendo presos para trabalhar em campos de trabalhos forçados, e os que não tinham condições, estavam sendo enviados para campos de extermínio. Foi essa realização do que os nazistas estavam fazendo com os judeus que o fizeram virar a mesa e tomar uma atitude irredutível de proteção aos judeus. Os repetidos subornos de oficiais nazistas, o emprego de crianças e mulheres que, na verdade, pouco produziam, e a própria manutenção dos seus empregados (alimentados e medicados na própria fábrica) começaram a drenar seus recursos rapidamente. Em um dos casos, o diretor do campo de concentração de Plaszow, um oficial da SS chamado Amon Göth, com uma fama de sádico que mantinha seus internos nas piores condições possíveis e os executava aleatoriamente exigiu que as fábricas da região fossem transportadas para dentro do campo. Schindler teve que suborná-lo não apenas para manter suas operações fora do campo, mas também para convencê-lo a mandar 450 trabalhadores judeus das outras fábricas próximas para a sua. O caso lhe rendeu uma semana na prisão, em decorrência de uma investigação de abuso de poder e corrupção contra Goth.

Quando os soviéticos começaram a avançar pela fronteira polonesa, os nazistas começaram a recuar e a fechar as operações, inclusive dos campos de prisioneiros. Os internos passaram a ser transportados para outros campos convertidos para funcionarem como campos de extermínio. A fábrica de Schindler também estava fadada a ser fechada. Oskar conseguiu convencer Berlim a manter a fábrica funcionando na Tchecoslováquia, com um projeto de produção de munição anti-tanques, garantindo que os judeus sob sua jurisdição seriam poupados. Além dos cerca de 1000 funcionários que já abrigava, Schindler acrescentou mais 200 nomes (funcionários de uma fábrica de tecidos que seria fechada) à sua lista de judeus que seriam encaminhados às novas instalações em Brunnlitz. O transporte deste contingente seria feito pelos trens que levavam demais judeus aos campos de Auschwitz e Gross-Rosen (então operando como campos de extermínio). Trezentas mulheres da lista de Schindler acabaram encaminhadas para o extermínio em Auschwitz, e foi graças a um pesado suborno que ele conseguiu a sua liberação. Além delas, outras 3000 mulheres foram reencaminhadas para fábricas nos Sudetos. No inverno de 1945, um trem com 250 judeus doentes demais para trabalhar (havia 20 mortos nos vagões) chegou a Brunnlitz, e Emilie, a esposa de Oskar, os encaminhou à fábrica, onde lhes deu abrigo e cuidados. A fábrica em si não produzia coisa alguma, e as suspeitas de que os Schindler estavam apenas abrigando judeus (o que os colocava em risco de pena de morte) os obrigava a distribuir propinas regularmente para evitar a sua prisão.

Toda esta carreira é belissimamente retratada em filmes (A Lista de Schindler, para quem ainda não assistiu), mas ela geralmente para por aí. A sua biografia segue, e não tem um final muito feliz. Sua vida foi atribulada depois da guerra.

Com a rendição da Alemanha, os judeus sob os cuidados de Schindler estava relativamente a salvo. Porém, o próprio Schindler corria o risco de ser capturado pelos soviéticos, que ocupavam a Tchecoslováquia, e julgado por crimes de guerra pela sua atividade como espião. Vários dos judeus que trabalhavam para ele redigiram uma carta a ser apresentada aos americanos atestando o seu papel em salvar as suas vidas. Com a carta, os Schindler reuniram tudo que lhes restava e fugiram para o oeste. Oficiais russos no caminho confiscaram o seu carro (e ficaram com um diamante escondido sob o banco), e eles continuaram a pé até a cidade fronteiriça de Lenora. Através de um oficial judeu americano, conseguiram passar à Suíça. No final do ano, conseguiram retornar à Alemanha. Mas os gastos com a manutenção de funcionários judeus numa fábrica que não fabricava nada, e as constantes propinas os deixaram completamente falidos. Oskar passou a ser sustentado com a ajuda vinda de organizações judaicas (às vezes, a ajuda consistia apenas em alimentos e cigarros, mas Schindler se constrangia em pedir mais). Judeus americanos criaram um fundo para recompensar o patrimônio confiscado de judeus na Europa, e gastos empreendidos à assistência de judeus durante a Guerra, e através dele Schindler resgatou cerca de 15 mil dólares. Não era o suficiente para tentar um novo negócio, mas o suficiente para emigrar à Argentina e tentar uma nova vida criando galinhas e nútrias (roedores de grande porte valorizados pela sua pele). Em 1958, depois de se divorciar de Emilie, ele fechou sua fazenda. Retornou à Alemanha, onde tentou abrir novos negócios que também fracassaram.

Entre 1963 (quando recebeu do governo de Israel o título honorífico de "Justo entre as nações") e a sua morte em 1974, Oskar viveu exclusivamente do dinheiro vindo de doações angariadas pelos sobreviventes da sua fábrica, a maioria vivendo em Israel e nos Estados Unidos. Nos seus últimos dias, viveu de favor no apartamento do amigo Heinrich Staehr, carregando consigo apenas uma maleta com fotos, cartas e recordações do tempo da guerra, inclusive uma cópia da sua lista de 1200 nomes. Com a saúde fragilizada por conta de um infarto, faleceu aos 66 anos em Hildesheim, na Baixa Saxônia. Seu desejo era ser enterrado em Jerusalém, porque "meus filhos estão lá". É o único membro do Partido Nazista sepultado em Israel.

Antes de fugir da Tchecoslováquia, seus funcionários lhe confeccionaram um anel, feito de um dente de ouro, onde gravaram: "Aquele que salva uma vida, salva o mundo inteiro".

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