sábado, 24 de outubro de 2015

Baibars, o mameluco

Em 24 de outubro de 1260, após o assassinato do sultão Qutuz, o ex-escravo turco Baibars tornou-se sultão do Egito.

Baibars era um turco do povo Kipchak, nascido provavelmente na Rússia ou na Ucrânia durante as conquistas mongólicas, em 1223. Seu nome significa no idioma kipchak "Senhor das Panteras", ou "Rei Pantera". Ele teria sido capturado ainda criança e vendido como escravo. De alguma forma fora parar na Síria onde, dizia, passara a infância fugindo pelas montanhas. Eventualmente, acabaria vendido a um oficial mameluco (elite multiétnica turca que, à época, consistia na elite militar do Sultanato Aiúbida) e enviado ao Egito, onde foi treinado e escalado para a segurança pessoal do sultão aiúbida As-Salih - sua sagacidade e sua aparência física destacada (era loiro de olhos claros) possivelmente compensavam a visão prejudicada por um olho com catarata. Conquistando postos de comando no exército aiúbida, teria participado das últimas batalhas do período da Sexta Cruzada, que anularam qualquer possibilidade do reino cristão de Outremer, na Terra Santa, de retomar a iniciativa contra os muçulmanos por conta própria.

Em 1260, Baibars estava no apogeu da sua carreira militar. Um mês e meio antes do golpe, liderara o exército egípcio no que talvez tenha sido a batalha mais significativa daquele século, em Ain Jalut, no Líbano. Ali, Baibars derrotou os mongóis.

Em 1260, mensageiros sob as ordens de Hulagu, comandante mongol no Oriente Médio, entregaram ao sultão mameluco Qutuz a seguinte mensagem:

"Do Rei dos Reis do Leste e do Oeste, o Grande Khan. A Qutuz o Mameluco, que fugiu para escapar às nossas espadas. Deverias pensar no que aconteceu aos outros países e te submeter a nós. Ouviste sobre como conquistamos um vasto império a purificamos a terra das desordens que a maculavam. Nós conquistamos vastas áreas, massacrando todos os povos. Não podes escapar do terror de nossos exércitos. Para onde fugirias? Que estrada usarias para escapar de nós? Nossos cavalos são velozes, nossas flechas afiadas, nossas espadas como relâmpagos, nossos corações duros como as montanhas, nossos soldados numerosos como grãos de areia. Fortalezas não nos deterão, nem exércitos nos pararão. Tuas preces a Deus não servirão contra nós. Não somos comovidos por lágrimas nem tocados por lamentações. Apenas aqueles que imploram por nossa proteção estarão a salvo. Apressa a tua resposta antes que o fogo da guerra queime. Resiste e sofrerás as mais terríveis catástrofes. Nós esmigalharemos tuas mesquitas e revelaremos a fraqueza de teu Deus, e então mataremos tuas crianças e teus velhos juntos. No momento és o único inimigo contra quem temos que marchar."

Provavelmente Qutuz já sabia que a mensagem era verdadeira. O avanço mongol sob Mongke Khan, neto de Genghis Khan, em direção ao Oriente Médio alterou drasticamente o equilíbrio de poder na região. As entidades geopolíticas que disputavam a supremacia entre a Mesopotâmia, a Síria e a Palestina (o Império de Kwarizm, no Irã, o Califado de Bagdá, no Iraque, e o próprio Sultanato Aiúbida, concentrado na Síria mas abrangendo também o Egito) na época da Sexta Cruzada simplesmente deixaram de existir. Os mongóis obliteraram Kwarizm, conquistaram Bagdá (causando uma devastação tamanha em toda Mesopotâmia que a agricultura da região até hoje, mesmo com toda a tecnologia moderna, ainda não recuperou sua produtividade), e semanas depois Damasco, levando o Sultanato Aiúbida ao caos. Os generais mamelucos rapidamente preencheram o vácuo de poder causado pela perda da Síria e instauraram no Egito um sultanato próprio (embora os governadores de Aleppo continuassem a governar localmente pretendendo serem sultões aiúbidas legítimos). Desde 1259, reinava no Cairo o sultão Qutuz (outro ex-escravo capturado por mongóis, possivelmente em Kwarizm). Na ocasião da sua ascensão, ele não foi capaz de salvar a Síria da repentina invasão mongol, apesar do pedido desesperado do governador de Aleppo, que recebera mensagem semelhante. Qutuz, no entanto, respondeu assassinando os mensageiros e espetando suas cabeças em espigões nos portões do Cairo. Como acontecera em ocasiões semelhantes, de forma especialmente trágica em Merv (a maior cidade do mundo no seu tempo, reduzida a escombros e cadáveres) e Bagdá, o desafio provocou a ira mongol.

A morte repentina de Mongke Khan foi um golpe de sorte para Qutuz e todos os reinos que esperavam, apreensivos, o inexorável ataque mongol. Hulagu tivera que recuar da Síria com a maior parte das suas forças em agosto de 1259 para participar da assembléia que elegeria o novo Grande Khan (ele era um dos candidatos, mas seu irmão Kublai foi eleito). Hulagu havia deixado algo próximo a 10 mil homens no oeste do Eufrates para prosseguir com as conquistas no Oriente Médio, visando Jerusalém, ponto de apoio para uma campanha no norte da África. Qutuz reunira um grande exército no Egito e marchara para a Palestina. Kitbuqa, general encarregado por Hulagu nesta campanha, marchou para o sul a partir do Líbano, reforçado por exércitos de reinos cristãos que se submeteram pacificamente aos mongóis, como a Geórgia e a Armênia Cilícia. Os cristãos de maneira geral apostavam nos mongóis contra os muçulmanos. Os cruzados remanescentes na Terra Santa, contudo, estavam proibidos pelo Papa de se aliarem aos mongóis, o que os colocava em situação perigosa. Mesmo assim, eles proibiram os mamelucos de marcharem pacificamente pelo seu território, forçando-os na direção do Vale de Jezreel. Em 3 de setembro, perto de Ain Jalut, no Líbano, os dois exércitos se encontraram.

Baibars volta à cena neste momento. Trazendo consigo algumas forças da Síria, se uniu a Qutuz e participou da definição da estratégia para esta batalha. Suas peripécias na juventude lhe deram um conhecimento de terreno que ninguém, entre mamelucos e mongóis, tinha, o que lhe deu uma posição de grande proeminência na movimentação egípcia. Ele distribuíra as forças egípcias nas montanhas e florestas, e lideraria um modesto destacamento de cavalaria rápida. Era Baibars quem se apresentava para a batalha diante dos mongóis. Kitbuqa despachou seus aliados cristãos à frente. Os dois lados combateram longamente, Baibars evitando expor demais suas forças, recuando sempre que podia, e contra-atacando à longa distância. Kitbuqa perdia a paciência, e enviou um ataque massivo ao pequeno exército mameluco. Mesmo com a cavalaria mais veloz do mundo, os mongóis não os alcançavam pelas trilhas, permitindo que Baibars os fustigasse e fugisse repetidamente, atraindo os mongóis cada vez mais para longe da planície. Kitbuqa não desconfiou de uma armadilha, e continuou pressionando. Quando chegaram às terras altas, Baibars fez o sinal, e milhares de mamelucos saíram de seus esconderijos e se abateram sobre os mongóis em todas as direções. Ao invés de se renderem, os mongóis lutaram com mais ferocidade para tentar romper o cerco, mas os mamelucos tinham como corpo principal do seu exército uma cavalaria pesada armada com longas lanças e espadas que, no combate à curta distância, não deram margem de manobra para os arqueiros leves da estepe asiática. Na retaguarda haviam canhoneiros, armados com canhões portáteis que serviam para assustar os cavalos inimigos, impedindo um movimento coordenado. Ao final do dia, quase todos os mongóis estavam mortos. Kitbuqa teria se retirado com ferimentos, e morrido ao se recusar a receber tratamento médico típico da hospitalidade muçulmana (ele era cristão).

Baibars caiu nas graças dos emires egípcios. Após a batalha, a caminho do Damasco, ele teria requisitado ao sultão o governorado de Aleppo para si, mas Qutuz nomeou o emir de Mosul para o cargo. Qutuz assegurou o controle sobre Damasco e a autoridade efetiva sobre a maior parte da Síria, e retornou para o Cairo. Nesse caminho, Baibars teria conspirado com os emires, agora seus aliados, e no dia 24 de outubro, pelo menos três deles apunhalaram o sultão. Como Qutuz não tinha filhos, os emires elegeram Baibars seu sucessor.

Baibars faria juz à fama nos anos seguintes debelando a Sétima Cruzada e mantendo a Nona em cheque (a Oitava Cruzada teve a Tunísia como alvo), além de conquistar o antigo reino cristão de Makuria, no Sudão, e infligir mais derrotas aos Mongóis no leste da Turquia. Também investiu pesadamente em infraestrutura para comunicação, transporte, produção agrícola e distribuição de alimentos, que ajudaram o sultanato mameluco a ter uma vida relativamente longa.

Mas seu maior feito, pelo qual seu nome seria lembrado, foi a vitória em Ain Jalut. Foi a primeira derrota mongol desde que começara o avanço sobre o mundo islâmico. O mito da invencibilidade mongol caiu, e na região, tanto os turcos mamelucos do Egito quanto seus vizinhos seljúcidas ao norte mantiveram os mongóis sob controle, impedindo seu avanço até o Mediterrâneo e ao sul da Europa e África, com consequências imprevisíveis para os mundos islâmico e cristão. Como sultão, ele também estabeleceu relações próximas com o Khanato da Horda Dourada, cujo khan Berke era também muçulmano. Em 1262, Hulagu em pessoa voltara ao Oriente Médio para esmagar os mamelucos, mas Berke iniciara uma série de ataques ao norte do seu território, distraindo sua atenção e impedindo uma campanha com força total no Levante. Baibars morreu em Damasco em 1277, possivelmente envenenado.

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