sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Fidel Castro nos Estados Unidos

Em 18 de setembro de 1960, Fidel Castro desembarcou em Nova Iorque à frente de uma delegação cubana para a Assembléia Geral da ONU.

Ao longo dos anos 50, Fidel esteve envolvido em movimentos guerrilheiros de orientação socialista contra o ditador cubano Fulgêncio Batista. Entocado em Sierra Maestra em 1956 com apenas 19 guerrilheiros, seu grupo angariou gradativamente apoio de vários setores da sociedade cubana, inclusive da classe média e de sua insipiente burguesia, que viam a administração Batista como nociva e personalista (de fato, Batista lucrava diretamente com o turismo da ilha, com redes de hotéis, cassinos, e bordéis, usados também para a lavagem de dinheiro da máfia americana, sem reverter os lucros em benefícios públicos). Com a ajuda mais ou menos sutil da sociedade como um todo (em 1958 houve uma greve geral coordenada pela oposição), e o apoio declarado de personalidades conhecidas internacionalmente (como o piloto argentino Juan Manuel Fangio), logo os próprios soldados de Batista começaram a desertar para o lado dos rebeldes. No fim de 1958 Batista foi deposto por um dos seus generais, e fugiu para a República Dominicana com mais de 300 milhões de dólares dos cofres cubanos.

O Movimento 26 de Julho, agora, compunha o governo do país. Normalmente, o momento mais difícil de uma revolução é quando ela se torna tão bem sucedida a ponto de assumir o poder local, porque muitos ideais revolucionários precisam dar espaço para o pragmatismo necessário para conduzir políticas públicas, administrar orçamentos de maneira responsável, estabelecer relações diplomáticas e comerciais saudáveis com os parceiros certos. E esse era o problema do grupo de Fidel, Che Guevara, Raúl Castro, Camilo Cienfuegos, Almeida Bosque e outros revolucionários: fazer o país funcionar.

Ainda em 1958, os Estados Unidos decidiram tomar uma posição em relação ao que estava acontecendo em Cuba. Temendo que os revolucionários fossem comunistas (isso ainda não estava claro nem para eles), os americanos residentes ou de passagem pela ilha foram evacuados às pressas. Os contatos comerciais foram cortados, o comércio foi fechado, e foi uma sugestão de Washington a deposição de Batista antes que Fidel pusesse suas mãos nele: o general responsável pela manobra, Eulogio Cantillo, foi orientado a negociar um cessar fogo com Castro para estabelecer um novo governo, na esperança de que este governo tivesse tempo, força e legitimidade para impedir a ascensão dos revolucionários ao poder (ele seria preso logo depois por simpatizantes no exército, ao não entregar o poder aos revolucionários). A retórica anti-capitalista e anti-americana de Castro, que incluía planos declarados de nacionalização de negócios estrangeiros, também assustava. Sua reforma agrária foi direta e radical, limitando a área máxima de propriedade para cada família, para isso, expropriando grandes propriedades e minando o poder da elite agrária e investidores estrangeiros; as famílias reassentadas nos novos loteamentos eram de classe mais baixa, o que causou surpresa e descontentamento na classe média urbana e em seus próprios familiares (as célebres discordâncias dos familiares dos Castro que emigraram para os Estados Unidos tem sua origem aí). Mesmo assim, Fidel declarava publicamente que o novo regime não era comunista, embora nomeasse companheiros comunistas para cargos do alto escalão.

De qualquer maneira, durante o primeiro ano de governo ainda como Primeiro Ministro, Fidel Castro ainda podia contar com um influxo de capital proveniente da venda de açúcar e tabaco para os Estados Unidos. Cuba não podia negar a importância dos Estados Unidos como seu principal parceiro comercial, ainda mais depois de Batista fugir do país com grande parte do tesouro nacional. A primeira viagem de Fidel ao exterior como comandante cubano foi para lá, a convite da Associação Americana dos Editores de Jornais. A despeito do tumulto causado aos interesses americanos em Cuba, Fidel foi recebido com entusiasmo pela juventude americana, em universidades, no estádio de baseball dos New York Yankees, até num zoológico, e pela imprensa com interesse (suas histórias de luta em Sierra Maestra, sua eloquência e desenvoltura em público, e seu rosto barbado eram um sucesso entre os leitores).

O mesmo não pode ser dito do seu encontro com o então vice-presidente Richard Nixon. Ele esperava "orientar" Castro a não adotar políticas "radicais", o que foi recebido com ouvidos moucos. Conta uma anedota que, enquanto esperava ser chamado para a reunião, um oficial americano entrou na sala para falar com a delegação cubana, apresentando-se como "encarregado dos assuntos cubanos", ao que Fidel murmurou: "Achei que eu era encarregado dos assuntos cubanos". Tampouco foi feliz em uma reunião com empresários e jornalistas, onde as insinuações de que Cuba precisaria pedir ajuda econômica internacional o fizeram deixar a conferência irritado, algo raro de ser visto em público. O novo ministro das finanças também não obteve sucesso em assegurar linhas de crédito junto aos bancos. O ressentimento dos Estados Unidos quanto ao seu novo status na política cubana foi enorme. Em depoimento ao senado em 1960, o ex-embaixador em Cuba, Earl T. Smith, avaliou que "até Castro, os Estados Unidos tinham tanta influência em Cuba que o embaixador americano era a segundo homem mais importante no país, algumas vezes mais do que o presidente cubano".

Seu tour à procura de investidores incluiu Canadá, Trinidad e Tobago, Brasil, Uruguai e Argentina. Em Buenos Aires, numa conferência, propôs aos Estados Unidos um "Plano Marshall" (o plano de recuperação econômica da Europa pós-guerra) para a América Latina de 30 bilhões de dólares. Não foi atendido. Fidel retornou a Cuba de mãos vazias. Acontece que, apesar do otimismo do discurso cubano, Cuba realmente precisava substituir uma das suas principais fontes de receitas, uma vez que o dinheiro do turismo americano deixou de ser despejado no país (houve até uma campanha fracassada do governo cubano de promover o turismo especificamente aos negros nos Estados Unidos, no alto da era das lutas contra a segregação racial, prometendo um paraíso tropical sem racismo), e os planos internos priorizavam o desenvolvimento social em detrimento do desenvolvimento econômico (razão pela qual, até hoje, a educação e a saúde em Cuba são modelos para países em desenvolvimento, enquanto há escassez e racionamento de produtos básicos do dia a dia).

Entre 1959 e 1960 entra em cena, então, a União Soviética. Mesmo que não se declarasse comunista, a afinidade ideológica de Castro com o leninismo-marxismo era óbvia, e essa convergência o colocou em contato com comunistas importantes da comunidade internacional. Ao saber das negociações infrutíferas com os Estados Unidos, os soviéticos ofereceram comprar toda a produção cubana de açúcar, frutas, fibras têxteis e couro, mais um empréstimo de 100 milhões de dólares, em troca do compromisso de Cuba comprar petróleo, fertilizantes e manufaturados soviéticos. Um excelente negócio num momento crucial para o sucesso do novo regime. Cuba compraria petróleo cru soviético e precisaria de refinarias para transformá-lo em combustíveis, gás, plástico e outros produtos. As refinarias que funcionavam no país pertenciam a empresas estrangeiras, como as americanas Esso e Standard Oil, e sob pressão do governo americano, elas se recusaram a participar do negócio. Fidel confiscou e nacionalizou as refinarias. Os Estados Unidos cancelaram todas as importações de açúcar cubano. Cuba respondeu nacionalizando todos os outros negócios geridos por empresas americanas na ilha, inclusive bancos. A temperatura começou a subir.

Em meio à tensão entre os dois países, Fidel Castro viajou aos Estados Unidos pela segunda vez à frente de uma delegação diplomática, para proferir um discurso na abertura da Assembléia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque. Sua recepção foi menos calorosa do que da última vez. Setores da imprensa, menos entusiasmada com o ex-guerrilheiro romântico, agora parceiro dos comunistas, consideraram a visita uma provocação. O gerente do Hotel Shelburne, em Manhattan, exigiu que os cubanos pagassem a estadia adiantado e em dinheiro, e, insultada, a delegação se hospedou no modesto Hotel Theresa, no centro da comunidade negra do Haarlen. Foi ali que os cubanos viram as principais manifestações a seu favor, recebendo, inclusive, a visita do ativista Malcolm X e o escritor Langston Hughes, e de autoridades internacionais, como o premier soviético Nikita Krushschev, o presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, e o primeiro ministro indiano Jawaharlal Nehru. Seu discurso, proferido dez dias depois, começou com "Devemos ser breves", seguido de uma fala de quatro horas e meia, o mais longo feito na sede das Nações Unidas (ele foi transcrito em um documento de 30 páginas). Nele, Fidel denunciava a política agressiva e imperialista americana em Cuba, na América Latina, na África e na Ásia, e que os Estados Unidos já haviam declarado o fim da revolução cubana (de fato, o presidente Eisenhower, meses antes, ordenara à CIA o treinamento de cubanos exilados para operações na ilha, mais sobre isso adiante). Krushschev declarou que Fidel Castro era o "farol do socialismo na América Latina". A delegação ainda promoveu um encontro festivo no hotel com líderes comunistas do Pacto de Varsóvia, intelectuais e lideranças de esquerda.

A relação Cuba-Estados Unidos se deteriorou completamente nos meses seguintes. Eisenhower cancelou todos os acordos comerciais com Cuba (o tabaco cubano, então seu principal produto de exportação, passou a ser contrabandeado para os Estados Unidos), e no começo de 1961 a embaixada americana em Havana foi fechada. Fidel Castro se consolidou no poder (e confirmou o caráter socialista da sua revolução) após a vitória sobre uma brigada de 1400 soldados dissidentes treinados pela CIA na invasão à Baía dos Porcos. A vitória final, seguida um ano mais tarde pela tensa crise dos mísseis nucleares soviéticos posicionados na ilha, provocou um alerta nos Estados Unidos contra a ameaça de revoluções similares se propagarem pelo restante da América Latina. Era preferível a eles o estabelecimento de ditaduras antidemocráticas alinhadas aos seus interesses econômicos do que qualquer movimento popular de caráter socialista. Dessa forma, contribuíram para golpes militares e sua manutenção em quase todos os países latinoamericanos entre os anos 60 e 80 (agentes da CIA coordenaram a ação que levou ao assassinato de Salvador Allende no Chile, e a Operação Brother Sam previa operações de apoio aos militares que depuseram João Goulart em caso de resistência), quando finalmente o desgaste dos governos locais, as crises mundiais que abalavam suas frágeis economias, e o lento fim do poderio soviético levaram à abertura democrática em muitos deles.

O bloqueio comercial perdura há mais de 60 anos, e apenas recentemente os dois países sinalizaram uma aproximação, com a reabertura das suas embaixadas, e o projeto em tramitação no Congresso americano de restabelecimento de relações comerciais com a ilha.

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