quarta-feira, 26 de agosto de 2015

A Batalha de Manzikert

Em 26 de agosto de 1071, um exército bizantino liderado pelo imperador Romano IV foi derrotado por forças turcas comandadas pelo sultão seljúcida Alp Arslan, diante da cidade armênia de Manzikert.

Os turcos seljúcidas vinham há um século pressionando o Império Bizantino na Ásia, cujas fronteiras mal conseguia defender contra árabes e persas. Esses seljúcidas remontavam suas origens a um certo Seljuq, líder tribal turco leal ao Império Khazar, que conduziu seus seguidores para o sul, até o Khwarizm, no norte do Irã, onde se converteram ao Islã. Oferecendo-se a lutar pelos samânidas, a dinastia governante da Pérsia, esses turcos acabaram envolvidos numa prolongada guerra contra os Ghaznávidas, outro clã turco que controlava um vasto território centrado no Afeganistão. A própria Pérsia samânida acabaria colapsando sob uma invasão de um terceiro clã turco, os qarakarânidas. O vácuo de poder na região seria preenchido pelos seljúcidas, que controlavam as principais cidades do norte da Pérsia. Na virada do milênio, o que era uma tribo guerreira acabou formando seu próprio império.

Na década de 1040 os seljúcidas começaram a expandir para o oeste, invadindo a província bizantina da Ibéria, ao sul do Cáucaso. Em 1048 as duas forças se enfrentaram pela primeira vez em Kapetron, que resultou no recuo dos turcos e numa trégua. Esta trégua levou os imperadores bizantinos a adotar restrições no orçamento militar, fazendo debandar um contingente de 50 mil armênios, e substituindo soldados conscritos por mercenários nas fronteiras. E, ainda assim, aumentando impostos (nesse período, o frágil imperador Constantino IX procurou assegurar apoio da nobreza com isenções de impostos, e a população teve que pagar a conta). A crise econômica e militar levou o controle do Império Bizantino na Ásia rapidamente à ruína, e ela viria justamente pelas mãos dos turcos seljúcidas.

Os seljúcidas tinham à sua disposição hordas de turcomanos que não tinham todo esse compromisso com a diplomacia internacional. Para manter os turcomanos sob controle, o novo sultão Alp Arslan os conduziu em campanhas contra a Armênia e a Geórgia, agora mal defendidas, anexando os dois países. Em 1067 eles já haviam alcançado o centro da Anatólia. No ano seguinte, com a morte do ineficiente Constantino X, o novo imperador bizantino Romano IV decidiu retomar a iniciativa e recuperar territórios perdidos. Alp Arslan capturou o principal comandante bizantino em Iconium e assinou uma nova trégua - sua real intenção era abrir caminho para a Síria, controlado pelos rivais islâmicos fatímidas. Em 1071 emissários bizantinos foram recebidos pelo sultão para renovar o acordo. Com isso, Alp Arslan sentiu-se seguro para levar um exército a Aleppo.

Romano pretendia aproveitar a ausência do sultão para retomar a Armênia.

Romano em pessoa liderava uma coalizão de bizantinos, franceses, búlgaros, normandos, suecos, armênios, mercenários turcos e aldeões recrutados pelo caminho. Um exército de mais de 40 mil soldados, engrossado por mercenários estrangeiros. Muito rapidamente os problemas começaram a ocorrer: enquanto avançava ainda em seu próprio território, soldados francos pilhavam vilarejos. O imperador (que trazia consigo uma ostentosa entourage de cortesões e tesouros particulares enquanto os soldados enfrentavam uma marcha difícil pela montanhosa Ásia Menor) também estava cercado de rivais políticos a quem precisava bajular com promessas de glórias e conquistas.

A despeito da dificuldade do terreno, Romano avançava sem resistência em direção a Manzikert, ao norte do Lago Van, já no coração da Armênia (hoje, leste da Turquia). O imperador dividiu o exército em dois, enviando um segundo contingente para a fortaleza de Khliat, reduzindo, porém, a força principal à metade. O que aconteceu com a outra metade do exército é desconhecido (é provável que eles tenham desertado). Romano estava muito seguro, porque não sabia que Alp Arslan já havia retornado de Aleppo (com reforços da Síria), e acompanhava com batedores toda a movimentação bizantina.

Romano eventualmente capturou Manzikert em 23 de agosto, enfrentando apenas a resistência de arqueiros turcos. Enquanto estava na cidade, Romano recebeu notícia de um exército turco nas proximidades. Nos dois dias seguintes, negociações de paz falharam (possivelmente porque Romano não acreditava que aquele era o corpo principal do exército seljúcida, que deveria estar na Síria), e rápidas incursões bizantinas foram rechaçadas. No dia 26, os bizantinos saíram em formação de combate para encontrar os turcos. A linha turca, por sua vez, fazia uma crescente, cujo centro recuava à medida em que os bizantinos avançavam - seus flancos então fustigavam os flancos inimigos, quase cercados dos dois lados. A cavalaria, no centro, avançava e recuava, atraindo o centro bizantino ainda mais para o interior do semicírculo. Assim os dois exércitos ficaram dançando até o anoitecer, quando Romano ordenou um recuo.

Ali a sorte mudou drasticamente. A retaguarda, responsável por cobrir a retirada de Romano, era comandada por Andronikos Doukas, um rival político. Quando houve a ordem para recuar, Doukas ignorou a posição do imperador, deu meia volta e retornou com seu destacamento para o acampamento além da cidade. Vendo a confusão da retirada inimiga e seu centro vulnerável, Alp Arslan aproveitou a oportunidade e ordenou um ataque total. Neste momento, a lealdade da maioria dos mercenários sob Romano falhou e fugiu (curiosamente, os mercenários turcos se mantiveram leais até o fim). Romano e sua guarda pessoal constituída por vikings suecos foram cercados e capturados. No final, cerca de 4 a 8 mil soldados morreram do lado bizantino - todos os que não fugiram.

Romano foi levado à presença de Alp Arslan. Ele foi obrigado a se ajoelhar e beijar o chão (um ato que os romanos e bizantinos exigiam de emissários bárbaros em seu território como sinal de submissão). Durante uma semana de cativeiro, em que os dois compartilharam a mesa, Romano concordou em ceder territórios aos turcos, a pagar grandes somas em resgate (de si mesmo e de quem quer que estivesse em poder deles). Depois disso, foi enviado de volta a Constantinopla.

Os turcos não aproveitaram imediatamente os novos territórios para conquistar o resto da Anatólia. Foi a guerra civil que se seguiu entre os partidários de Doukas e o enfraquecido e humilhado Romano que abriu as portas para o avanço turco. Alp Arslan morreu em 1072, assassinado por um prisioneiro khwarizm enquanto comandava uma expedição ao Turquestão, as terras de seus ancestrais na Ásia Central. Mas imediatamente antes disso, liberou seus comandantes turcomanos para conquistar o que pudessem da Ásia Menor, e estabelecessem ali seus próprios governos provinciais. Em cinco anos, praticamente toda a Anatólia, desde o século VIII a.C. lar do povo grego e há muito o centro econômico do Império Bizantino, estaria em poder dos seljúcidas. Os bizantinos, com a ajuda das Cruzadas vindas do ocidente (embora "ajuda" não descreva muito bem a ação dos cruzados na região algumas vezes), conseguiriam recapturar algumas áreas na fímbria ocidental da Anatólia, apenas para perdê-las novamente para outra tribo turca, os otomanos, no século XIV.

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