sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

O apogeu dos maias

De acordo com o metódico calendário maia, no dia 8 de janeiro de 387 d.C., o comandante teotihuacano Siyaj K'ak' conquistou a cidade maia de Waka', na Guatemala, como parte da sua campanha de conquista das emergentes cidades maias em favor da metrópole mexicana de Teotihuacán.

Os maias são o produto de um contínuo desenvolvimento civilizacional centrado na Guatemala e alcançando do sul do México até Nicarágua, que pode ser traçado até antes de 2000 a.C., com períodos de apogeu e colapsos, onde o que ficou para trás foi substituído por um estrato cultural, social e político baseado no que existia antes. Exímios agricultores que dominavam sobretudo o milho (mas também domesticavam abóboras, feijões, pimentas, cacau, abacate, e produtos da floresta com a qual sempre mantiveram contato), os mais antigos maias assentavam-se em aldeias, que se transformaram em vilas, e depois em cidades. Em 750 a.C., a cidade de Nakbe já tinha uma arquitetura monumental. Antes do ano 200 a.C., a cidade de El Mirador, com templos colossais com o formato de pirâmides escalonadas simulando montanhas com altares sacrificiais no seu topo (uma das quais é uma das maiores estruturas da Antiguidade, com 70 metros de altura, sendo esta a altura do que ainda está de pé), somava talvez 250 mil habitantes amontoados em 26 km².

Os maias não estavam sozinhos. Mais ao norte, durante esses dois milênios antes de Cristo no nosso calendário, olmecas, zapotecas, e teotihuacanos prosperaram alternadamente, contribuindo para e recebendo influências da cultura maia. Ao sul, no litoral aos pés dos andes peruanos, várias culturas baseadas na agricultura (notavelmente os Chavín, Nasca, Moche) floresciam e entravam em contato com a América Central por rotas de comércio marítimo. Essa saída pelo mar por Peru e Equador em direção à América Central era um fator de desenvolvimento econômico longe dali, na bacia amazônica, onde os povos nativos (muito, mas muito pouco conhecidos até aqui) cultivavam mandioca e escoavam uma produção excedente de farinha para o oeste. As redes de comércio do norte e do sul se cruzavam na seção de terra ocupada pelos maias, e pode ter sido um dos fatores que alimentou o desenvolvimento da região, e sua prosperidade retroalimentando o desenvolvimento civilizacional por todo este pedaço do continente americano chamado convencionalmente de Mesoamérica.

Os maias, embora identificassem uns aos outros pela língua e pela herança cultural comuns (incluindo um sistema de escrita e um calendário adotados universalmente), nunca chegaram a constituir um império propriamente dito. As cidades surgiam de acordo com a prosperidade das atividades econômicas das regiões ao seu redor e das alianças estabelecidas entre elas. O nível de organização social e política nesses centros urbanos também se desenvolvia, com cada cidade dominando as terras no seu entorno, constituindo verdadeiras cidades-estado, com suas próprias casas reais. Os reis maias, ao contrário do que ocorria no Velho Mundo, não exerciam controle sobre as terras e a produção. Seu poder e influência emanavam do caráter cerimonial dos seus cargos como intermediários ou descendentes dos deuses na terra - na prática, presidiam cerimônias religiosas destinadas a oferecer as condições ideais para a próxima colheita, para afastar doenças, garantir a fertilidade das mulheres, etc., e coordenavam projetos urbanísticos.

Em 250 d.C., esse desenvolvimento urbano chegou ao seu primeiro pico, o chamado Período Clássico, onde o mundo maia estava claramente retalhado entre suas cidades-estado. No começo do Período Clássico, as crescentes cidades maias estavam expostas à influência política de Teotihuacán, grande cidade-estado no Vale do México, a centenas de quilômetros de distância do limite norte da cultura maia.

Teotihuacán crescera fora da esfera de influência maia graças às planícies alagadas no seu entorno, domadas e cultivadas proficuamente. Ela fora ocupada por culturas distintas ao longo do tempo (os astecas se apropriaram da cidade a seu tempo, e é por eles que conhecemos o local por Teotihuacán, um nome asteca que significa "berço dos deuses"). Os teotihuacanos que a fundaram não são bem conhecidos (não se sabe a que etnia pertenciam, talvez fosse um amálgama de antigas tribos do Vale do México e imigrantes, incluindo maias), mas a cidade chegou a abrigar até 250 mil pessoas, espraiando-se por uma área quase o dobro da de El Mirador, 30 km² - o sexto maior complexo urbano do mundo em 450 d.C.. O seu contato com os maias se dava pela costa sudoeste do Golfo, onde uma rede de cidades-estado da chamada Cultura de Veracruz servia de ponte entre as duas civilizações. E assim a superpotência mexicana, a partir do século IV d.C., começou a exercer forte influência sobre a civilização ao sul.

Pelo que se pode depreender das inscrições maias, por volta de 378 Teotihuacán, governada por um certo Atlatl Cauac (ou "Coruja Lanceira", cuja existência só é conhecida pelas inscrições maias) enviou um comandante militar contra a cidade maia de Tikal. Este comandante, Siyaj K'ak' (algo que pode ser traduzido como "Fogo é Nascido") aparentemente tomou Tikal de assalto e provocou a morte do seu rei (por assassinato, execução, sacrifício ou suicídio, não se sabe). Siyaj K'ak' então estabeleceu-se como o novo verdadeiro poder em todo o norte da Guatemala, na região de Petén; ele supervisionou a nomeação de um novo rei, cuja dinastia levaria Tikal a controlar a região. Ele também instaurara novos governantes em Uaxactun e Copán, cujas dinastias mais tarde declaravam descender de Atlatl Cauac, atribuindo o seu poder à proeminência da cidade mexicana. O próprio rei de Tikal recém empossado por Siyaj K'ak' clamava ser filho desse tal Atlatl Cauac (300 anos depois um descendente em Tikal o homenagearia como "O Sagrado"). A influência de Teotihuacán sobre as cidades conquistadas foi ao ponto de introduzir, na construção de pirâmides, elemento axial da cultura maia, um estilo arquitetônico único do Vale do México e inexistente no mundo maia ("tableros", grandes seções verticais sob os degraus das pirâmides interrompendo seu "talude", ou a superfície inclinada)

A cidade de Waka' (redescoberta na década de 1960 no sítio de El Perú) era uma dessas cidades. Aliada de Tikal, acabou caindo diante de Siyaj K'ak'  em 387 (mesmo aqui não se tem por certo de que tenha sido pela força ou pela diplomacia, apenas sabe-se que se trata de um comandante por ser representado em trajes militares teotihuacanos). Waka' permaneceu nesta nova liga pró-Teotihuacán até talvez as mortes de Siyaj K'ak' e Atlatl Cauac, no século V. A partir dali, Waka' foi uma das cidades que passaram a aliar-se a Calakmul, a outra potência de Petén que liderava uma espécie de resistência contra a interferência teotihuacana na região. Enquanto Teotihuacán controlou Tikal, esta e Calakmul polarizaram a política no norte da Guatemala, costurando alianças, e conquistando para si aliados importantes do rival.

De uma forma ou de outra, toda a região prosperou com essa competição durante cerca de 250 anos. Porém, em algum momento da segunda metade do século VII, Teotihuacán foi saqueada e queimada, sua nobreza foi destituída. Uma possível revolta interna, talvez provocada por uma prolongada crise na produção agrícola no Vale do México, acabou causando a ruptura da estrutura social que mantinha aquela sociedade multiétnica coesa. A cidade foi praticamente abandonada, e o vácuo de poder local disputado entre suas rivais. A primeira consequência foi a dramática guinada nas relações de poder em Petén: um dos herdeiros da casa reinante de Tikal quase imediatamente depôs seu rei e assumiu o trono, jurando lealdade a Calakmul (apenas para, logo depois, destruí-la, levando junto consigo Waka'). Teotihuacán também exercia influência em outras regiões, extendendo seus dedos até Copán, em Honduras, onde o desequilíbrio político também foi sentido.

Teotihuacán foi uma das forças que levaram ao período mais próspero da história maia, e sua repentina retirada de cena deixou a região num turbilhão político no pior momento possível: a população maia crescera além do limite do que suas terras agricultáveis e suas florestas remanescentes podiam suportar naquele momento. A partir do século IX, começam a haver grandes destruições, dinastias são depostas e substituídas por usurpadores tão efêmeros ou insignificantes que seus nomes nem foram registrados, e quase todas as cidades são abandonadas - junto com as cidades, vários aspectos da civilização, como a reprodução do calendário e seu uso na datação de eventos, a produção artística e cultura material, e a estrutura religiosa. Algumas cidades em Yucatán, como Chichén Itza sobreviveram por algum tempo, possivelmente sustentando levas de imigrantes, mas acabariam igualmente abandonadas antes de 1100. A população foi para as áreas rurais e florestais, e mesmo lá, grandes concentrações populacionais foram declinando ao longo do tempo por causa da fome; esqueletos humanos do século IX ao XIII mostram consistentemente sinais de desnutrição e doenças associadas. Incapaz politicamente de coordenar esforços para reverter os efeitos da fome no primeiro momento (os reis se voltaram para a construção de templos e a guerra como resposta), o mundo maia mergulhou num profundo declínio, do qual nunca se recuperaria totalmente.

Apenas no século XIII os maias remanescentes voltariam a construir cidades e templos, mas a mudança na demografia da sua região foi tanta que essas novas cidades se localizavam longe de terras ocupadas anteriormente por milhares de anos. As novas cidades eram erigidas sobre morros e montanhas facilmente defensáveis, não mais no centro dos vales e planícies, indicando intensa atividade militar. A conquista pela guerra levou ao surgimento de pequenos reinos e confederações em Yucatán e na Guatemala. Um outro período de depressão e violência levou a um novo declínio das novas cidades maias no século XV. Quando os espanhóis chegaram em 1511, encontraram pequenos reinos enfraquecidos, e grande parte da população maia em aldeias isoladas nas florestas. As cidades que restavam e resistiam sucumbiram uma a uma sob os conquistadores europeus, mas, curiosamente, a cultura maia - sua língua, e algo das suas tradições - sobreviveu até os dias atuais graças a essas comunidades. Hoje, há cerca de 7 milhões de pessoas no México e América Central que se identificam como maias, e desses, alguns milhões falam suas línguas.

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