Na tarde de 15 de janeiro de 1919, na parte norte de Boston, Estados Unidos, um imenso tanque de melado explodiu liberando uma onda de líquido grosso e quente que derrubou construções, arrastou caminhões, cavalos, e matou 21 pessoas.
A destilaria Purity operava na zona metropolitana de Boston, importando melado do Caribe e usando-o como matéria prima para a fabricação de rum e etanol. Bebidas não eram o único foco da empresa, que também produzia álcool para uso industrial e bélico. A companhia atendia a demanda da região de Boston e clientes por todo o nordeste dos Estados Unidos. Era um negócio com grande potencial de crescimento.
Em 1915 a Purity investiu na construção de um imenso tanque feito de aço para armazenagem num terreno na parte norte de Boston, região densamente populada por imigrantes italianos, e perto da qual passava uma estrada de ferro elevada de uma das linhas de trens urbanos da cidade. Era algo de 15 metros de altura, e quase o dobro de diâmetro, capaz de armazenar quase 9,5 milhões de litros de melado. Este melado era periodicamente descarregado em caminhões-tanque e transportado para a destilaria propriamente dita, localizada em Cambridge. O interior do tanque tinha um sistema de canos preenchidos com ar aquecido por um boiler no lado de fora, que servia para manter o melado aquecido e fluido mesmo no frio do inverno e permitir a descarga do produto - do contrário, ele se transformaria num caramelo de 9,5 milhões de litros de volume.
Esse tanque foi construído em 1915 e nunca havia demonstrado qualquer problema visível. Porém, foi construído de maneira quase improvisada, e não foi submetido a todos os testes de resistência. O responsável pelo projeto sequer o encheu de água para verificar vazamentos (e parece que vazava tanto que as pessoas vinham recolher melado, e o tanque era pintado de marrom para disfarçar as manchas). Ao longo dos quatro anos seguintes, ele foi preenchido até sua capacidade máxima oito vezes. O uso intermitente da capacidade máxima do tanque pode ter estressado sua estrutura metálica, ora sob pressão interna, ora sem essa pressão, mas sofrendo da fadiga resultante da dilatação e retração dos materiais sob influência dos elementos. Havia uma escotilha perto do chão, virada na direção da rua, por onde uma pessoa podia entrar para fazer inspeção ou limpeza, e desconfia-se até hoje que pudesse haver uma fadiga na sua vedação, ou uma rachadura por ali.
Com um tanque gigante e pouco seguro, a Purity começou a acelerar sua produção de álcool a partir de 1917. Em 1 de outubro daquele ano, o senado americano havia aprovado em primeira instância a XVIII Emenda Constitucional, que proibia a fabricação, o transporte, e a venda de bebidas alcoólicas nos Estados Unidos (embora não o seu consumo em propriedades particulares, um panorama bastante parecido com a nossa atual proibição à maconha). A proibição causaria um impacto na companhia, embora ela tivesse seus negócios fora do mercado de bebidas. Contudo, às vésperas da implementação da nova lei, a Purity começou a intensificar sua produção de rum e destilados, e seu tanque em Boston estava totalmente cheio no dia 14 de janeiro de 1919.
Aconteceu de Boston ter passado aquela semana sob um "calor" inesperado para esta época do ano: a temperatura subiu de -17°C para 5°C. Embora para nós aqui isso ainda seja frio, adicionado ao calor interno do tanque, foi o suficiente para acelerar o processo natural de fermentação do melado armazenado. A fermentação gera gás carbônico, e esse gás pode ter aumentado a pressão interna do tanque além do suportável.
Durante a tarde do dia 15, um estrondo foi ouvido do pátio. O deslocamento de ar fez as pessoas serem atiradas longe. Uma brecha no tanque fez com que ele explodisse violentamente na direção da rua. Rebites atingiram pessoas e estruturas. A seguir, uma onda de melado fumegante que chegou a mais de 7,5 metros de altura se esparramou por todos os lados, tolhendo tudo que estava ao alcance: transeuntes, animais, caminhões, estruturas em volta. Levar um banho de melado não parece algo tão assustador, mas esse volume de líquido viscoso e quente, movendo-se a mais de 50 km/h, foi capaz de derrubar os postos dos bombeiros e da polícia ao lado, destroçar o corpo de cavalos, arrasar até o chão o escritório da Purity que ficava entre o tanque e a rua, e destruir pilares da estrada de ferro suspensa logo em frente. As pessoas que não tiveram tempo de fugir (motoristas, crianças, operários que trabalhavam ao lado, funcionários do porto, e moradores do outro lado da rua) morreram com o impacto da onda, sob destroços, ou em decorrência de ferimentos e queimaduras. Foram 21 mortos e 150 feridos. Um menino salvou-se por pouco mantendo-se na superfície do líquido grosso como se surfasse a onda (sua irmã menor foi uma das vítimas fatais). Curiosamente, a única estrutura vizinha ao tanque rompido que se manteve intacta foi o armazém da Purity, que ficava na margem do Rio Charles, ao norte, na posição oposta ao ponto de ruptura.
Os bombeiros atenderam imediatamente, e as buscas por corpos e feridos duraram dias, bem como a limpeza - com o frio o melado virou um caramelo, e foi preciso jatos de água salgada e areia para remover a substância grudenta. Depois que a onda de melado perdeu força destrutiva, ela ainda se esparramou por vários quarteirões, cobrindo gramados e entupindo bueiros daquela parte da cidade antes de se solidificar, e os trabalhadores encarregados da limpeza e dos resgates se encarregaram de espalhar mais melado onde quer que fossem nas botas, luvas e roupas.
Nos meses que se seguiram, centenas de processos contra a Purity e o depoimento de mais de 3 mil testemunhas abarrotaram o sistema judiciário de Boston. Várias hipóteses emergiram. Um químico a serviço da polícia de Massachusetts, um certo senhor Wedger, sugeriu no dia seguinte que a explosão teria sido causada por uma reação entre gases explosivos no tanque. Houve quem sugerisse que subversivos plantaram uma bomba no local (comunistas e anarquistas eram suspeitos de outros casos de explosões em áreas industriais no país). A corte nunca chegou a uma conclusão sobre as causas e responsabilidades. A Purity, que naquele momento tinha sido comprado pela United States Industrial Alcohol, decidiu pagar um montante na ordem de quase 11 milhões de dólares (valores atuais) em acordos, e cerca de 125 mil por cada vítima fatal às suas respectivas famílias. Uma análise técnica feita em 2014 com os dados sobre a estrutura do tanque concluiu que as placas de aço das suas paredes não tinham metade da espessura apropriada para um compartimento daquele tamanho, e era de qualidade inferior. A Purity (que sumiria do mapa sob o nome da sua nova proprietária) nunca reconstruiu o tanque.
Até hoje os naturais de Boston dizem que, nos dias mais quentes, sente-se nas ruas um cheiro de melado. Grande parte da área atingida mais violentamente pela explosão é hoje um complexo de parques e campos esportivos.
A XVIII Emenda foi ratificada no dia seguinte ao vazamento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário