terça-feira, 17 de outubro de 2017

Agripina, A Velha

Em 17 de outubro de 33 d.C. faleceu de desnutrição a romana Agripina ("A Velha", porque tinha uma filha homônima, conhecida como "A Jovem"), adversária do imperador Tibério e mãe do seu sucessor, Calígula.

Na sociedade romana, à época da dinastia Júlio-Claudiana, os homens eram os executores da vida pública, ocupantes exclusivos dos cargos de cônsul, senador, pretor, general, pontífice. Eram maridos, cabeças de suas famílias, provedores do lar. Das mulheres era esperado o recato, a modéstia, a obediência, e um útero fértil. Quaisquer mulheres que não se enquadrassem nesse modelo, independente da sua sagacidade, capacidade produtiva, caráter, eram mal vistas pelos romanos. Porém, como toda boa sociedade fortemente patriarcal, a vida política romana sempre teve, nos seus bastidores, a influência das esposas e amantes dos seus figurões mais ilustres. Agripina, quem o historiador Tácito, sob o ponto de vista do homem romano, a descreve como alguém "intolerante na rivalidade, sedenta de poder, (ela) tinha as preocupações de um homem", era uma mulher cuja virtude extrapolava o que se esperava de uma romana, enquadrando-se tanto no espectro da matrona virtuosa e recatada, quanto da leoa que se imiscuía nos negócios públicos em busca de justiça.

Vipsania Agripina, nascida em 14 a.C., era filha de Marcus Vipsanio Agripa, amigo de longa data do imperador Otaviano, e da única filha biológica deste, Júlia. Entre os patrícios romanos os casamentos eram arranjados e desfeitos para fortalecer alianças ou aproximar inimigos, e havia muito pouco que os noivos pudessem fazer. Depois de anos de casamento feliz com Agripa, quando este morreu Júlia foi oferecida em casamento ao herdeiro legal de Otaviano, Tibério, um homem soberbo e emocionalmente instável, com quem viveu miseravelmente; não foi surpresa, embora tenha sido um escândalo, quando Otaviano puniu Júlia com o exílio por adultério. Como resultado, a jovem Agripina, então adolescente, ficou sob a guarda da atual esposa de Otaviano, Lívia.

Lívia era uma verdadeira arquiteta política. Seu marido (a quem arrebatara quando era casado e ainda compartilhava o poder com os rivais Marco Antonio e Marco Lépido) era o imperador; embora Otaviano adotasse legalmente alguns jovens promissores, ela arranjara para que Tibério, seu filho de um casamento anterior, se tornasse seu herdeiro, enquanto seus possíveis rivais caíam um a um, provavelmente envenenados sob suas ordens (bem como o próprio Otaviano, que gozava de boa saúde na velhice); com Tibério pavoneando-se no poder, trabalhava como uma das principais articuladoras políticas do seu reinado.

Já Otaviano era um homem astuto, que conhecia as artimanhas e a capacidade de realização de Lívia e procurava direcioná-las para benefício comum. No entanto, seu ímpeto frequentemente entrava em conflito com os planos da esposa. Quando Júlia foi exilada e Agripina trazida para o seu convívio, Otaviano se afeiçoou a ela e a protegeu, oferecendo-a em casamento a Germânico, um jovem e charmoso neto de Marco Antonio e parente de Lívia, da influente família dos Cláudios. Germânico, além de bem apessoado e gentil, era um militar capaz. Suas vitórias na Germânia e na Gália (notadamente, o resgate da última das três Águias Perdidas) o tornavam imensamente popular. A modéstia e a frugalidade de Agripina, sua devoção por Germânico (com quem viveu um casamento verdadeiramente feliz, se confiarmos nas fontes contemporâneas, acompanhando-o em campanha e mesmo atuando como diplomata) a tornaram uma favorita do povo. O casal deu à luz nove filhos, com seis deles chegando à idade adulta.

Otaviano já havia designado Tibério seu sucessor, mas exigiu que o enteado fizesse o mesmo com Germânico. Quando Otaviano morreu, as coisas mudaram. Tibério, que não gozava das virtudes nem da popularidade de Germânico, o via como uma ameaça. Germânico foi então enviado para o oriente (para longe de Roma), para comandar a Síria. Em seu auxílio foi designado o general Calpúrnio Piso, com quem Tibério mantinha estreitas relações, supostamente para mantê-lo sob controle. Piso e Germânico se desentenderam publicamente em pelo menos uma ocasião (após retornar do Egito, Germânico teria constatado que Piso ignorara instruções suas acerca das tropas na Síria). Ali, Lívia talvez tenha sido solicitada para ajudar Piso a resolver a questão, porque, logo em seguida, Germânico passara mal, acusando o colega de tê-lo envenenado. Germânico morreu no ano 19, deixando Piso no comando da província.

Agripina retornou a Roma com as cinzas do seu marido. Ao receber a notícia do falecimento de Germânicos, o povo romano entrou em luto antes mesmo do senado o declarar oficialmente, e diante da urna com suas cinzas, discursos e homenagens eram prestadas por figuras públicas, incluindo o próprio Tibério. Mas Agripina não se contentaria com demonstrações públicas de afeto. Ela compartilhava da convicção de Germânico de que teria sido envenenado, e que o responsável era Piso (isso não está expresso nas fontes, mas sua mente não deve ter ido muito longe para ligar a atuação de Piso a Tibério). De fato foi aberto processo e Piso foi indiciado, não por assassinato, mas por traição e desacato. Ele se suicidou antes da condenação.

A queda de Piso não satisfez o senso de justiça de Agripina. Ela exigia de Tibério que ele nomeasse um dos seus filhos seu herdeiro, em substituição a Germânico (Tibério tinha um filho Tibério Gemelo, que despontava como seu favorito). Lívia e a sogra, Antonia, mantinham os filhos de Agripina o mais longe possível da mãe. Ela se tornava cada vez mais solitária, e sua relação com Tibério cada vez mais amarga, chegando ao ponto de enfrentá-lo em particular algumas vezes, acusando-o de perseguir, através dela e de seus filhos, o sangue de Otaviano.

Senadores, preocupados com a crescente influência do prefeito pretoriano Sejano (a quem Tibério delegava muitas das suas atribuições quando, em crises emocionais, exilava-se em inacreditáveis orgias na ilha de Capri), buscaram apoio na boa reputação de Agripina, que abraçou a causa. Tibério passou a desconfiar dela, e, num jantar privado, ofereceu-lhe uma maçã para testá-la. Agripina recusou-se a comer, acreditando estar envenenada. Pouco depois ela foi presa com dois de seus filhos, acusada de conspiração (Tibério temia que ela buscasse apoio das legiões leais a Germânico, usando a reputação do marido e o parentesco do avô Otaviano a seu favor).

Agripina e os filhos acabaram banidos para a ilha de Pandataria (atualmente Ventotene), o mesmo local para onde sua mãe Júlia havia sido exilada. Seus protestos constantes eram punidos com castigos físicos (algo raramente aplicado em condenações deste tipo), e ela acabou cega de um olho. Depois de quatro anos do exílio, morreu de inanição (segundo Tácito por greve de fome, mas talvez por ter sido deliberadamente privada de comida, não se sabe), mesmo destino de seu filho Druso, enquanto o outro filho, Nero, se suicidou aguardando julgamento. Ironicamente, Sejano encontrou seu fim antes de Agripina, quando Tibério mandou executá-lo por conspiração. Quando soube da morte de Agripina, Tibério declarou o dia do seu nascimento uma data de mau agouro.

O último filho homem vivo de Agripina, Caligula, criado sob a vigilância de Lívia, sucedeu Tibério como imperador no ano 37. Ele revertera a condenação de Tibério e suas ordens para que o nome de sua mãe fosse riscado da história, e depositou suas cinzas no Mausoléu de Augusto, declarando um dia anual para que os romanos lhe prestassem homenagens. Calígula acabaria assassinado e sucedido pelo primo de sua mãe, Cláudio, e este, por sua vez, substituído pelo seu neto Nero.

Um comentário:

  1. Senhor... poderia me indicar quais fontes você utilizou para escrever o seu "artigo"?

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