quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Colisão de dois mundos

Em 8 de novembro de 1519, o conquistador espanhol Hernan Cortés chegou a Tenochtitlán para se encontrar com o imperador azteca Montezuma II.

A chegada de Cortés a Tenotchitlán é o evento mais importante do processo de ocupação e controle da Espanha sobre a Mesoamérica. A civilização azteca, que se espalhava sobre os territórios de povos "aliados" (a maioria submetidos à força) entre o centro e o sul do México, foi a primeira das civilizações mesoamericanas a tombar diante do poderio bélico da Espanha, e essa região do mundo (entre o México e o norte do Chile), com suas riquezas em metais preciosos, sua infraestrutura e organização social, transformaria aquele país europeu em uma super potência por quase 200 anos.

O encontro de Cortés e Montezuma não aconteceu ao acaso. Desde que a expedição de Cortés (com 630 homens em 11 navios) foi avistada na costa de Yucatán, espiões aztecas mantiveram seu imperador informado de tudo que acontecia. A expedição espanhola, após fundar o assentamento que se tornaria a cidade de Veracruz (neste momento, Cortés cortou relações com seu superior, o governador das Índias Diego Velásquez de Cuellar, seu parente, porque era prerrogativa do governador a fundação de novas colônias; ali Cortés foi declarado um "amotinado" e, para evitar que seus homens debandassem diante da situação, mandou desmontarem seus navios) recebeu a visita de dois diplomatas aztecas. Os aztecas continuaram mantendo contado com os estrangeiros, trocando presentes e tecendo elogios (em um momento Cortés se virou a seus homens e disse, com a ajuda de um tradutor, que os nativos os consideravam como deuses). Os emissários, contudo, tentavam dissuadir os espanhóis de irem a Tenochtitlán, mas os presentes e os elogios eram interpretados como um convite. De qualquer forma eles entendiam que, para se aproximar de Montezuma, teria que ser pelos seus inimigos: eles ofereceram apoio a uma coalizão de tribos menores que resistiam à assimilação azteca, participando de algumas batalhas. Enquanto isso, Cortés enviava solicitações para uma audiência com Montezuma, o que ele insistentemente recusava.

Hernán Cortés veio de uma família modesta na pequena vila de Medellin, sudoeste da Espanha. Estudou com um tio em Salamanca e trabalhou como notário. Com a descoberta da América por Cristóvão Colombo, o governo espanhol passou a patrocinar incursões para reconhecimento das novas terras, estabelecimento de relações com seus habitantes, e a sondagem de suas riquezas, usando assentamentos já existentes como bases de operações e a fundação de novos mais adiante (expedições conhecidas como "entradas"). Cortés, que não possuía bens ou terras de que pudesse usufruir, foi atraído para este tipo de empresa - ele também teria circulado pelos portos de Sevilha, Cádiz, e outros, ouvindo histórias de marinheiros sobre as possibilidades e riquezas nas novas terras. Aos 18 anos conseguiu passagem para Hispaniola (ilha onde estão Haiti e República Dominicana), possivelmente graças a Velásquez, que depois lhe concedeu uma "encomienda" (uma propriedade e um grupo de nativos empregados em trabalhos forçados). Cortés permaneceu 15 anos nas Índias Ocidentais, ocupando cargos públicos nas colônias, participando de batalhas contra nativos, e administrando suas novas propriedades. Mas expedições espanholas já haviam provado que a América guardava muito além do que as pequenas ilhas de Hispaniola e Cuba (de cuja capital era prefeito). Seu biógrafo o descrevia como "impiedoso" e "traiçoeiro". De fato, seu conhecimento das leis adquirido enquanto notário o fizeram romper com o governador das Índias assim que viu a possibilidade de fundar uma colônia por conta própria, submetendo-se diretamente ao rei Carlos I (o mesmo rei Carlos V do Sacro Império Romano, que herdara o trono espanhol), alegando que Velásquez agia em benefício próprio, não em prol da Coroa.

As fontes sobre Montezuma são vagas, quase todas registradas sob ponto de vista dos espanhóis. Bernal Díaz, companheiro de Cortés, o descrevia como um homem de boa constituição, pele clara, barba rala e estreita, senhor de um harém de concubinas e duas esposas, e cercado por uma corte de dois mil nobres que habitavam seu palácio. O Império Azteca, costurado à base de força e alianças de conveniência, estava em seu apogeu. Além de manter seus aliados sob controle, os aztecas precisavam manter um exército constantemente mobilizado para conter os ataques de uma confederação de Nahuas, Mixtecas e Zapotecas, que por 75 anos resistiram à assimilação. Estas mesmas a quem Cortés oferecia ajuda.

Os cronistas espanhóis sugeriram que Montezuma nutria interesse pela expedição de Cortés por conta de uma suposta crença no retorno do deus Quetzalcoatl (que teria nascido e depois navegado para o leste em anos que corresponderiam, nos ciclos solares do calendário azteca, ao ano da expedição, 1519), e que Cortés seria este deus incarnado. A influência deste mito nos acontecimentos que se seguiram é muito questionada atualmente no meio acadêmico porque são muito escassas as fontes nativas a respeito da sua importância, mas continua propagado como o motivo para a atitude desconcertantemente afável de Montezuma diante daqueles estrangeiros. Se a religião, que era um pilar central na sociedade azteca, teve algum papel naquele cenário, foi o de servir como argamassa para a coesão dos diferentes povos que constituíam o império azteca - bem como um dos fatores que uniam seus inimigos.

Quando Montezuma convocou Cortés para uma audiência, os espanhóis tinham um grande exército engordado por milhares de guerreiros nativos. Ele havia acabado de atacar a cidade de Cholula (a segunda maior do centro do México, sob jurisdição azteca), onde estava hospedado, massacrando 3 mil pessoas e incendiando templos e palácios para demonstrar sua força e intimidar Montezuma. Cortés levou todo o seu exército para a capital azteca, temendo uma armadilha.

Contudo, ao entrar na cidade - construída sobre uma ilha no meio de um lago, conectada às terras no entorno por pontes - foi recebido calorosamente por Montezuma em pessoa e os reis das principais cidades aliadas, mas não foi permitido que Cortés o tocasse. Meio desconcertado, Cortés trocou presentes com o anfitrião. Montezuma o presenteou com um calendário em forma de disco de ouro, e outro de prata, que Cortés depois derreteu. Ele e os outros espanhóis foram cobertos com jóias de ouro e pedras preciosas, e adornos com penas. Depois, já no palácio que pertencera a Axáyacatl, pai do imperador azteca, preparado para receber Cortés como hóspede, Montezuma discursou diante da corte e do seu convidado, dizendo:

"Tu graciosamente desceste à terra, tu graciosamente te aproximaste de tua água, tu chegaste à tua porta, teu trono, que eu brevemente guardei para ti, eu que o guardava para ti. (...) Tu graciosamente chegaste, tu conheceste a dor, tu conheceste o cansaço, agora vem à terra, entra em teu palácio, descansa teus membros"

Montezuma chegou a oferecer o trono a Cortés. O espanhol acreditou até o fim que as palavras e atitudes de Montezuma eram literais, ou seja, que o monarca, diante da força dos espanhóis, ou influenciado por superstições, havia entregue de boa vontade seu império ao rei Carlos V, a quem representava. Todo o movimento de Cortés depois disso teve como base e justificativa esta interpretação. Os cronistas espanhóis, confusos com a "ingenuidade" de Montezuma, tentaram associá-la à crença de que Cortés era Quetzalcoatl, ou ao pânico que a visão de homens em armaduras ou sobre cavalos teria causado (demonstrações da artilharia espanhola haviam sido fúteis no passado para impressionar os chefes nativos).

Porém, é mais provável que a atitude do rei azteca de oferecer seu trono ao invasor estrangeiro seria uma forma de constrangê-lo pela sua audácia, ao mesmo tempo em que demonstrava sua magnanimidade. Pois entre aztecas e seus vizinhos, a derrubada de um chefe deveria acontecer pela demonstração de força superior em combate. A guerra entre os povos mexicanos era ritualizada, a ponto de prisioneiros capturados em batalha serem mantidos cativos para serem executados em sacrifícios cerimoniais, destino que aceitavam com resignação (quando qualquer outra possibilidade de fuga ou rebelião não existia). Sob esta ótica, Montezuma ofereceu o trono a Cortés esperando que isso ferisse a sua honra, como alguém que esfrega o focinho de um cão em sua própria urina. Os espanhóis nunca perceberam esta sutileza.

De fato, Montezuma não tinha a real intenção de entregar tudo que possuía. Quando Cortés, mais tarde naquele mesmo dia, solicitou a Montezuma erigir uma cruz no alto de um templo em homenagem à Virgem Maria, o azteca teria ficado furioso e ordenado o assassinato de 7 espanhóis que haviam ficado no litoral. Quando soube, Cortés e cinco de seus capitães ordenaram que Montezuma fosse com eles, sem escândalos, ou seria morto. Entre novembro de 1519 e maio de 1520, Montezuma foi mantido cativo em Axáyacatl, embora ainda atuasse formalmente como imperador. Enquanto isso, os espanhóis saqueavam os tesouros de Tenochtitlán e cidades próximas e impunham punições a militares e agentes públicos aztecas que os desacatassem.

Em maio de 1520, o governador das Índias, o mesmo Velásquez, enviou uma expedição para localizar e capturar Cortés, o que fez o caudilho espanhol deixar Tenochtitlán com o grosso dos seus homens, mantendo uma guarnição na cidade. Então, o seu segundo em comando, Pedro Alvarado, ordenou um massacre durante as celebrações do Toxcatl, uma das principais festas religiosas locais, justificando-se de ter impedido o sacrifício humano em um ritual pagão. A fúria causada nas principais cidades teria levado ao assassinato de Montezuma (seja pelos espanhóis, seja pelos aztecas, ambos o teriam feito por causa da sua incapacidade de intervenção de um lado ou de outro). Depois de fugirem do tumulto que se seguiu (perdendo grande parte do tesouro que haviam roubado até então, e vários companheiros que ficaram na retaguarda), os homens de Cortés se reagruparam, e, com ajuda dos tlaxcaltecas, destruíram Tenochtitlán em janeiro de 1521. A linhagem de Montezuma foi absorvida pelos conquistadores - o filho Cuitláhuac morreu de sarampo, o primo Cuauhtemoc torturado com os pés queimados e executado (por não saber onde o tesouro perdido pelos espanhóis estava escondido), e sua esposa e filha de Montezuma, Techichpotzin, batizada Isabel e tomada como esposa por um dos homens de Cortés. Sem liderança, a confederação que compunha o império azteca aos poucos foi absorvida pela administração espanhola sob Cortés.

Os espanhóis governaram o embrião do que seria o México com o auxílio dos chefes das cidades locais, que mantinham seus cargos e privilégios determinados pelo imperador azteca. Já os plebeus corriam o risco de serem escravizados e forçados a trabalhar para os europeus. A Espanha demorou 60 anos para consolidar a conquista do México, anexando impérios e territórios com suas tribos uma a uma - os maias em Yucatán seguiriam resistindo por quase 170 anos, cedendo então apenas por causa de epidemias que eliminaram metade da população nativa. A língua nahuatl (a língua franca do Vale do México, com a qual os freis franciscanos registraram a história da civilização azteca enquanto ela desaparecia) e idiomas relacionados continuam em uso no interior do país até hoje, com 1,7 milhão de falantes atualmente. Os descendentes diretos de Montezuma, desde 1627, recebem do rei da Espanha o título de Duque de Montezuma de Tultengo. Sobre as ruínas de Tenochtitlán e arredores foi erguida a atual Cidade do México.

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