quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Príncipes sobre elefantes

Em 18 de janeiro de 1593, uma guerra entre os reinos de Burma e Sião, no Sudeste Asiático, terminou de maneira dramática.

Burma e Sião correspondem em linhas gerais aos atuais Mianmar e Tailândia, respectivamente. Sião era a principal potência na região até meados do século XVI, e costumeiramente empregava campanhas militares para garantir sua supremacia sobre os vizinhos. Porém, uma crise política na dinastia Aytthaya, de Sião, fragilizou essa posição, e o emergente reino de Burma partiu em campanha para expulsar os siameses da região burmesa de Tanintharyi, que corresponde ao litoral sul de Mianmar. Por cerca de 50 anos, os dois países se confrontaram, com resultados diversos - ora um submetia-se à vassalagem do outro, ora o oposto.

A quarta deflagração aconteceu em 1584, quando o rei Naresuan, da mesma dinastia Ayutthaya, declarou a independência de Sião, então sob controle de Burma. No momento, Burma havia estendido seu território em todas as direções, constituindo um império do qual Sião fazia parte. A morte do criador deste império, Bayinnaung, da dinastia Toungoo, causou um desequilíbrio político que seu sucessor, Nanda, nunca conseguiu recuperar. Além de Sião, Ava, cidade-estado no centro do atual Mianmar, também declarara independência (Ava seria invadida e reconquistada, e transformada em capital imperial poucos anos depois). Trabalhando como um equilibrista para manter os demais vassalos sob controle, o rei Nanda nomeou seu jovem filho Mingyi Swa para comandar uma campanha contra Sião. Foi sob sua supervisão que Naresuan declarou independência.

A campanha foi um fracasso em cinco etapas. No momento da revolta, Nanda enviou Swa com cerca de 11 mil homens, 900 cavalos e 90 elefantes para Sião, mas essa força nunca conseguiu fixar posição segura no país, e a chuva intensa causara enchentes que imobilizaram seus avanços - no vale inundado pelo rio Chao Phraya, no oeste da Tailândia, os burmeses quase foram exterminados por siameses em canoas. A segunda invasão, em 1586, parou na cidade fortificada de Lampang, no norte do país, a qual Swa não conseguiu tomar. Na terceira, Swa foi deixado no controle da capital burmesa Pegu, enquanto o rei Nanda comandava 25 mil homens num assalto à capital Ayutthaya (da qual a dinastia thai emprestava seu nome), mas depois de 4 meses ele retornou apenas com uma fração deste efetivo. Swa comandou uma quarta invasão ao norte de Sião em 1590, mas foi novamente repelido em Lampang (por esse segundo fracasso, Nanda o repreendeu publicamente e executou alguns de seus generais).

Em 1592, depois de 8 anos de vitórias consistentes, Naresuan sentiu-se segurou o suficiente para deixar Sião e empreender uma ofensiva contra Burma, atacando o litoral sul. Swa foi designado novamente para liderar o exército burmês (por segurança, Nanda nomeou outros aliados como seus imediatos) em ofensiva direta contra a capital siamesa. As coisas não deram certo; a batalha foi confusa, resultando na morte de Mingyi Swa, na retirada burmesa, e na consolidação de Naresuan como rei de Sião.

A maneira como os eventos de 18 de janeiro ocorreram varia de fonte para fonte, e são completamente diferentes segundo as duas versões oficiais opostas do conflito. Uma mais espetacular do que a outra.

Na versão burmesa (que teria ocorrido em 8 de janeiro de 1593), Swa conseguira alcançar as proximidades da capital Ayutthaya, onde seu exército encontrou o de Naresuan. Os dois comandantes lutaram sobre elefantes de guerra. Um dos elefantes montado por um nobre burmês estaria no cio, e no frenesi da batalha entrou em fúria, investindo contra Naresuan. O elefante foi contido, mas ao recuar investiu contra as linhas burmesas. A confusão fez com que Swa e sua escolta se deslocassem para campo aberto, onde foram alvejados por morteiros siameses. Swa foi morto por um projétil. Mas um dos mahouts (o nome de quem monta ou cuida de um elefante) que o acompanhava trouxe seu corpo para cima e o manteve escorado às suas costas para não revelar ao inimigo nem aos aliados que seu príncipe havia perecido. Sob a liderança de um príncipe morto, os burmeses continuaram pressionando os defensores até o fim do dia, quando Naresuan recuou para sua capital. Apenas à noite o comando burmês tomou conhecimento da morte de Mingyi Swa, e decidiu retornar ao seu país.

Na versão siamesa (que teria ocorrido em 18 de janeiro de 1593), os dois exércitos encontraram-se a oeste da capital. Burmeses em boa ordem teriam irrompido pelas escaramuças do exército nativo e tomado a ofensiva. Parte da retaguarda siamesa teria caído, e Naresuan, seu filho mais novo e sua escolta teriam ficado cercados. Num momento de desespero, o rei siamês se dirigi a Mingyi Swa, desafiando-o a um combate pessoal sobre elefantes. Swa teria se sentido constrangido em recusar o desafio. Manobrando seus elefantes de guerra, os dois lutavam com espadas; Naresuan foi golpeado em seu elmo, mas revidou com uma estocada no coração do rival, matando-o na hora. Enquanto isso, seu filho fazia o mesmo com um nobre burmês. Os burmeses começaram a atirar com armas de fogo, derrubando alguns mahouts que protegiam Naresuan, mas a desordem teria permitido que parte desgarrada do exército siamês se reagrupasse e avançasse para resgatar seus líderes.

Uma análise moderna dos relatos de época oferece uma terceira versão, também dramática: Swa e Naresuan lutaram a última batalha em elefantes, mas nunca chegaram a duelar. Naresuan teria ficado cercado, mas um dos elefantes burmeses teria entrado em pânico e atacado suas próprias linhas, deslocando Swa de sua posição. Neste momento, Naresuan ou alguém próximo, que estava ao alcance do comando burmês e não tinha escolha, disparou uma arma e alvejou mortalmente o príncipe inimigo, causando desordem e o recuo das forças invasoras.

A guerra terminou em 1594 com a conquista por Naresuan do sul de Burma (ele também havia empreendido ao mesmo tempo uma campanha para anexar o Camboja). Os conflitos armados entre Burma e Sião perduraram por mais 250 anos, até 1855, pouco depois do rei tailandês Rama III, no seu leito de morte, alertar o seu país a não mais lutar contra seus vizinhos, diante da ameaça crescente representada pelos europeus.

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