quinta-feira, 11 de maio de 2017

As Aventuras (reais ou não) do Barão Munchausen

Em 11 de maio de 1720 nasceu Hyeronymus Karl Friedrich von Münchhausen, que viria a se tornar célebre através da sua versão satirizada na literatura na forma do mentiroso Barão Munchausen.

Münchhausen nasceu no seio de uma família nobre do norte da Alemanha, e ainda adolescente, serviu como pagem ao jovem duque Ulrich II de Brunswick. Este Ulrich era sobrinho da imperatriz consorte do Sacro Império Romano, e através dela teve seu casamento arranjado com uma princesa russa. Em 1733 ele seguiu acompanhado de Münchhausen para a Rússia para conhecer melhor a noiva.

Em 1735 eclodiu a confusa Guerra Russo-Turca (que começou com uma guerra entre o Império Otomano e a Pérsia, e envolveu a Rússia por força de tratados com os persas, que apoiavam um herdeiro favorável aos russos ao trono polonês, contra o favorito da França... além da possibilidade da Rússia abrir caminho sobre território Otomano em direção ao Mar Negro). Sob influência do seu suserano, Münchhausen foi nomeado corneteiro de uma unidade de cavalaria alemã a serviço da Rússia, no fim da guerra em 1739. O futuro barão seguiu carreira militar, tendo sido nomeado tenente e participado superficialmente de duas campanhas russas contra os turcos.

Em 1760, tomou posse das terras da família em Bodenwerder e decidiu "aposentar-se" como barão (em alemão, "Freiherr", ou "Senhor livre"), ou seja, viver das rendas da sua propriedade. Ali ele promovia encontros festivos com aristocratas alemães, onde entretinha os convidados com sua própria versão de suas aventuras no exército russo. Suas histórias, tão espúrias e espetaculares, passaram a atrair a curiosidade de nobres e viajantes da Europa, que vinham visitá-lo para ouvi-lo contar de como suas peripécias inacreditáveis determinaram os acontecimentos históricos nas quais estavam inseridas. Um observador ponderou que Münchhausen exagerava seus feitos não para enganar ou vangloriar-se, mas para ridicularizar a credulidade de seus amigos. Münchhausen morreu em meio a um processo de divórcio com sua segunda esposa, 57 anos mais jovem, que tivera um filho exatamente 9 meses depois de se retirar a um spa na Saxônia, em 1797.

O barão teria sido esquecido como uma figura menor da história alemã, não fosse pelo escritor alemão Rudolf Erich Raspe. Raspe estudou na Universidade de Göttingen, fundada por um primo de Münchhausen, e através dele conheceu Münchhausen ali antes da sua aposentadoria. Convidado a participar de uma de suas reuniões em Bodenwerder, ele guardou para si lembranças de alguns dos contos que ouviu e a eles adicionou outros mais antigos presentes na literatura alemã para criar o personagem quase homônimo, o Barão Munchausen. Publicados anonimamente e escritos em primeira pessoa (identificada originalmente apenas como "M-h-s-n"), os contos foram publicados pontualmente em revistas e inseridos em almanaques alemães. Foi em 1785, enquanto trabalhava em uma empresa mineradora na Inglaterra, que Raspe compilou (anonimamente) pela primeira vez as aventuras do Barão Munchausen (sem o segundo "H", para que fosse lido com mais facilidade em inglês). Com títulos enormes que variavam de uma edição para outra, o livro é comumente conhecido como Viagens do Barão Munchausen.

Na obra, Munchausen é um nobre veterano de guerra narrando a seus amigos, de forma exagerada, suas aventuras originalmente contextualizadas no cenário da Guerra Russo-Turca - como no prefácio o próprio personagem reconhece ao leitor a dificuldade de se afirmar a veracidade dos fatos, ele consegue uma declaração de confiança subscrita por ninguém menos que Gulliver, Simbad, e Alladin. Colocado frequentemente em situações inacreditáveis, o Barão contorna seus problemas usando de astúcia e habilidades super humanas.

,Entre seus feitos, ele livra-se de um leão fazendo-o atirar-se na boca de um crocodilo, matando ambos; depois de tirar seu cavalo do telhado de uma igreja, este é devorado por um lobo, que o barão atrela e faz puxar seu trenó; abate quase 100 aves em um lago disparando com o fogo que saía de seus olhos; explode um urso com uma pederneira, vira um lobo do avesso, e, depois de fugir de um cão raivoso, seu próprio casaco de pele enlouquece e ataca as outras roupas de seu armário; escapa do estômago de um peixe gigante dançando à moda escocesa dentro dele; acerta os pescoços de 17 inimigos com apenas um tiro de canhão; relata como seu pai viajou da Inglaterra para a Holanda num cavalo marinho; conhece o próprio deus Vulcano no interior do Monte Etna, indo parar em seguida em uma ilha (maior que a Europa, que ele sobrevoara nas costas de uma águia) feita de queijo cercada por um mar de leite; cavalga uma bala atirada de um canhão.

Uma das cenas mais famosas começa quando os turcos o capturam e o vendem ao sultão como escravo. Enquanto cuidava das suas abelhas gigantes, dois ursos atacam a colmeia. Ele tenta espantar os ursos com uma machadinha de prata usada pelos jardineiros, mas o arremesso é tão forte e tão errado, que a machadinha vai parar na lua. Ele planta um pé de feijão que cresce até se agarrar numa das "pontas" da lua e sobe por ele. Ao recuperar a machadinha (perdida num lugar onde tudo reluzia a prata), ele percebe que o pé de feijão secara. Então ele corta um pedaço do pé seco e faz uma corda; conforme se pendura nela, ele vai cortando outros pedaços do pé de feijão para alongar a corda. Porém a corda resulta curta demais, e ele despenca de uma altura de 8 km, caindo como um prego, enterrando-se no solo. Ele se livra cavando com as próprias unhas, que deixara crescer por 14 anos.

Em outra ocasião, o barão montava um cavalo lituano muito especial, que tivera a metade de trás do corpo arrancada enquanto passavam por um portão que descera às suas costas, mas ele só percebera que o animal caminhava apenas com as patas dianteiras quando, ao parar para beber água, ela passava pelo seu corpo e derramava no chão pelo buraco; o barão resolvera o problema costurando as duas metades com ramos de louro, que não só curaram o animal, como cresceram para fazer sombra sobre seu ginete.

O verdadeiro Barão Münchhausen, quando soube da publicação do livro, não ficou nada satisfeito. Sentindo-se insultado, ameaçou processar o editor (um certo Smith, já que Raspe permanecia anônimo), mas isso não impediu que a obra fosse traduzida para alemão e francês antes da virada do século. Ironicamente, o próprio Raspe inspiraria um personagem de O Antiquário, de Walter Scott, um trambiqueiro alemão trabalhando em uma mina escocesa - o Raspe verdadeiro teria enganado um dono de terras escocês sobre a riqueza na sua propriedade mostrando a ele gemas e pedras preciosas que ele mesmo havia "plantado" no chão previamente. Reeditado muitas vezes ao longo do século XIX, ganhou o cinema pela primeira vez com a produção de 1911 dirigida por George Méliès. A última versão importante das histórias do barão foi o filme As Aventuras do Barão Munchausen de 1989, dirigido por Terry Gillian.

Uma desordem psiquiátrica chamada Síndrome de Munchausen compreende um quadro onde o paciente deliberadamente mente sobre sintomas que não está sentindo, forjando-os se for necessário, para conseguir atenção médica (diferente da hipocondria, onde o paciente realmente acredita estar sentindo os sintomas que descreve). Inspirado pelo conto em que o barão salva a si próprio do afogamento puxando-se para fora de um pântano pelos cabelos, filósofo Hans Albert definiu o Trilema de Munchausen, que discute a impossibilidade de se provar definitivamente qualquer verdade porque o argumentador tem três vias argumentativas possíveis: justificar sua conclusão a partir de um método que precisa justificar-se logicamente com base em premissas que precisam ser justificadas, assim indefinidamente; um argumento circular (fundamentado nele mesmo ou nas suas próprias motivações) pode ser usado, porém sacrificando sua validade; pode-se usar o princípio da autoridade, ou da razão suficiente, fundamentado na palavra de um "expert" ou no que "está escrito" (esta tríade está presente abundantemente na narrativa do barão, que apresenta os fatos como se fossem naturais e lógicos; na falta de lógica, apela para o argumento circular; e quando tudo mais falha, alega a veracidade colocando em jogo sua própria palavra de honra).

Em Bodenwerder existe hoje uma fonte esculpida no formato de um meio-cavalo, montado pelo barão, com a água jorrando da metade cortada do seu corpo.

P.S.: Se me permitem, antes de conhecer o barão e suas histórias, minha avó contava sua própria versão delas, substituindo o barão por um "príncipe" anônimo, que reunira personagens com habilidades extraordinárias para participar de uma competição pela mão de uma princesa (o personagem-título era um deles, chamado Come Tudo, Bebe Tudo, e Nada Chega). Quando o filme de 1989 chegou ao cinema, reconheci nele quase todos os personagens e eventos do "ciclo mitológico" da minha avó.

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